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Vale a pena ler de novo o que saiu nas páginas de VEJA em quase cinco décadas de história
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Racismo no Brasil também ficou provado em 1990 e 1967

Inspirada na revista 'Realidade' de 50 anos atrás, VEJA, há 27, levou um negro, um branco e um oriental para viverem situações parecidas

Por Da redação
Atualizado em 30 jul 2020, 20h41 - Publicado em 16 nov 2017, 20h18

Na edição de VEJA que chega às bancas nesta sexta-feira, jornalistas da revista, Heitor Feitosa, negro, e Claudio Rabin, branco, visitaram capitais do país para buscar exemplos de preconceito racial. Ambos se submeteram às mesmas situações em inúmeros estabelecimentos, da compra de roupas em lojas a busca de vagas para o filho em escolas, e mostram na revista a diferença de tratamento. A reportagem, além de espetacular e reveladora, merece outros adjetivos, mas não o de pioneira.

Em 1990, a própria VEJA foi a campo com o mesmo intuito, mas não com dois e sim três repórteres, para mostrar como o tratamento muda quando o cliente é branco, negro ou oriental (o terceiro elemento que difere a pauta de 27 anos atrás da atual). Antes ainda, em 1967, a revista Realidade, também da Editora Abril, fez a reportagem original dessa abordagem.

ReVEJA traz a seguir o texto da edição 1.132, de 30 de maio de 1990, e alguns trechos de Realidade, de outubro de 1967.

VEJA, maio de 1990

Usando como base a reportagem sobre discriminação racial feita em 1967 pela revista Realidade, da Editora Abril, “VEJA pôs em campo os repórteres Luís Estevam Pereira, que pelo critério do IBGE estaria na categoria de brancos, Adam Sun, que seria colocado entre os amarelos, e o editor-assistente Rinaldo Gama, que seria enquadrado entre os pardos, a fim de fazer uma experiência semelhante em São Paulo.”

Usando as regras básicas de roupas parecidas e abordagens idênticas, eles testaram diversas situações na capital paulistana, uma delas no bar do restaurante The Place, na região dos Jardins. “Estevam e Sun não precisaram abrir a porta — o porteiro fez sua obrigação. Gama entrou no recinto depois de abrir, por conta própria, a porta do restaurante — o porteiro o ignorou. No bar, Gama foi o único dos três que precisou esperar vinte minutos até que um garçom resolvesse lhe oferecer croquetes. Quando saiu, os garçons que estavam próximos a Estevam comentaram entre si: “O negão foi embora”.

Matéria de VEJA fez teste de racismo em 1990

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E mais, agora testando as vendedoras do comércio: “Numa loja de roupas masculinas, a Richards, dos Jardins, aconteceu algo bem parecido. Gama entrou e pediu para ver calças de lã. Uma vendedora o conduziu até um balcão onde havia dois modelos. Estevam entrou e fez o mesmo pedido. Sem pedir licença a Gama, a vendedora retirou a calça que ele tinha nas mãos e a ofereceu a Estevam. Disse: “Temos este modelo aqui, que o senhor pode experimentar naquele provador; meu nome é Gláucia, e se o senhor precisar de alguma coisa é só chamar”. Em busca de outra mercadoria, Gama perguntou sobre calças de veludo. “Não tenho o seu número”, respondeu a vendedora. Sobre paletós e gravatas de lã. “Só vou receber na próxima semana”, informou Gláucia. Voltou à carga sobre calças de lã. “Do seu número eu só tenho aquela, que está com o outro moço.

Gama saiu. Estevam disse que não levaria a calça porque era cinza e ele queria preta. A vendedora ligou para outra loja da rede e conseguiu reservar um modelo para Estevam. Sun, atendido por outra vendedora, cansou-se de ver diferentes calças de lã e ainda teve informações sobre as diversas formas de pagamento que poderia utilizar.”

Atos de discriminação também voltaram a ocorrer em uma maternidade paulistana. Leia a matéria na íntegra clicando aqui.

Realidade, outubro de 1967

A corajosa e pioneira reportagem da revista Realidade foi publicada há mais de 50 anos, em um período em que até a abordagem do assunto era considerada um tabu. Nada que intimidasse a publicação da Editora Abril que, em outubro de 1967, mostrou como os negros eram tratados no país, revelando o preconceito muitas vezes escancarado em diversas cidades do país.

Capa da revista Realidade de outubro de 1967 (Reprodução/Reprodução)

Narrada em primeira pessoa pelo repórter (branco) Narciso Kalili, a reportagem conta a diferença nos tratamentos dispensados a ele e a também repórter Odacir de Mattos, negro.

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Logo no início do texto, uma análise do jornalista branco feita logo após Odacir contar que acabara de pagar o dobro (5 mil cruzeiros, e não 2,5 mil, preço do cardápio) por um uísque em um restaurante do aeroporto — eles esperavam o voo para a primeira das cidades escolhidas para as abordagens (Belém, no Pará) : “Só mais tarde, no transcorrer da reportagem, eu compreenderia a técnica usada pelos donos de hotéis, restaurantes e casas de diversão. Por temerem complicações, eles não se recusam a receber negros em seus estabelecimentos. Mas o tratam tão mal e cobra tão caro que o negro, se não for embora na hora, não sente mais vontade de voltar”.

Em Belém, capital do Pará, ele narra o comentário preconceituoso de um motorista de táxi — “aqui, negro tem pouco, a gente não gosta. Estão espalhados nessas construções como pedreiros. São gente muito ruim” — e a diferença de tratamento que presenciaram em uma festa da sociedade local.

“Fomos recebidos na porta pela aniversariante e seus pais. Quando entramos no salão, as atenções voltaram-se para nós. Eu e Manfprin fomos para um dos cantos do salão, enquanto Odacir procurava onde sentar. Os convidados acompanhavam seus gestos, virando a cabeça à sua passagem. (…) O que Odacir estava sentindo não deveria ser novidade para ele. Na mesa, ele comentava:

— Me sinto um bicho. Olhado, cheirado, analisado, sentido, dissecado. Não posso dar um passo, fazer um gesto, falar nada sem que me transforme em alvo de todo mundo. A enfrentar uma situação dessas, o negro prefere não andar com brancas. Mas existem os que gostam disso. E se realizam sendo alvo das atenções, sem perceberem que esse interesse nada mais é do que um hostil preconceito.”

As variações ocorreram também em outras cidades. Em Salvador, o problema foi na busca de uma vaga em uma escola infantil. “Rodamos praticamente toda a cidade sem encontrar nenhuma resistência para Odacir matricular seus filhos. No último deles, Escola João e Maria, a diretora recebeu Odacir com toda a cordialidade, um sorriso nos lábios, gentil

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— Lamentavelmente não posso atendê-lo. Não tenho mais vagas. Porém, vou fazer-lhe um bilhete apresentando-o à diretora de outra escola. Um momentinho.

Ela retirou-se e entregou o seguinte bilhete a Odacir: “Amelinha. Boa tarde. Este senhor está sendo transferido de São Paulo e o filhinho dele precisa ir ao J. da Infância. Como não tenho mais vaga, mando-o conversar com você. Um abraço, Lena.

Odacir apanhou o bilhete e saiu. Eu entrei na escola tranquilo. Quem me atendeu foi uma garota, a secretária. Disse o que queria — exatamente a mesma coisa que Odacir. Estava sendo transferido do Rio e queria matricular minha filha de cinco anos no Jardim da Infância. Ela chamou a diretora. Sorriu muito, consultou a lista de matrícula e concluiu alegre:

— O senhor tem sorte. Ainda tenho vagas. Quer fazer a matrícula já?

Disse que sim, paguei 60 cruzados novos da taxa de inscrição e saí. Estava irritado.”

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Em São Paulo, o trecho mais curioso da reportagem de Realidade ocorre quando os jornalistas resolvem — afinal, eram outros tempos — testar uma casa de prostituição. Vale a pena ler:

“Entramos na Vogue. Estava lotado. Odacir sentou-se sozinho. Era o único negro ali dentro. As prostitutas do Vogue espalhavam-se desde o bar da entrada até as mesas do fundo do salão. Sentei-me numa mesa próxima à de Odacir. Pedimos bebidas e ficamos observando alguns casais que dançavam. Odacir fez sinal a uma morena de cabelos longos, convidando-a para dançar. Ela ignorou-o. A mesma mulher começou a olhar-me fixamente. Chamei-a, sentou-se ao meu lado, conversamos longamente sobre vários assuntos e eu a provoquei, olhando para Odacir:

— Vem muito negro aqui?

— Quase nunca.

— Não saio por dinheiro nenhum. Tem umas mortas de fome que saem. Algumas taradas até gostam. Eu não, escolho as pessoas.”

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