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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Um ministro de Estado ou do Supremo continua a ser uma autoridade mesmo tomando um Chicabon ou dando pipoca aos macacos. Imaginem, então, com um copo na mão!

Contam-me uma cena interessante. O poderoso estava no Piantella, o restaurante dos poderosos de Brasília, de propriedade de Kakay — o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, que defende um dos mensaleiros —, e, num dado momento, já tomado pelo espírito do álcool, anunciou: “Aqui eu sou eu, não sou autoridade”. Não obstante, o carro […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 08h08 - Publicado em 14 ago 2012, 07h59

Contam-me uma cena interessante. O poderoso estava no Piantella, o restaurante dos poderosos de Brasília, de propriedade de Kakay — o advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, que defende um dos mensaleiros —, e, num dado momento, já tomado pelo espírito do álcool, anunciou: “Aqui eu sou eu, não sou autoridade”. Não obstante, o carro oficial o esperava na porta, com seguranças. Um homem público tem direito a uma vida privada? Claro que sim! Mas menos do que qualquer um de nós, que não temos poder nenhum. Não somos operadores de políticas de estado, não somos operadores da lei, não representamos um conjunto de pessoas, não encarnamos as prerrogativas de um Poder, não nos oferecemos, enfim, para ser notáveis da República.

Um ministro do Supremo deixa de sê-lo porque está numa festa? Não! Ele é um ministro do Supremo numa festa. Um ministro do Supremo que toma uma taça de champanhe é um ministro do Supremo a que se agregou uma taça de champanhe. Um ministro de estado que toma duas taças de champanhe é um ministro de estado a que se agregaram duas taças de champanhe. Um senador que toma dez taças de champanhe é um senador a que se agregaram dez taças de champanhe, além de representar um risco para a reputação da instituição a que pertence.

Sem essa! Os 11 do STF — já que somos 190 milhões — têm, sim, de ser exemplos de retidão e de virtude (e peço perdão pelas palavras antigas, fora de moda…). Espera-se deles que se comportem com decoro. Não! Exige-se deles tal conduta. Até porque continuam, na festa ou no recôndito do lar, a gozar de benefícios especiais, não é?, que lhes confere a República — esta, afinal, é ciente do seu papel e de sua importância.

É claro que estou me referindo a José Antonio Dias Toffoli e aos episódios lamentáveis envolvendo o jornalista Ricardo Noblat. Este não precisa da minha defesa, é evidente. Tem a sua própria página para escrever o que achar que deve. Não é homem público. Se alguém se desagrada do que ele escreve ou faz, basta não acessar mais o seu blog. E pronto! O mesmo vale pra mim! “Ah, esse Reinaldo aí…” E pimba! Pode até vir um daqueles palavrões com que o ministro brindou o jornalista. Basta não me ler, e fica tudo certo!

Com Toffoli e com qualquer outra autoridade da República, a coisa é diferente. Não podemos nos livrar deles ainda que queiramos. Não dependem da nossa vontade para estar onde estão. Sim, encontram-se inseridos na ordem democrática; também derivam da representação — Lula, eleito pelo povo, indicou Toffoli para o cargo, e ele teve o nome aprovado por senadores, que também passaram por processo eletivo. Mas é evidente que cada um de nós não pode eliminar a autoridade, assim como um leitor decide dar um pé no traseiro de Noblat ou de Reinaldo. Ainda que a gente não queira mais saber de Toffoli — ou de qualquer outro —, eles continuarão a ser quem são. E justamente porque derivam do processo de representação, sagrado na democracia, estão obrigados a um decoro, sim!, também na vida privada.

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Em parte, e vou repetir a crítica que já fiz aqui, a imprensa é culpada por isso. Anotem aí: não existe nada parecido com Brasília em democracia nenhuma do mundo. Barack Obama gosta de se referir a “Washington” como uma espécie de ilha de fantasia da burocracia, mas é evidente que o centro do poder nos EUA está a léguas de distância, nos costumes, do que se vê ali no meio do cerrado. Sabem quando se vão encontrar numa mesma festa, numa feijoada, num casamento ou num convescote um ministro da Suprema Corte e um advogado que tenha apresentado uma petição a esta mesma corte? NUNCA! Curiosamente, também estava presente Sepúlveda Pertence, o presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

O que estou a lhes dizer é que se respira um ambiente ético em Brasília que é único no mundo. E a imprensa, de maneira geral, tem se negado — com as exceções de sempre — a retratar esse ambiente. Porque muitos de nós, os jornalistas, frequentamos esses lugares para conversar, colher informações, saber dos bastidores — alguns vão mesmo é se esbaldar, claro! Ocorre que, muitas vezes, a própria existência do evento e as personagens que o abrilhantam são a notícia.

“Ah, então você acha que jornalista pode falar com quem bem entender, mas não um ministro de estado, um ministro do Supremo, um juiz?” Sim, é exatamente isso o que eu acho! Escolheram ser homens de estado; escolheram nos representar. Nos EUA, como é público e notório, o político perde o direito à privacidade de que desfruta o homem comum. Por aqui, a franja ética é tão extensa que tudo, no fim das contas, acaba sendo permitido. Só vira notícia aquele que é flagrado com a mão no cofre. Ocorre que essa mão no cofre é uma consequência da falta mais geral de decoro e de limites.

Lembro que Lula se zangou quando resolveram noticiar os negócios supostamente privados de Lulinha, o seu “Ronaldinho” dos negócios. Segundo ele, tentaram avançar na vida particular do rapaz. Então vamos ver: a Gamecorp recebeu uma dinheirama da então Telemar (hoje Oi), uma concessionária de serviço público, de que o BNDES, um banco também público, era sócio. Assim como ministro da Suprema Corte nos EUA jamais se confraternizaria com quem tivesse apresentado uma petição ao tribunal, o filho de um presidente jamais faria negócio com uma empresa com essas características.

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Para encerrar
Encerro lembrando um caso exemplar de como, na política, a vida privada e a vida pública devem estar unidas o bastante para que uma sirva de referência à outra e devem estar separadas o bastante para que uma não sirva para alavancar a outra. Às vésperas na nomeação de Toffoli, eu lhes contei aqui esta história.

Em 2007, o então presidente dos EUA indicou Harriet Miers, 60 anos, para a Suprema Corte. Formada em matemática e direito, era conselheira jurídica da Casa Branca, chefiava um escritório de advocacia de 400 pessoas e era tida como uma das profissionais mais influentes do país em sua área. Só que havia um problema: em 1994, enquanto Toffoli era advogado de Lula aqui, Harriet era advogada de Bush, então governador do Texas. Quando ele fez menção de nomeá-la para a corte, a grita nos EUA foi tal — INCLUSIVE DOS REPUBLICANOS — que o presidente americano foi obrigado a retirar a sua indicação. Como as coisas por lá funcionam de outro modo, Harriet pediu demissão também da função de conselheira. A imprensa não perdoou: considerou simplesmente inaceitável, embora não fosse ilegal, que uma ex-advogada do presidente fosse parar no cargo mais alto do Judiciário americano. Sim, ela era qualificada, mas ficaria parecendo ação entre amigos, e uma República repudia isso. 

Entenderam? No Brasil, o ex-advogado do PT, ex-advogado de Lula, ex-subordinado de José Dirceu, ex-sócio do escritório que teve três mensaleiros como clientes e atual companheiro estável da advogada de um mensaleiro não vê motivos para se declarar impedido de participar do julgamento.

O país não tem as mazelas que tem por acaso. Não! Não é por culpa desse ou daquele em particular, mas da tolerância com a lambança. Lembrei, então, naquela oportunidade que Banânia entrou no século 19 como a maior economia das Américas. Entre 1800 e 1900, seu PIB passou a ser um décimo do PIB dos EUA. Por quê? Porque fomos criando, como nação, instituições ruins. Elas nos empobrecem ou tornam nossas vantagens irrelevantes.

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O maior crime dos petistas não foi o escândalo do mensalão, dos aloprados ou sei lá o quê. O maior crime do PT foi e é tentar transformar essa sem-vergonhice numa categoria política e numa categoria de pensamento de… resistência! E nada escapa, como se nota, à sua fúria destruidora.

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