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O homem como porco do homem. Ou: Quando a imprensa estimula a delinquência

O que é um “ativista”, além de ser o contrário de um “passivista”? Bem, o ativista é um adepto do “ativismo”. O Houaiss traz várias boas acepções para a palavra. Leiam. Na semana passada, os ditos “ativistas” fizeram aquela barbaridade no Instituto Royal. Nesta quarta, dia 23, li no G1, alguns outros interromperam uma aula […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 05h07 - Publicado em 25 out 2013, 04h49

O que é um “ativista”, além de ser o contrário de um “passivista”? Bem, o ativista é um adepto do “ativismo”. O Houaiss traz várias boas acepções para a palavra. Leiam.

ativismo houaiss

Na semana passada, os ditos “ativistas” fizeram aquela barbaridade no Instituto Royal. Nesta quarta, dia 23, li no G1, alguns outros interromperam uma aula prática de medicina na PUC de Campinas para registrar — isto é, filmar, em sinal de protesto — o uso de cinco porcos para treinar a técnica da traqueostomia, que salva vidas mundo afora todos os dias, em especial a dos alérgicos, como eu, que podem ter um choque anafilático, com edema de glote, e morrer sufocados. Os inimigos não delirem de satisfação só com o meu caso. Pensem que poderia ser um filho ou irmão de vocês. Entende-se com mais facilidade. A necessidade de eventualmente ter de recorrer a um procedimento assim talvez seja o que mais assombre os médicos se eles pensarem no assunto. Até porque, na maioria das vezes, a traqueostomia é uma emergência, realizada fora de salas cirúrgicas, sem as condições consideradas mínimas para intervenção tão drástica.

Foi invasão mesmo. Leio na reportagem que Flávio Lamas, presidente do Conselho de Defesa dos Animais de Campinas, apoia a ação. E ele afirma com aquela certeza que confere a irresponsabilidade de quem jamais terá de fazer uma traqueostomia: “O ato foi para mostrar a crueldade com o animal. Existem outros modelos, como simuladores e filmagens, que podem ser utilizados de forma didática. É uma mudança que precisa ser feita”.

Eu sempre fico muito impressionado com a arrogância dos ignorantes. Não há simulação possível que possa substituir determinadas experiências. Fosse assim, um cirurgião se tornaria um especialista sem jamais ter tocado no corpo de bicho ou de gente. Fico aqui a me perguntar: qual é a hipótese de Lamas para que a Faculdade de Medicina da PUC, então, recorra aos porcos? Maldade? Perversidade? Gosto de ver sofrer os animais? Paixão por cortar corpos? Fico aqui a me perguntar por que o sr. Lamas se considera moralmente superior ao professor que ministrava as aulas e aos alunos que estavam ali para aprender.

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O mesmo vale para os beagles. Por que diabos o Instituto Royal, sob supervisão de órgãos competentes, fazia o teste de drogas nos cães se supostos modelos de computador poderiam, com eficiência, substituí-los? Com frequência, determinadas drogas, mesmo depois de amplamente testadas, saem de circulação porque, a despeito de todos os cuidados, acabam implicando riscos considerados excessivos.

Um médico que não faça a sua primeira traqueostomia num porco haverá de fazê-la pela primeira vez num humano, numa criança, numa mãe, num pai, em alguém que tem construída uma rede de afetos, que tem uma história, que tem memória ou, então, um longo futuro pela frente. Se não for num porco, então o homem será o porco do homem.

Há algo de profundamente perturbado e perturbador nessa visão moral do mundo. A PUC-Campinas diz seguir todas as determinações do Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal. O professor que conduzia o trabalho registrou Boletim de Ocorrência no 11º Distrito Policial.

O erro da imprensa
O vídeo, curto, foi tornado público pelos ditos “ativistas”. O G1 o reproduz, com o seu logotipo. Cabe, entendo, um questionamento ético. Chegou a hora de a imprensa se perguntar se deve estimular — porque é inegável que a publicação provoca tal efeito — esse tipo de comportamento. O que se vê, ainda que rapidamente, não é bonito: um porco esticado, com a barriga para cima, tendo a traqueia perfurada, com o inevitável fio de sangue. Ora, qual é o propósito de tal exibição?

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É claro que essa divulgação representa uma vitória para aqueles que, afrontado a lei, afrontado o regulamento da universidade, afrontando a autoridade do professor em sala de aula, afrontando o bom senso, invadiram uma sala de aula. Outros, agora, procurarão seguir o seu exemplo. Não tardará, a ciência brasileira haverá de ficar refém dos militantes da, como é mesmo?, “Frente de Libertação Animal”. Práticas e discursos irresponsáveis, como as dos deputados tucanos Ricardo Trípoli (federal-SP) e Fernando Capez (estadual-SP), estimulam a delinquência.

Volto à palavra
“Ativismo”? Em qualquer das acepções das palavras, mesmo naquela que fala em “revolução”, se os supostos “ativistas” ganhassem, o perdedor seria principalmente o homem — e também os bichos, ao menos os domésticos, já que um veterinário também estaria proibido de “aprender” tendo como modelo o próprio animal.

Não, senhores! Isso não é “ativismo”. Chamem-se essas coisas pelo nome que elas têm: crime. Se os cientistas, desde já, não se manifestarem de maneira firme e clara; se a Polícia, país afora, não for extremamente severa no cumprimento da lei; se a imprensa não sair dessa retórica “nem-nem”, esse tipo de vandalismo vai crescer.

Uma questão ao jornalismo
Digamos que um criminoso decidisse filmar o sequestro de, atenção!, uma personalidade pública, registrando detalhes que, de outro modo, ninguém teria. Pergunto: seria o caso de levar ao ar esse filme? Um espertinho poderia tentar sair do “sim” ou “não” afirmando um “depende”… Como? “Ah, se ajudasse a esclarecer o caso e fosse no interesse da vítima, sim…” Errado! O bandido sabe melhor do que você, espertinho, o que é bom para ele e para a sua causa. Divulgar as imagens seria entrar como mais um elo na cadeia do crime.

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