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Moonlight: Um modo de dizer onde e como podemos amar e ser amados

Comento, abaixo, alguns aspectos do magnífico filme “Moonlight” e sugiro que leiam a crítica brilhante feita por Jeffis Carvalho

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 20 mar 2017, 03h26 - Publicado em 19 mar 2017, 18h01

Vivemos a era da idiotia afetiva. Por mais que a realidade simule o contrário, os tempos celebram a morte do “indivíduo”. E isso se dá em várias frentes.

Morre o indivíduo quando a pessoa adere a hordas das redes sociais.

Morre o indivíduo quando o sujeito se torna um “homem-causa”, pouco importa de que lado (dados os múltiplos lados) esteja da peleja.

Morre o indivíduo quando o ente único deixa de ser uno na sua pluralidade (“unidade de composição”, como queria Espinosa; ver abaixo) para se tornar mero estandarte de uma causa. Ou estandarte do seu avesso.

Não acompanho os bastidores e o noticiário sobre cinema, a exemplo do meu amigo Jeffis Carvalho — ninguém no Brasil escreve sobre a área com a qualidade com que ele o faz; poucos no mundo estão no mesmo patamar, e não exagero. Por isso, eu me surpreendi com o Oscar de “Melhor Filme” para “Moonlight”, de Barry Jenkins. Esperava, a exemplo de quase todo mundo, o galardão para “La La Land”, que achei chatinho. Mas entendia as razões do alarido. Nota: este escriba tem problema com musicais; a cada vez que um diálogo objetivo, referencial, é interrompido por trinados, eu me aborreço. Mas sigo.

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Eu sabia muito pouco sobre “Moonlight” até ver o filme há alguns dias. Tinha os ruídos do alarido boçal destes tempos: “É um filme sobre um negro gay…”. Dito assim, pensei, “lá vem aquele papo chato sobre questões identitárias, parcialismo reivindicador travestido de discurso humanista, vitimismo do oprimido a justificar brutalidades…”

Então não tem sido assim com frequência? E pouco me interessa, destaco, o discurso igualmente militante contra a “militância”. São movimentos opostos e combinados. Servem ambos para alimentar o ódio estúpido, a burrice mútua, a ignorância altiva disfarçada de “coragem”. O discurso engajado das minorias pode reivindicar o estatuto de “política” — e isso é legítimo —, mas não o de quintessência do humanismo. Os que, do outro lado, se organizam em milícias do pensamento contra essas minorias podem, da mesma sorte, aspirar a um lugar na política, mas jamais construirão um pensamento.

A razão é simples: é a estupidez do adversário que alimenta as utopias e compõe as distopias de cada lado. Desculpem ser tão rasteiro como serei agora: o melhor exemplo é a lógica de duelistas entre Jean Wyllys e Jair Bolsonaro. A luta de espadas da dupla é útil aos dois e inútil para a causa gay ou para a universalidade. São oportunismos envergando as vestes de convicção.

Mas exagerei na digressão. Vi “Moonlight” sabendo quase nada sobre o filme. E momentos assim são raros. A grandeza se manifesta à sua frente de forma inesperada, sem pressupostos, sem leituras prévias, sem o filtro do que outros disseram. Já havia sido assim para mim com “Manchester à Beira-Mar”, de Kenneth Lonergan.

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Muito bem, meus caros. Abaixo, reproduzo um trecho do estupendo artigo que Jeffis Carvalho escreveu sobre “Moonlight” para  o blog “Estado da Arte”, hospedado no “Estadão” online. É tudo o que tem de ser um texto sobre cinema — ou sobre qualquer arte. Leiam o artigo. Os que ainda não o fizeram, sugiro vivamente, assistiam ao filme.

A obra celebra o indivíduo.

A obra celebra o afeto.

A obra trata, em suma, do que podemos fazer do que fizeram de nós.

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*

Por Jeffis Carvalho

Muito se escreveu sobre“Moonlight” ser a jornada de um negro, pobre e gay em busca de sua identidade. Considero essa uma leitura simplista da ambição estética e filosófica do diretor Barry Jenkins. O cineasta parece nos conduzir, ao contrário, a uma jornada libertária, nos levando a viver com o protagonista um épico da alma humana em busca da sua força como indivíduo, sua luta pela liberdade, inclusive frente à ditadura de uma identidade, principalmente a de grupo.

Segundo longa-metragem de Barry Jenkins, “Moonlight” venceu, merecidamente, o Oscar de melhor filme, e ainda levou as estatuetas de melhor roteiro adaptado — do próprio diretor e de Tarell McCraney, autor da história — e o de melhor ator coadjuvante para o excepcional Mahershala Ali.  O filme é dividido em três capítulos — “Little”, “Chiron” e “Black” — os três nomes usados para se referir à pessoa que seguimos desde a infância até a adolescência e a idade adulta.

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Mais do que descobrir o que ele é, a trajetória de Chiron é feita de encontros. O lugar da identidade é substituído pelo lugar dos encontros. Para o filósofo Baruch Espinosa, o indivíduo é uma “unidade de composição”. Neste processo, são os encontros que decidem quando há conveniência ou inconveniência entre os corpos. Por se tratar de uma experimentação contínua da vida, vamos perceber que há uma variação de afetos, ou seja, quando se trata de um bom ou mau encontro.

“Moonlight” trata, então, desse tempo para os afetos. Talvez seja melhor dizer afetação, no sentido mesmo de causar algo e despertar possibilidades de mudança, de alteração. Daí a recorrência, na segunda parte do filme, denominada exatamente “Chiron” — o nome real do personagem —, de pistas sobre os corpos e as identidades: o estudo do DNA na sala de aula e a pergunta sobre o que são leucócitos – as células que atuam na defesa do organismo. Fala-se do corpo humano, de carga genética, ao mesmo tempo identitária e singular, porque cada indivíduo é único – e da defesa desse corpo. Paralelamente, mostra-se a degradação do corpo da mãe tomado pelas drogas. Ao mesmo tempo, paira uma pergunta no ar: o que pode um corpo?

A narrativa é estruturada como encontros de corpos que se afetam e, mais do que identidades, conquistam a individuação – atingem a singularidade que lhes permite seguir em frente. Como um dos filmes mais libertários já concebidos no cinema americano, “Moonlight” se apoia em uma sofisticada narrativa. Feito de olhares e silêncios, o filme nos diz mais e mais cada vez que o vemos e revemos. Jenkins trabalha em camadas conceituais que vamos descobrindo aos poucos e, juntos com Chiron, entendemos que, se a história contada à primeira vista pode ser comum, o seu protagonista é um ser pleno em sua singularidade.

Realizado no esquema independente, Jenkins celebra a origem desse tipo de fazer cinema bebendo na fonte de John Cassavetes. O cinema independente do pioneiro ator-diretor, segundo ele próprio, buscava a verdade de pessoas que “vivem com raiva e hostilidade, e problemas. E falta de dinheiro, com decepções tremendas na vida. O que eu acho que todo mundo precisa é de uma maneira de dizer: onde e como eu posso amar e ser amado de modo a viver com algum grau de paz?”.

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(…)

Em três tempos, o negro pobre e gay vai descobrir que mais do que aprender a ser alguma coisa, ele precisa é aprender a só ser, como diz a canção de Gil. E “ser” é ser afetado e afetar, por meio de encontros — bons quando atuam em sua potência — e maus quando enfraquecem sua força. O traficante Juan que “Little” encontra e ensina a nadar é um dos bons encontros; porque Jenkins não está preocupado em fazer sociologia e discutir a influência de um “mau elemento”. Chiron, quando vira “Black”, não se torna também um traficante por um determinismo social, mas porque um mau encontro — com Terrel — o levou à prisão e traficar acabou sendo o único caminho que encontrou para continuar exercendo a sua única identidade até então possível: a de sobrevivente.

(…)

Leia a íntegra aqui

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