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Lamento dizer, mas também existe transparência antiética

Eu não acho que a fartura de vazamentos do site WikiLeaks, que mesmeriza as atenções, deva nos impedir de pensar — inclusive as pessoas que trabalham na imprensa. Não estamos acima da lei. O direito e o dever de informar não nos colocam acima de qualquer questionamento nem conformam uma ética de exceção, exclusiva, que […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 13h28 - Publicado em 2 dez 2010, 07h17

Eu não acho que a fartura de vazamentos do site WikiLeaks, que mesmeriza as atenções, deva nos impedir de pensar — inclusive as pessoas que trabalham na imprensa. Não estamos acima da lei. O direito e o dever de informar não nos colocam acima de qualquer questionamento nem conformam uma ética de exceção, exclusiva, que nos fariam seres apartados do resto da sociedade. Estou aqui dividindo algumas dúvidas com vocês. Não consigo ignorar o fato de que os dados que estão sendo divulgados mundo afora foram obtidos de forma criminosa. Isso é um fato. E um crime é um crime é um crime.

Muitos perguntam: “E Watergate?” As coisas são um tantinho diferentes, não? Ali se tratava de recorrer a uma fonte incrustada no poder — o “Garganta Profunda” — para desvendar um crime cometido no coração da Casa Branca. No caso dos vazamentos de agora, não se investiga crime nenhum; antes, tenta-se tornar sem efeito aquilo que é parte constitutiva do trabalho dos diplomatas: o sigilo. Trata-se, no fim das contas, de uma profissão como qualquer outra, que tem um código de conduta. Ninguém vai escarafunchar, ao arrepio da lei, as anotações de um médico ou de um psiquiatra.

“Ah, mas é diferente! Essas informações dizem respeito a questões de interesse público”. É verdade. Nesse estrito sentido, a ficha médica de Lula ou Dilma Rousseff poderiam ser violadas e divulgadas — afinal, são personagens cuja saúde pode estar relacionada aos destinos do país. Mas o contra-argumento ao tal “interesse púbico” não é só esse: quem disse que o sigilo, nesses casos, também não protege os cidadãos? Argumentar o direito absoluto de informar tem fôlego curto. E digo por quê.

O WikiLeaks poria no ar documentos que revelassem, por exemplo, a identidade secreta de agentes de inteligência espalhados mundo afora? Em tese, a sua proposta permite que se faça isso. Por enquanto, a coisa toda ficou na esfera das fofocas ácidas, que constrangem países, mas não criam danos maiores. A presença de arsenal atômico americano em países europeus ameaçou criar um ruído, mas logo de desfez — porque esse era outro segredo de polichinelo. O fato é que o método comporta riscos.

Não creio que os EUA tentem censurar a imprensa — se tentassem, não conseguiriam. Mas me parece exigir um pouco demais do governo americano que não recorra a meios legais para tentar impedir que o WikiLeaks divulgue documentos secretos. Nos limites da lei, o governo cumpre uma obrigação.

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Cuidado!
Se você clicar aqui, terá acesso a uma entrevista concedida pelo australiano Julian Assange, fundador do site, ao repórter Andy Greenberg, da Forbes. Huuummm… Antes que comente, uma observação importante. O WikiLeaks começou como um site que recebia colaborações anônimas mundo afora. Hoje, não é mais assim. Os vazamentos das mensagens da diplomacia americana foram feitos em parceria com jornais. A página atua como um ramo da imprensa, ainda que diferenciado. E é na diferença que está o problema.

Um jornalista jamais diria que tem uma bomba contra um grande banco, capaz de forçar a reformulação de todo o sistema financeiro. Não atua assim porque tem responsabilidades. Mas foi o que fez Assange na entrevista à Forbes. Vejam:
Pergunta – A gente não viu nenhum desses megavazamentos, como você os chama, do setor privado.
Resposta –
Não! Não na mesma escala do setor militar.
Vamos ver?
Sim, há um chegando por aí relacionado a um grande banco; é um megavazamento (…)
É um banco dos EUA?
Sim, um grande banco dos EUA.
O maior dos EUA?
Sem comentários.
O que você espera com essa divulgação?
Não estou certo. Vai dar uma visão verdade, realista, do comportamento dos bancos na esfera executiva, de modo que vai estimular, acho, investigações e reformas. (…) Haverá violações flagrantes; práticas antiéticas serão reveladas (…) Você poderia chamar de ecossistema da corrupção: o sistema regular de tomada de decisão, que faz vista grossa para práticas antiéticas e lhes dá apoio; a investigação que não é feita; as prioridades dos executivos; como eles defendem seus próprios interesses; o que dizem a respeito de tudo isso…

Encerro
Jornalismo não faz isso, não! Todo o mercado entendeu que ele estava falando do Bank of America. Haveria um lote de 600 mil páginas referentes a 2009. A boataria foi o bastante para derrubar as ações do banco. Em entrevista anterior, ele já havia sugerido ter material sobre a instituição.

Não dá pra ignorar o óbvio: o WikiLeaks no caso da diplomacia americana, buscou parcerias com jornais para tentar — que verbo eu poderia usar? —   lavar com a aparência de investigação jornalística o que, na origem, é crime. Até porque, como a gente está vendo, até agora, não há investigação nenhuma. O que se tem é o mero relato do que foi criminosamente vazado.

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Quanto ao Bank of America, não dá para fingir que Assange, a esta altura do campeonato, se tem mesmo o material, divulga o que e quando quiser, podendo negociar à vontade. Inclusive com o banco. Jornalismo não “avisa” que tem uma bomba na mão. Se o faz, pratica outra coisa: chantagem ou terrorismo.

Eu não estou sugerindo censura porcaria nenhuma! Só estou chamando as coisas pelo nome que elas têm e dizendo que pode haver falta de ética também nisso que estão chamando “transparência”…

Encerro com uma nota de bom humor: imaginem o dia em que alguém decidir vazar os e-mails trocados nos jornais. No dia seguinte, ninguém vai querer comer salsichas!

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