Ensaísta lê a “obra literária” do terrorista Cesare Battisti. Vejam por que os ministros do Supremo deveriam fazer o mesmo
A VEJA desta semana traz um artigo do psiquiatra e escritor inglês Anthony Daniels, que é parte de um ensaio publicado na revista cultural “Dicta&Contradicta”, que chega às livrarias no próximo dia 17. Daniels analisa a, por assim dizer, obra literária do terrorista Cesare Battisti. Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal decide se o facinoroso, […]
A VEJA desta semana traz um artigo do psiquiatra e escritor inglês Anthony Daniels, que é parte de um ensaio publicado na revista cultural “Dicta&Contradicta”, que chega às livrarias no próximo dia 17.
Daniels analisa a, por assim dizer, obra literária do terrorista Cesare Battisti. Na quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal decide se o facinoroso, condenado à prisão perpétua na Itália, fica no Brasil, como querem Lula e os petistas, ou se volta para cumprir pena em seu país, como quer um senso mínimo de decência. Ao mergulhar na obra de Battisti, Daniels encontrou mais do que baixa literatura. Ele pode ter-se deparado com uma forma de confissão. Leiam trecho.
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“O primeiro dos livros de Battisti, Les habits d’ombre, pode surpreender os leitores por parecer uma forma esquisita de o autor proclamar a sua inocência perante o mundo. (…), mas em Les habits d’ombre, o protagonista, Claudio Raponi, tem uma trajetória muito semelhante à do próprio Battisti. Membro de um violento grupo esquerdista, foge para a França e, logo em seguida, para o México, de onde volta anos mais tarde para a França. Nesse país, assassina um agente carcerário. Ora, um dos assassinatos do qual Battisti foi acusado é o de um agente carcerário.
Evidentemente é um erro elementar confundir um personagem de romance com o autor do romance, mesmo quando o texto é bastante autobiográfico. Mas Battisti não era um romancista comum numa situação comum. Bem se poderia pensar que ele talvez devesse haver escolhido o seu tema com mais cuidado e tato, evitando, por exemplo, que o assassinato de um agente carcerário fosse um episódio do livro. De fato, estava confessando o crime e negando-o ao mesmo tempo, talvez para provocar ou ridicularizar esse estado burguês em cuja proteção ele se apoiava.
A descrição do assassinato do agente carcerário no seu livro sugere-nos algo da mentalidade de Battisti. O agente é morto a sangue frio, sem receber mais consideração – talvez receba menos, na verdade – que uma barata que se esmaga contra o chão da cozinha. O protagonista, com quem o autor claramente simpatiza e espera que os seus leitores também o façam, não sofre qualquer efeito psicológico por causa do assassinato cometido e continua a sua vida como se tivesse acabado de postar uma carta no correio. O autor parece esperar que também o leitor deixe o incidente para trás.”
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