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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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EH! Sakamoto vira o ninja da desestabilização permanente: YAH!

Blogueiro tem pergunta que certamente seria calada por Lênin: será que o governo aguenta um “28 de abril” por mês? É proposta. Tomara que a esquerda tope!

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 1 Maio 2017, 07h20 - Publicado em 1 Maio 2017, 06h35

Leonardo Sakamoto é um blogueiro conhecido. Apresenta-se como um militante dos direitos humanos. Também é professor de jornalismo da PUC-SP. Uma aula sua sobre isenção deve ter lá a sua graça. Não sou seu leitor habitual. Não tenho tempo. Mas é claro que já vi uma coisa ou outra. O texto de que tratarei aqui me foi enviado por um amigo. Tem a sua graça porque reproduz um corte mental da extrema esquerda que prescinde de economia política.

Se Lênin o lesse, talvez fizesse esta frase de efeito: “Esquerdismo: doença infantil do comunismo”. E até escreveria um livrinho com esse título. Ah, é verdade, ele o escreveu. Aqui, Sakamoto encontra uma tradução. Recomendo.

Nota de lamento antes que continue. Durante a luta pelo impeachment, cheguei a manter uma interlocução política com grupos que se dizem liberais, com viés de direita. Achava surpreendente que nada conhecessem da literatura de esquerda, embora anticomunistas ferrenhos. Sempre achei importante saber o máximo possível sobre o “inimigo”, também no campo do pensamento. Ser “anti” aquilo que se desconhece é incompreensível para mim. E, obviamente, é ainda menos desculpável a um esquerdista ignorar a reza de seu próprio credo.

O Brasil vive um momento talvez único na história dos povos: empiristas do mundo virtual (?!) confrontam suas ignorâncias sectárias a serviço da entropia.

O que mesmo?
Em tempo: no livro citado, Lênin esculhamba os comunistas alemães, acusados de um radicalismo tosco, que não reconhece nem as necessidades objetivas de formação, estruturação e hierarquização de um partido. Para quem é da área e sabe do que falo (quantos?): pegava pistas deixadas por Marx em “A Ideologia Alemã”. Lênin, em suma, via os comunas da Alemanha mais empenhados em revolucionar os espíritos do que a sociedade.

Sakamoto é esquerdista. Deveria ler. Sem nenhum carinho, com a sua proverbial secura, objetividade e, se preciso, fúria, diria ao blogueiro professor:
“(…) a tarefa dos comunistas consiste em saber convencer os elementos atrasados, saber atuar entre eles, e não em isolar-se deles através de palavras de ordem tiradas subjetivamente de nossa cabeça e infantilmente ‘esquerdistas’.”

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Ou ainda — atenção, Sakamoto:
“É evidente que os ‘esquerdistas’ da Alemanha consideraram seu desejo, suas concepções político-ideológicas, uma realidade objetiva. Este é o mais perigoso dos erros para os revolucionários.”

E, no momento ninja de Lênin, nesse livro, uma frase curta, complementada por outra de Engels:
“É triste ver como pessoas que, sem dúvida, se consideram marxistas e querem sê-lo esqueceram as verdades fundamentais do marxismo.”

E aí ele saca o parceiro de Marx, num texto de 1874:
“Que pueril ingenuidade a de apresentar a própria impaciência como argumento teórico!”

O post
Mas, afinal, por que tudo isso. O nosso ninja da desestabilização permanente escreveu um texto perguntando se o governo aguentaria um 28 de abril por mês

Bem, já percebeu o leitor que talvez seja desnecessário ler o artigo. Ele dá ao artigo um tom interrogativo, mas sua esfinge não tem segredos, certo? A resposta que ele imagina óbvia é “não”. Logo, o nosso “comunista alemão”, meio japonês — por isso o blog é “do Sakamoto”, não “do Leonardo” —, está desafiando Lênin e propondo que os senhores sindicalistas, donos das máquinas que controlam os serviços públicos, impeçam, de maneira sistemática, com periodicidade quase burocrática, uma parcela dos brasileiros de ter uma vida normal.

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E aí ele se atreve naquele que Lênin certamente consideraria o trecho mais assombroso — sorte sua, Sakamoto, ser esquerdista no Brasil democrático de 2017, não na Rússia revolucionária de 1917. Sei bem o que Lênin teria feito com você… Ele era mau como um pica-pau.

Ao negar que o número de pessoas nas ruas tivesse importância para medir sucesso ou insucesso do protesto, escreveu o autor:
“Mas a greve, como protesto, funciona de outra forma: o objetivo não é a demonstração de força passada por imagens da massa tomando todos os cantos, mas o silêncio dos braços cruzados que não produzem e portanto, não geram riqueza. Daí, o tempo não gasto em trabalho, mas na negação dele com um objetivo claro, pode ser usado para o que o trabalhador quiser – tanto participar de protestos nas ruas quanto ‘abrir os trabalhos’ num churrasco com os amigos.”

Uau! É uma mistura, assim, de Slavoj Žižek (tenho sérias dúvidas de que este tenha lido Marx) com Domenico De Masi (sobre este, não tenho dúvida nenhuma), temperado por Macunaíma: “Ai, que preguiça!”.

Sakamoto fundou a revolução do não-trabalho. Não é nada, não é nada… Não é nada mesmo!

A impressão que se tem, nunca vi números, é a de que descendentes de orientais tendem para as chamadas áreas de exatas. Ainda bem que não foi assim com Sakamoto. Melhor ele pensando política do que construindo pontes, túneis, prédios, viadutos…

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Primitivo
E aí surge o militante esquerdista destes tempos primitivos, sem leitura. E ele já não é tão jovem: 40 anos. Nota: não o conheço e, portanto, ignoro o que leu ou deixou de ler. Refiro-me, reitero, a seu despreparo como “intelectual” ligado à esquerda. Talvez conheça tudo de Machado de Assis, Dostoiévski e Proust… O homem mandou ver:
“Outro elemento de disputa do significado da greve e de seus desdobramentos são as depredações ao final de atos em São Paulo e no Rio e a violência policial. Se todas ou a maioria das 75 mil pessoas na manifestação da capital paulista (que foi um dos elementos da greve, não o seu principal como já foi dito), resolvessem ter jogado pedras ou tentado derrubar barreiras policiais que protegiam a casa de Michel Temer, teríamos duas situações: ou a casa não existiria mais (aliás, o bairro não existiria mais) ou a polícia causaria um dos maiores massacres da história ocidental contemporânea.

Ao tentar fazer com que a população acredite que um microgrupo de pessoas que não respondia aos organizadores da greve representava uma massa de professores, estudantes, motoristas, bancários, religiosos, entre outros, que marchavam em paz e sofreram com as bombas lançadas pela PM, políticos e seus aliados querem deslegitimar todo o movimento.”

Eita!
Que é isso, blogueiro ninja? Vai ter de ouvir um ¡YAH! Se Sakamoto foi militante de alguma corrente política, já o foi na democracia. Se começou a se ocupar de política com os mesmos 14 anos com que comecei, isso dá 1991. Vivíamos, então, o ensaio geral da deposição de Collor. Democracia política plena.

Desde que eu era moço, multiplicar por cinco — no mínimo! — o número de manifestantes é uma obrigação técnica. Fique, meu rapaz, com 15 mil. Tá de bom tamanho. Já daria para derrubar a casa de Temer, destruir o bairro ou provocar um gigantesco massacre.

Nesses dois parágrafos, Sakamoto tenta ser sutil — e não parece particularmente bom nisso. Ele enxerga um potencial devastador na luta da massa ou um desfecho trágico. Huuummm… Talvez tenha esbarrado, em algum momento, no “Domingo Sangrento”… Não, Sakamoto, não é aquele da música do U2!!!

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Refiro-me ao 9 de janeiro de 1905, quando, lideradas pelo padre ortodoxo George Gapon, milhares de pessoas se dirigiram ao Palácio de Inverno, em São Petersburgo, para apresentar uma petição ao czar. O soberano não estava lá. Depois de algum impasse, a soldadesca abriu fogo contra os manifestantes, em campo aberto.

O número de mortos é incerto até hoje, e as versões variam de pouco mais de 200 a 4 mil… Nota: Gapon foi visto como um infiltrado da polícia secreta do czar. Isso nunca ficou provado. Fugiu para a Finlândia e voltou em 1906, quando foi assassinado por radicais do Partido Socialista Revolucionário. Era um justiçamento: traição! Esquerdista nunca precisou de certeza para matar um “companheiro” por traição. Se bem que a extrema direita também não.

Há quem veja naquele 9 de janeiro o elemento fulcral da revolução de 12 anos depois. Particularmente, entendo ser uma leitura estúpida e que contraria, note-se, a própria história da revolução. Assim, meu caro ninja, não tente ser sutil, imaginando que, no limite, se tiver de ser a bala, que seja. Não será.

Pueril
Mais: chega a ser pueril tentar distinguir baderneiros e lideranças. Todos sabemos que atuam em conjunto e que a senha para que comece o ataque é declarar “encerrada” a manifestação. Que é isso, Sakamoto? Você é um professor. Pense que pode haver um aluno ao menos que compreenda a lógica elementar. Não fica constrangido?

A propósito: alguém leu alguma declaração de lideranças de esquerda criticando a violência dos manifestantes, a depredação de casas, de bancos, de restaurantes, os ataques aos policiais? Como sempre, nada! Por que os mascarados nunca apareceram às manifestações em favor do impeachment? Eles sabem onde são bem-vindos e reconhecem os seus parceiros de violência.

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O próprio Sakamoto, num exercício escancarado de mau jornalismo – e ele é um professor da área –, escreve esta enormidade:
“[pessoas] que marchavam em paz e sofreram com as bombas lançadas pela PM”.

Dizer o quê? Mesmo durante a ditadura militar, com raras exceções, e sei bem as borrachadas que levei, a Polícia Militar reage a ataques ou a determinações que os manifestantes insistem em não cumprir. E eu sempre tenho receio quando algum porra-louca investe contra um soldado porque a tropa é treinada, como toda força dessa natureza, na base do “um por todos e todos por um”. É uma atividade perigosa e não tem como ser de outra forma.

Ademais, Sakamoto tem de levar a sério os próprios argumentos, né? E se a PM não estivesse lá para proteger a casa de Temer? Não aconteceria, é certo, massacre nenhum. Mas o imóvel teria sido destruído. Talvez o bairro também.

Encerro
Sakamoto, o troço foi um fiasco. Isso não quer dizer, como revelam pesquisas, que a esquerda esteja morta. Mas não em razão dessa selvageria. Aliás, se eu pensasse apenas taticamente, torceria pela progressiva violência dos “companheiros”. É a propaganda de si mesma que a direita precisa que a esquerda faça.

Sabem o que eu lamento? Gostaria que Sakamoto fosse mais influente na esquerda; gostaria que esta adotasse as suas teses. Infelizmente, seus comandantes são mais preparados do que isso. E não poderiam ser mais gratos do que são à direita xucra — mas essa questão é para outro post.

Sakamoto, leia Lênin.

Sakamoto, leia.

YAH!

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