Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

Reinaldo Azevedo Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por Blog
Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
Continua após publicidade

Direita e esquerda

Esta é do arco da velha. Comento porque traduz um certo espírito que anda por aí. Em sua coluna na Folha desta terça, Janio de Freitas resolveu alargar os horizontes da teoria política. Escreve ele: “Quem está com viagem aérea prevista para amanhã, acautele-se ainda mais. Além de chuva, névoa, cindactas, infraeros, anacs e controladores, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 22h35 - Publicado em 27 mar 2007, 05h30
Esta é do arco da velha. Comento porque traduz um certo espírito que anda por aí. Em sua coluna na Folha desta terça, Janio de Freitas resolveu alargar os horizontes da teoria política. Escreve ele: “Quem está com viagem aérea prevista para amanhã, acautele-se ainda mais. Além de chuva, névoa, cindactas, infraeros, anacs e controladores, a Polícia Federal estará em greve parcial. Operação tartaruga nos aeroportos, como se os cidadãos comuns fossem responsáveis pelos vencimentos de policiais. Até que são, mas por pagá-los com os impostos. As greves e manifestações que só prejudicam as pessoas comuns são uma forma abominável de direitismo.”

Talvez não se devesse dar importância à frase de Janio, escrita num momento de irreflexão, quero crer. Mas será só ele? Não será esse o espírito dominante ainda em boa parte das redações? O simples nominalismo, independentemente do conteúdo, não seria ainda o norte de boa parte do que se noticia sobre política? Ora, desde quando uma greve é feita para não “prejudicar pessoas”? Mesmo aquelas que trouxeram à luz o sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, tomadas pelo PT como marcos da redemocratização do país, traziam ou não a ameaça do prejuízo? Só os patrões reclamavam? Quando metroviários, motoristas de ônibus ou policiais federais decretam greve, é à direita que devemos imputar a responsabilidade? O que será que Janio entende por “direitismo”?

Os termos “direita” e “esquerda”, vocês sabem, são herança da Assembléia Francesa, da revolução. Saiba Janio de Freitas que as características do estado moderno que reconhecemos como democráticas são herança, vejam só, dos postulados dos que estavam à direita naquela Assembléia. A esquerda nos legou o jacobinismo, a ação direta, os tribunais de exceção, a eliminação física do adversário não como forma de responder ao inimigo — isso sempre houve —, mas de fazer política. A morte como ideologia é uma cria genuína da esquerda.

A suposição de que tudo aquilo que prejudica as pessoas é “direitismo” leva à ilação óbvia de que tudo o que as beneficia é, então, “esquerdismo”. Ainda aqui, por mais estúpidas e simplórias que as afirmações se mostrem, não está revelado todo o caráter deletério dessa dicotomia bocó. Pode-se inverter a relação interna de cada um dos postulados: o direitista é aquele que age com o fito de prejudicar as pessoas, e o esquerdista, de beneficiá-las. Donde se conclui que os esquerdistas têm um mérito intrínseco. Quando eventualmente praticam o mal, é porque estão sendo “direitistas”. Não resisto à tentação de perguntar o básico a Janio de Freitas: Stálin, Mao Tse-Tung e Pol Pot eram de direita ou de esquerda? E Churchill?

O PT, embora chamado Partido de Trabalhadores, fez-se no cadinho dessa ligeireza teórica da imprensa e, acreditem, da academia. Ainda que estejamos falando de dois setores, vá lá, minoritários no Brasil, são formadores de opinião; têm o poder de passar adiante os seus valores como sinal de civilização, requinte intelectual, caminho a ser seguido. Durante mais de 20 anos, Lula foi o intocável desse jornalismo que divide o mundo entre os que são essencialmente maus, pouco importa o que façam (a direita), e os que são essencialmente bons, independentemente de sua ações: quando “eles” acham que seus amigos erram, então lhes atribuem “direitismo”.

O caso do Banco Central é bastante eloqüente. O que Zé Dirceu, a esquerda econômica petista, os jornalistas petistas — e até aquele analfabeto (des)funcional que esfolei aqui outro dia — afirmam sobre o banco? Que ele é um enclave “de direita” num governo de esquerda, como se Henrique Meirelles comandasse uma turma que atua contra os interesses objetivos do lulo-petismo.

Continua após a publicidade

Santo Deus! Na esquerda midiática e acadêmica, a única coisa superior à má fé é a burrice. Lula deve nada menos do que a sua reeleição ao Banco Central. Mas aqueles que alimentam a pretensão ridícula de lhe ditar bulas e cartas apontam grandes conspirações e complôs da instituição. Pergunte ao Zangado e ao Atchim qual é a única área do governo Lula que reprovam. E os anões não hesitarão: o BC. Porque ele seria “de direita”. Mas a política “de direita”do BC serve objetivamente ao projeto de poder de que partido? Desisti há muito tempo de esperar dessa gente um juízo lógico, ainda que fosse para discordar.

Mas, então, o que eu considero “direita” e “esquerda” — sempre supondo que estamos tratando de forças políticas comprometidas com a democracia? No que concerne à política, um direitista é aquele que não aceita, fora do âmbito pertinente, sacrificar a legalidade em nome da igualdade ou da justiça social. Porque considera que tal sacrifício é gerador de mais injustiça e de mais desigualdade. E o esquerdista é o que aceita, com alguma freqüência, tal sacrifício, na suposição de que o conflito entre a realidade e a ordem legal faz a sociedade avançar — é a forma que neles tomou uma crendice: a dialética.

Eu aceito esse sacrifício? Não. Não se for fora do ambiente próprio à mudança de uma ordem legal: o Parlamento, o Poder Legislativo. É ali, e só ali, que leis devem ser sacrificadas e criadas. E isso nos devolve à direita da Assembléia Francesa, que queria pôr um fim ao despotismo, mas segundo regras — que acabaram triunfando. Isso, então, faz de mim um conservador, um “direitista”. Reparem, no entanto, que, como o meu direitismo tem regras, ele exclui o despotismo, as variantes do fascismo, o militarismo bocó latino-americano e congêneres. Já o esquerdismo “deles” não exclui facínoras. Por que não? Porque, quando lembrados do horror, ou dizem que se tratava de um desvio “direitista” ou que aquilo não era o verdadeiro socialismo.

Uau! Se, para fazer o socialismo falso, foi preciso matar 200 milhões, quantos mortos teriam sido necessários para fabricar o legítimo?

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.