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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Cuidado! A liberdade, inclusive a do humor, pode ter de sair pela porta dos fundos! Os nossos doces fascistas do bem!

Os meios de comunicação, os jornalistas, muitos artistas e alguns “pensadores” estão brincando com fogo. O país está flertando abertamente com a censura e com o delito de opinião, com as quais acabamos a duras penas. Tenho orgulho de ter participado dessas duas lutas, entre outras. Fui “fichado” por isso aos 16 anos. Como a […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 06h33 - Publicado em 3 abr 2013, 07h36

Os meios de comunicação, os jornalistas, muitos artistas e alguns “pensadores” estão brincando com fogo. O país está flertando abertamente com a censura e com o delito de opinião, com as quais acabamos a duras penas. Tenho orgulho de ter participado dessas duas lutas, entre outras. Fui “fichado” por isso aos 16 anos. Como a bola da vez é um deputado, que também é pastor evangélico, os arreganhos estupidamente autoritários contra Marco Feliciano (PSC-SP) simulam uma guerra entre os civilizados e os primitivos, entre os progressistas e os reacionários, entre os bons e os maus. Trata-se de uma guerra falsa, mentirosa, manipulada por oportunistas. A verdadeira é outra. Como não existe — não ainda — maneira de impor ao deputado a censura e a sanção do estado, pretende-se puni-lo por meio do tribunal das minorais militantes e dos chamados “formadores de opinião”. O espetáculo de intolerância é explicito. Corre contra ele no STF um processo por estelionato. Mas não querem destituí-lo e mesmo cassar o seu mandato por isso. Outros em situação muito pior integram comissões ainda mais importantes. É o caso dos deputados petistas José Genoino e João Paulo Cunha, já condenados pelo tribunal. O PT os indicou para a Comissão de Constituição e Justiça. Contra eles, não há nem protestos nem beijos na boca. O sacerdote da hora da cruzada para recriar no país o delito de opinião, por incrível que pareça, é o deputado Jean Wyllys (RJ), um ex-BBB convertido à causa do socialismo à moda PSOL. É… Socialismo e liberdade são palavras que só andam juntas nessa sigla. E só na sigla. Voltarei a este particular mais adiante. Dou início agora a uma digressão que, não obstante, aproxima-nos ainda mais do tema.

Porta dos Fundos, a outra
Há alguns dias, a VEJA Rio publicou uma reportagem de capa com a moçada do “Porta dos Fundos”, que faz um sucesso estrondoso na Internet. Sucesso, entendo eu, justo. São talentosos, engraçados, iconoclastas, donos de um texto quase sempre interessante. Há entre eles, ademais, alguns excelentes atores. Como a produção é profissional, o produto acaba se distinguindo do que há de tosco na rede.

Fábio Porchat, um dos membros do grupo — também é contratado da TV  Globo e roteirista de cinema —, concedeu uma longa entrevista a Sônia Racy no Estadão de segunda. Reproduzo (em vermelho) e comento alguns trechos. Vocês verão por quê.

Vocês usam muitas referências bíblicas. Qual dos roteiristas tem esse conhecimento?
Eu. Talvez porque seja ateu… Eu escrevi agora um com Noé, um com Abraão e um com José e Maria. E olha que eu só li alguns trechos, mas leio a Bíblia com muita curiosidade.

Sua família é religiosa?
Não, nem um pouco. Acho muito curioso uma pessoa ser religiosa, fico muito impressionado. Mas acho que o comediante tem de estar antenado em tudo. Tudo é material para uma piada.

Comento
Publiquei aqui outro dia vídeo do Porta dos Fundos, justamente um em que Porchat encarna o publicitário “moderno” que resolve editar a Bíblia porque acha o livro grande e confuso. Alguns leitores reclamaram. Não acho — nem Porchat, como se verá — que “tudo é material para uma piada”. MAS ENTENDO QUE TUDO DEVE SER SUBMETIDO AO LIVRE EXAME. Porchat se impressiona que existam pessoas religiosas. Eu já me impressiono é com a matemática de Descartes e Pascal — que eram religiosos… Mais um trecho de sua entrevista.

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Qual é, na sua opinião, o limite do humor?
Acho que o Porta dos Fundos, por exemplo, é a resposta a esta pergunta.

Mas vocês, quando escrevem, pensam que algumas piadas podem pegar mal?
Não. Já falamos da Ku Klux Klan, da Bíblia, de racismo, de Moisés. Ou seja, assuntos que poderiam ser polêmicos. O Bruno Mazzeo disse que o Porta dos Fundos veio para botar uma pedra nesse assunto. Qual o limite do humor? Porta dos Fundos fala de temas superpolêmicos e nunca ninguém processou, brigou, nunca saiu…

Por quê? Acha que o limite é não ter graça?
Acho que, no nosso caso, somos cinco cabeças pensando. Cinco sócios. Então, é difícil uma coisa passar despercebida. A gente tem batido em coisas que, na verdade, merecem apanhar. No idiota que inventou a Ku Klux Klan, no padre pedófilo. Eu, por exemplo, não faço piada com Alá e Maomé, porque não quero morrer! Não quero que explodam a minha casa só por isso (risos). Mas, de um modo geral, a gente vai fazendo, vai falando.

Não houve uma situação em que vocês falaram “isso não”?
Já. E a gente não fez.

Comento
Como se vê, há alguns limites, não é? Como os judeus e os cristãos, felizmente, não saem por aí explodindo pessoas, por mais sectários que sejam, não há por que os humoristas temê-los. Mas Porchat não brinca com “O Profeta”. A resposta, ao menos, é mais honesta do que a dada por Mark Thompson, ex-chefão da BBC (hoje no New York Times). No ano passado, ele tentou explicar por que era permitido, na empresa que chefiava, zombar de Cristo, mas não do fundador do islamismo: “A questão é que, para um muçulmano, uma representação teatral, especialmente se for cômica ou humilhante, do profeta Maomé tem o peso emocional de uma grotesca peça de pornografia infantil”.

E daí? O nosso humorista deixa claro: ele tem é medo mesmo! É compreensível e justo. O humorista involuntário que hoje dirige o NYT tentou emprestar legitimidade à censura universal (!!!) imposta por uma religião. O jornal americano, diga-se, estampou em suas páginas, no ano passado, um anúncio pago que conclamava os católicos a abandonar a sua religião, apontando as suas mazelas. Uma mulher tentou publicar um anúncio idêntico, mas conclamando os islâmicos a deixar a sua crença. O jornal o recusou.

Sem limites, como se vê, o humor não é, mas Porchat deixa claro que, para a turma, quase não existem temas interditados. Afirma: “A gente tem batido em coisas que merecem apanhar”. Sei. O humor, portanto, também se orienta por valores, por escolhas, por, lá vai a palavra-papão, “ideologias” — como tudo o que diz respeito à sociedade.

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“Ridendo castigat mores” é o lema do Arlequim. “Rindo, castigam-se (moralizam-se) os costumes.” Todo humor tem, portanto, uma face também séria, sisuda, de crítica a valores que circulam na sociedade. É por isso que não existe peça humorística, a não ser as involuntárias, “a favor”. Se o humor não desconstrói o que está firmado, vira mero discurso de justificação do que há. Qual a graça? É por isso que não havia, e não há, humoristas nos países comunistas. Kim Jong-un é pateticamente engraçado, mas não sabe disso.

Politicamente correto
Vamos pensar. Se o humor não pode ter limites e se ele traduz, queira ou não, um ponto de vista, por que um parlamentar tem de ser punido por delito de opinião? A ser assim, que se feche o Parlamento como instância máxima da representação democrática e se escolham, como nossos representantes, os humoristas. Talvez fosse melhor para o Brasil, mas, infelizmente, não pode ser feito.

“Ah, acontece que Feliciano foi homofóbico!” Não! Ele apenas se opõe ao casamento gay — sem que possa mover uma palha a respeito porque a comissão que preside não tem como mudar uma decisão do Supremo. O Porta dos Fundos, diga-se, já fez um quadro sobre o que alguns chamam “ditadura gay”. Está aqui. Caso se transformasse a graça em discurso político, os militantes certamente iriam protestar. Na área de comentários do vídeo, há acusações de homofobia. “Ah, mas Feliciano foi racista.” A acusação é ridícula! Os humoristas de que falo também já brincaram com a patrulha racialista (e outras patrulhas) num vídeo divertidíssimo sobre atores que fazem teste para ser Saci Pererê no teatro (aqui). Sim, também já sacanearam padres pedófilos. Pouco importa se esses pervertidos são uma minoria em meio a 400 mil sacerdotes. Convenham: os abnegados que vão a missões quase suicidas no Congo não rendem muita graça…

Meu queridíssimo amigo Bruno Tolentino, poeta gigantesco, dizia que a “arte não tem escrúpulos, tem apenas medida”. O mesmo vale para o pensamento, para o humor, para a política… É preciso pensar sem receios, mas com parâmetros.

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Os que hoje se divertem caçando Feliciano por aí — e tentando cassar o seu mandato, ao arrepio das regras do estado de direito — estão pondo uma corda à volta do próprio pescoço. Ninguém precisa gostar, reitero, do que ele pensa. Eu, por exemplo, não gosto. Mas acho que a liberdade existe também para aqueles de quem discordo. A menos que tentem dar um golpe na democracia. Aí acredito que devam ser contidos.

Fim da digressão
Como noticiei ontem aqui, Jean Wyllys e dois deputados petistas — Érika Kokay (DF) e Domingos Dutra (MA) — recorreram à Procuradoria-Geral da República para acusar Feliciano e alguns outros desafetos de uma penca de crimes. Entre os alvos, está o pastor Silas Malafaia. A íntegra da peça acusatória está aqui.  Alguém que não tenha perdido os referenciais do que é uma democracia vai ficar espantado. A peça acusatória chama de “incitamento ao ódio” o que é nada mais do que a expressão de uma opinião, ainda que se possa discordar dela. Como exemplos do suposto ódio, exibem-se estas mensagens de Twitter.

 

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Digam-me aqui: se Wyllys pode sair por aí acusando os que dele discordam de racistas e homofóbicos, por que os que discordam dele não podem acusá-lo de preconceito contra os cristãos? Por que, num caso, só se estaria exercendo a democracia e, no outro, incitando, como ele acusa, o ódio? Quer dizer que, na sociedade que Wyllys tem em mente, expressões como as que vão acima passariam a ser criminosas? É esse o rapaz que hoje pauta boa parte da imprensa brasileira?

Lamento! Este senhor não sabe ainda — e espero que aprenda — o que é uma sociedade democrática. No dia 19 de maio de 2011, publiquei aqui um vídeo em que esse deputado diz que a questão do casamento gay não pode ser tema de um plebiscito porque a sociedade é desinformada e ignorante para tratar do assunto.  Eis o vídeo.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=B9hWJWdw2nk%5D

Como Jean Wyllys respondeu à minha crítica? Ele me chamou de “homofóbico”. Em novembro daquele ano, ele reagiu a um outro post que publiquei com críticas ao PLC 122 — que teria poderes, na forma de então, para, por exemplo, censurar quadros de humor do Porta dos Fundos… E como Wyllys decidiu me atacar? Chamou-me de “homossexual da melhor idade”. Escrevi a respeito. Sim, o militante gay Jean Wyllys achou que uma boa maneira de desqualificar quem divergia dele me acusando de ser gay e velho… Evidentemente, eu não teria como processá-lo por homofobia, ainda que já existisse a tal lei…

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Há dias, frei David, presidente de uma ONG chamada Educafro, acusou um estilista e um cabeleireiro de racismo, com ampla cobertura da imprensa. Num desfile de moda, os dois usaram palha de aço para simbolizar o cabelo dos negros — era, na verdade, uma tentativa, nem discuto se bem ou malsucedida, de lidar com clichês do racismo. Ou por outra: tratava-se do exato oposto do que entendera o buliçoso frei. Numa entrevista, ele disse o inimaginável: reconhecia que os dois rapazes não tinham praticado racismo, mas exigia que fossem à sua entidade para se desculpar… Nem na China de Mao Tsé-tung era assim…

Partindo para a conclusão
A perseguição a Feliciano — por mais que se possa discordar do que ele diz — não é o fim de um processo. Trata-se apenas do começo. E quem o confessa é um dos ditos “intelectuais” de esquerda (nesta quarta, falarei a respeito). Não pensem os jornalistas, os humoristas e os demais artistas que estarão infensos à patrulha.

O Brasil jamais será uma ditadura religiosa, fundamentalista. Mas pode, sim, involuir para uma democracia tutelada pelos “sindicatos” das minorias, que têm a ambição de, CONTRARIANDO O QUE DIZ O TEXTO CONSTITUCIONAL, decidir o que pode e o que não pode ser dito, o que pode e o que não pode ser pensado, o que pode e o que não pode despertar o nosso riso.

Leiam, reitero, a peça acusatória de Jean Wyllys e dos dois deputados petistas. Lá se encontra um verdadeiro libelo contra a liberdade de expressão, inclusive nas redes sociais. Se a sua tese prevalecer, a liberdade de pensamento sairá correndo pela porta dos fundos.

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