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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Cueca, literatura e política

Vocês se lembram daquele sujeito preso com uma mala de dinheiro e dólares na cueca, não? Era assessor de um irmão de José Genoino. O petismo inaugurava uma categoria nova na política e nas finanças: a cueca como casa de câmbio. Agora, outro sujeito enrolado com o mensalão resolveu repetir o procedimento. Também está sendo […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 18h25 - Publicado em 15 dez 2008, 06h57
Vocês se lembram daquele sujeito preso com uma mala de dinheiro e dólares na cueca, não? Era assessor de um irmão de José Genoino. O petismo inaugurava uma categoria nova na política e nas finanças: a cueca como casa de câmbio. Agora, outro sujeito enrolado com o mensalão resolveu repetir o procedimento. Também está sendo inaugural, criando uma nova moeda, como escreve VEJA nesta semana: a “eureca” — o euro na cueca. Em agosto de 2005, escrevi no site Primeira Leitura um texto chamado “Cueca, literatura e política”. O episódio era tão bizarro, tão emblemático do petismo, que me pareceu insuficiente a linguagem jornalística para narrá-lo. Fiz, então, uma brincadeira. Contei a mesma história segundo o estilo de vários autores. A coisa ficou divertida, caiu na rede, multiplicou-se. Menos de 24 horas depois, eu já recebia o meu próprio texto, enviado por amigos e leitores, atribuindo-o a autores os mais diversos. Até a mim… Dado o surgimento do homem da eureca, republico aquele texto. Ah, sim: o irmão de Genoino, chefe do cuequeiro, um pobretão, ascendeu no PT. E Genoino foi eleito deputado..

Marketing
A Casa das Cuecas, tradicional loja de underwear masculina, pode trocar o nome para Casa de Câmbio. Com cartão-fidelidade para petistas.

Literatura política
Em vez de Marx ou Maquiavel, os petistas podem ler os sete livros da série Capitão Cueca, publicados pela Cosac & Naify. Para os teóricos da conspiração, o mais indicado é Capitão Cueca e o Perigoso Plano Secreto do Professor Fraldinha Suja. Ótimo para candidatos a comissário do povo. Para os que se amarram num debate-boca sobre o monopólio petista da ética, pode-se recomendar Capitão Cueca e o Ataque das Privadas Falantes. E para os que querem, mas já não podem, se livrar de companhias incômodas e suas milionárias contas secretas, vai o Capitão Cueca e a Grande e Desagradável Batalha do Menino Biônico Meleca Seca.

Um Haicai:
Cueca e dinheiro,
o outono da ideologia
do vil companheiro

À moda Machado de Assis:
Foi petista por 25 anos e 100 mil dólares na cueca.

À moda Dalton Trevisan:
PT. Cem mil. Cueca. Acabou.

À moda concretista:
PT
Cueca
Cu
PT
Eca
Peteca
Te
Peca
cloaca

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À moda Graciliano:
Parecia padecer de um desconforto moral. Eram os dólares a lhe pressionar os testículos.

À moda Rimbaud:
Prendi os dólares na cueca, e vinte e cinco anos de rutilantes empulhações cegaram-me os olhos, mas não o raio X.

À moda Álvaro de Campos:
Os dólares estão em mim
já não me sou
mesmo sendo o que estava destinado a ser.
Nunca fui senão isto:
um estelionato moral
na cueca das idéias vãs.

À moda Drummond:
Tinha um raio X no meio do caminho.

À moda TS Eliot:
Que dólares são estes que se agarram a esta imundície pelancosa?
Filhos da mãe! Não podem dizer! Nem mesmo estimam
O mal porque conhecem não mais do que um tanto de idéias fraturadas, batidas pelo tempo,
E as verdades mortas já não mais os abrigam nem consolam”.

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À moda Lispector:
Guardei os dólares na cueca e senti o prazer terrível da traição. Não a traição aos meus pares, que estávamos juntos, mas a de séculos de uma crença que eu sempre soube estúpida, embora apaixonante. Sentia-me ao mesmo tempo santo e vagabundo, mártir de uma causa e seu mais sujo servidor, nota a nota.

À moda Lênin:
Não escondemos dólares na cueca, antes afrontamos os fariseus da social-democracia. Recorrer aos métodos que a hipocrisia burguesa criminaliza não é, pois, crime, mas ato de resistência e fratura revolucionária. Não há bandidos quando é a ordem burguesa que está sendo derribada. Robespierre não cortava cabeças, mas irrigava futuros com o sangue da reação. Assim faremos nós: o dólar na cueca é uma arma que temos contra os inimigos do povo. Não usá-la é fazer o jogo dos que querem deter a revolução. Usá-la é dever indeclinável de todo revolucionário.

À moda Stálin:
Guarda e passa fogo na cambada!.

À moda Guimarães Rosa:
Zezinho doleta tinha dívida de gratidão que não se paga jamais, seu moço, com Nhô Nobre, coisa assim lá pras bandas de outro mundo genuinamente de dentro dos cafundós da alma e por isso aceitou abrigar lá nas baixuras do homem onde a gente peca e fica sujo de tanta felicidade aquela dinheirama toda. E sentiu assim uma gostosura morna, só esfriando quando o sordado do zóio amarelo lhe apalpou as honras. Mas se calou mudo como nos confins do mundo imundo.

À moda Rubem Fonseca
O dinheiro lhe pesava no escroto e aquela acidez permanente ameaçando romper a barreira do esfíncter esofagiano inferior. Mastigou um comprimido de magnésia bisurada e achou engraçado que pudesse ter uma ereção numa hora como aquela, com o sangue a encher os corpos cavernosos de sua honra inútil, procurando um lugar entre notas amassadas e pentelhos hirsutos. Sentiu, sem saber por quê, vontade de matar anões.

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À moda Jô Soares:
Eu não uso cueca.

À moda Proust:
Acomodou os dólares na cueca e atentou para o elástico frouxo e a trama do tecido já interrompida pela ação do tempo. O sol invadia pela janela o quarto de um hotel perdido no centro velho da cidade, e a trajetória de seu raio sofria um ligeiro deslocamento ao passar através de uma das abas da janela que se projetava, antiga, para fora, sobre uma cidade cinza, porém viva. Àquela hora, ruidosos, apressados e alegres, rapazes e moças do povo seguiam para o trabalho espiados por uma algaravia de estilos que pendia dos prédios, cujos capitéis e acantos da antiga elite cafeeira, já tomados pela fuligem, deitavam sua sombra sobre aquela massa humana, tão mais viva quanto mais disforme em suas roupas de tecido ordinário, porém com a graça eloqüente que tem a vulgaridade. Àquela hora, Odette acabara de se levantar e olhava com preguiça a macieira à frente de sua janela. Não pensava nada, pálida ainda de sono renitente. Caminharia ela também em direção à janela, olharia o quintal, estenderia mais adiante a vista, olhando os primeiros passantes do dia e diria com a força de uma sentença que nele sempre tinha o poder de um evento milagroso: “Acordei”. Passou ainda uma vez as mãos sobre o volume de notas escondido sob a cueca de elástico esbaguelado, fechou a porta e seguiu para o aeroporto. Odette tomava café.

À moda Julio Cortázar:
Um cronópio não carrega dinheiro na cueca porque está mais para supervida do que para intervida, como um fama, que então enche os fundilhos com bolinhos de dinheiro e sai por aí dobrando esquinas e chamando para si a perícia da polícia e depois se queda quietinho, apagando a memória do celular.

À moda Roberto Schwarz:
O dólar na cueca expõe uma das muitas faces da crise do capital, que tanto mais se expõe quanto mais aniquila as dimensões de uma visibilidade que, à medida que se impõe, explora os caminhos de sua própria inviabilidade. Seu fator estruturante elimina o espaço da subjetividade, e a cueca passa a encarnar, então, não o dinheiro como base material do valor, mas o fetiche da ilegalidade que hoje marca o capitalismo. O indivíduo-indivíduo se torna um indivíduo-cueca à medida que agasalha, como metáfora e metonímia, a moeda que traduz um ponto de trajetória do domínio do império.

À moda Emir Sader:
É tudo culpa do Fernando Henrique e do Ariel Sharon.

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À moda Marilena Chaui:
A cueca de Espinosa melou por ti, segundo Merleau-Ponty.

À moda Renato Janine Ribeiro:
Uma cueca cheia de dólares é sempre mais que uma cueca cheia de dólares. Uma cueca cheia de dólares apela às culpas que cada um de nós carrega dentro de si e quer ver espiadas e expiadas por meio da ação de um partido ético, que só pode ser o PT, embora eu não seja filiado ao partido. Reparem que duas crises se cruzam neste evento como emblemas: ao mesmo tempo em que o símbolo do império escancara o seu poder de chantagem, sabemos que o dinheiro foi flagrado na cueca, expressão de uma intimidade masculina que vem à luz, como se o homem contemporâneo buscasse ser outra coisa e desse um grito de socorro, mais feminino, mais humano, mais aberto, mais gentil.

À moda Eça de Queirós
Tinha escondido os dólares nas cuecas. Surpreendido, emudeceu, e seu olhar se perdeu nas rutilâncias metálicas do aeroporto, detendo-se nas colunas sobrepostas por uma camada que imaginava espessa de aço escovado. Àquela hora, Luísa estaria a preparar o café, e um aroma denso, doce, tomaria o ambiente, numa esfera de sensualidade doméstica em tudo avessa à inquirição pela qual certamente haveria de passar. À sua volta, o alarido da imprensa simulava um auto-de-fé de que ele era o cordeiro de Deus, pronto para o rito sacrificial. E esta idéia quase que lhe foi uma forma de conforto, não tivesse sido tirado de sua acolhedora catatonia pelas palavras do meirinho, que insistia no cumprimento de um ritual burocrático que estava a léguas de sua buliçosa vida interior.
— Qual é a origem deste dinheiro? Quem lho deu?
A voz parecia advir das trevas, de um escuro persecutório que contrastava com a luz refletida e esmagada nas colunas de aço escovado. Disse, então, para si mesmo, que a privacidade houvera ficado perdida num determinado ponto da história, que já não tinha mais volta. O tempo corria. Urgia que tivesse ao menos uma desculpa. Algo que pudesse devolvê-lo àquela cálida sensação de que tudo, na vida, passa e de que vivemos à espera da morte.

À moda Flaubert
O dólar na cueca apelava a um rol de licenças íntimas desde que houvera decidido que o exercício da vontade não podia encontrar no crime o seu limite. Tinha plena consciência da afronta aos padrões vigentes da moralidade, mas o que, inicialmente, lhe parecia uma escolha tomou a súbita determinação de uma vontade compulsiva, cujos detalhes ele podia experimentar com mórbido prazer. Sabia que se fazia, assim, o último extremo da abjeção, e a culpa lhe consumia a alma e lhe pesava nas calças, como se a matéria conspirasse com uma antiga moral e lhe apontasse um dedo acusador. Mas já não era mais senhor de suas escolhas. Àquela tentação da censura, opunha-se uma outra: o prazer da transgressão que experimentam os criminosos, ainda que ele pudesse sentir-se o último dos desgraçados. Tinha fortes razões para concluir que chegava ali empurrado por tudo o que fizeram dele. Mas não podia negar à sua própria consciência uma evidência: amava o crime e a abjeção a que era relegado. Sentiu-se, então, estimulado por uma força que muitos chamariam de estranha, mas que ele sabia ser o chamamento de sua própria vontade, como um édito, uma determinação do destino. E riu intimamente de suas própria e falsa profundidade, que não era diferente de escarnecer de sua moral desengonçada.

À moda Nelson Rodrigues
Tomou um Chicabom e escondeu os dólares na cueca de bolinhas. Antes de ser preso, ainda pensou: “Todo homem tem de fazer amor com a sua cunhada e de ejacular ao menos uma vez no lavatório”.

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À moda Cecília Meireles
Às vezes um homem passa
do outro lado do vidro. Às vezes, um menino
e seu irmão. Tudo lhe parece perfeito,
sereno, em seu lugar, como personagens
de Lope de Vega.
E, no entanto, havia aquilo:
os dólares presos à cueca.
Ainda teve tempo de pensar:
“Haverá uma forma em que eu possa
conciliar a mentira com o que há de belamente
fatal nesta hora”.
Algo em sua consciência censurava
a escolha insensata, a que respondia, no entanto,
certa atração fatal pelo suavemente sórdido,
como um desenho vulgar
feito no cabo de um punhal de prata.

À moda Shakespeare
Ó tempo devorador de homens e de reputações! Ó dia aziago! Em má hora quis o destino que a minha vontade e a sorte se encontrassem neste sortilégio. Vai, vil metal, confessa o meu opróbrio, denuncia a minha covardia.

À moda Musil
Escondeu os dólares na cueca. A suposição de que pudesse estar cometendo um crime o excitava um pouco, embora dissesse para si mesmo que aquele não era um sentimento genuíno, que lhe aflorasse das entranhas rumo à pele. Um olhar curioso, que o via de fora, emprestava ao ato a força de uma transgressão que ele mesmo não reconhecia, desiludido que estava até do fascínio do crime. Mas compreendia, no entanto, que outros pudessem se excitar em seu lugar. Deu-se, assim, por satisfeito em poder animar a vida alheia, já que a própria lhe parecia presa não exatamente do absurdo, mas de uma poderosa maldição da repetição. Pois que se deliciassem, então, com o acontecimento excepcional.

À moda Ascenso Ferreira
Parte o cearense, valente,
Com os dólares na cueca escondidos.
Olha o moço do raio-x
Com a coragem dos fortes
E não desvia o olhar nem mesmo
Quando lhe indagam:
— De quem é isto?
“Pra que tanta coragem?”,
Ele se pergunta.
Pra nada.

À moda Camões
Enquanto quis cueca que tivesse
Esperança de algum ocultamento,
O gosto de um suave livramento
Me fez que alguns milhares escondesse.

À moda Manoel de Barros
Nos fundilhos do meu quintal,
íntimo, meu senhor,
o dólar me faz
homem-bomba.

Ele me lula,Ele me sapo,Ele me picareta.Ele me PT.

Conheço de palma os dementes do Brasil.
Penso que na minha cueca
não tem dinheiro ilegal,
mas um silêncio feroz,
que vai morrer com o passarinho.
Sem dar um pio.

PS – A lista de estilos foi sendo ampliada pelos leitores, e novas intervenções foram se acrescentando à versão original.

Texto originalmente postado às 7h45 de ontem
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