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Código Florestal e Belo Monte: uma resposta ao ator e autor Juca de Oliveira

Reinaldo, é a segunda vez – fã ardoroso, agora já nem tanto – que me decepciono com você. A primeira foi a sua intransigente e incompreensível defesa do código florestal do Aldo Rebelo, que reduzia de trinta para sete metros e meio a mata ciliar (a floresta que deve cobrir as margens dos rios). Agora, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 10h05 - Publicado em 24 nov 2011, 18h43

Reinaldo, é a segunda vez – fã ardoroso, agora já nem tanto – que me decepciono com você. A primeira foi a sua intransigente e incompreensível defesa do código florestal do Aldo Rebelo, que reduzia de trinta para sete metros e meio a mata ciliar (a floresta que deve cobrir as margens dos rios). Agora, mais incompreensivelmente ainda, você tenta ridicularizar no seu blog a manifestação de um grupo de artistas brasileiros que se opõe à construção da Usina de Belo Monte através de um vídeo. Não sou petista, não voto no PT como você, mas nem por isso me sinto na obrigação de defender cegamente qualquer posição predadora da bancada ruralista.
Juca de Oliveira

Respondo
Caro Juca, nem eu! Não defendo cegamente a posição de ninguém. Cegamente, para ser franco, nem a minha própria. Já mudei de opinião algumas vezes e sempre expliquei aos leitores por quê. Não tenho compromisso com o erro. Até onde sei, o “comunista do Brasil” Aldo Rebelo não é um ruralista. A acusação de que estivesse agindo a mando ou a soldo deles é uma indignidade. Não há a respeito nem mesmo aquela evidência falsa que confira verossimilhança, mas nunca verdade, à aleivosia. E olhe que não sou exatamente fã de comunistas. Vamos lá. No caso do Código e de Belo Monte, como em outros, procuro acabar com algumas mistificações e algumas mitologias fabricadas pela patrulha politicamente correta e pelo onguismo.

Começo demonstrando, Juca, que a sua síntese sobre a mata ciliar e o relatório de Aldo não corresponde ao que vai no Artigo 4º do texto do então relator e agora ministro, a saber:
Considera-se área de preservação permanente, em zonas rurais ou urbanas, para só efeito dessa lei
I – As faixas marginais de qualquer curso d’água natural, desde a borda do leito menor, em largura mínima de:
a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água que tenham menos de 10 (dez) metros de largura (observado o disposto no Artigo 35);
b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura;
c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura;
d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura;
e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros.

É o texto, Juca! O problema, e lamento mesmo porque o debate gira em torno da desinformação, está nas mentiras essenciais que foram contadas por pessoas influentes, como os artistas e os jornalistas. O exemplo mais escandaloso é a tal da “anistia” para desmatadores, que nunca existiu. A rigor, Juca, a anistia está em vigência hoje, já que as multas estão suspensas por decreto presidencial: primeiro de Lula e depois de Dilma. Ora, quem desmatou antes de julho de 2008 terá de fazer compensação ambiental — REFLORESTAR — ou pagar multa. Cadê a anistia? Você e eu lutamos contra a ditadura. Nós sabemos o que quer dizer “anistia”. Quer dizer “perdão”. Na prática e no dicionário.

Outra inverdade, lamento, está nas suas próprias palavras: “ruralistas predadores”. Existem? Sim, existem! E ninguém os defende. Ao contrário, para eles, o que se pede é cadeia. Se o Código ainda em vigência for posto em prática, meu caro, os pequenos proprietários é que serão impedidos de produzir. Os grandes — papeleiras, pecuária, setor sucro-alcooleiro — estão de acordo com o código atual. É o pequeno agricultor do Rio Grande do Sul, por exemplo, que está “fora da lei”.

Refaço a você o convite que fiz ao conjunto dos leitores. Desenhe aí um ângulo de 25 graus e pense o que seria um terreno com essa inclinação. Caso se proibisse a presença de gado em declive superior a 25 graus, como queriam os ecologistas, não se produziria mais leite em Minas. É UMA FARSA, JUCA, A CONVERSA DE QUE A MUDANÇA NO CÓDIGO SERVE AOS GRANDES! É MENTIRA! E quem produz leite em Minas? São os “ruralistas predadores”? Os plutocratas da terra? Não! É o seu Zezinho, filho da dona Sebastiana, primo do Quinzinho, entende?

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Belo Monte
Quanto a Belo Monte, fazer o quê? A matemática é implacável. A área que vai ser inundada para construí-la é ridiculamente pequena em relação à floresta — e não creio que você ou alguém possam contestar isso; é mentira que índios serão desalojados (o que posso fazer?); é mentira que a energia que se vai produzir lá é irrelevante para o Brasil; é mentira até mesmo que 80% dos recursos vêm de impostos, embora exista um problema nessa área, como alerto desde o ano passado. Atenção, Juca! O reservatório vai ocupar 640 km² para produzir uma quantidade respeitável de energia. Sabe quanto se desmata, por ano, em razão da falta de controle do governo? 19 mil km²! Quase 29 vezes mais. POR ANO!!! E não são os ruralistas que debatem código, não, Juca!, que promovem a devastação. Gente que debate quer aparecer. Quem desmata é madeireira clandestina. Para essa gente, quanto mais firulas houver na lei e  quanto mais restritiva e difícil de ser aplicada ela for, melhor! Aumentam as chances de comprar fiscais corruptos, prefeitos corruptos, agentes federais corruptos.

O que posso fazer, Juca? É razoável que atores e atrizes, sem terem a menor noção do que estão falando — como propor que as energias eólica e solar sejam consideradas matrizes energéticas viáveis hoje —, usem de um certo poder de representação que têm (e você sabe que têm) para sustentar sandices, que não estão minimamente ancoradas nos fatos? Sabem estes senhores que, nos locais onde há usinas eólicas, os pássaros simplesmente são dizimados? Quanto tempo demoraria para que aparecessem os defensores dos nossos amiguinhos de pena?

Então estamos assim: petróleo suja, carvão suja, urânio suja, hidrelétrica também suja (!?), energia eólica, se viável fosse, mata passarinho… Resta a energia solar. Será que essa gente tem noção do custo? Você já viu a parafernália necessária para esquentar uma mera caixa d’água de 500 litros? E isso quando há sol pra valer…

A usina vai, é verdade, gerar um terço da energia que poderia gerar — e, ainda assim, será essencial para o país. E vai gerar um terço por causa, justamente, do que chamarei “hiperproteção ambiental”. Não haverá o reservatório. Conforme demonstrei, ainda que se alagasse uma área 20 vezes maior, seria uma porção ínfima da floresta.

O Brasil, Juca, precisaria crescer de forma sustentada, durante muitos anos, a coisa de 5% ou 6% ao ano. Só assim conseguiremos reduzir a pobreza num prazo não muito escandaloso. Se isso acontecer, o que será em benefício dos pobres, há um sério risco de esbarrarmos na falta de energia, ainda que tenhamos Belo Monte, Santo Antônio e Jirau. É assim porque é, não porque eu quero.

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Estetização e ironia
Há, finalmente, a forma como me expresso, as minhas ironias, meu senso de humor, o que seja. Bem, Juca, você é um artista, um esteta. Busca sempre a melhor maneira de chegar a seu público, de despertar a sua atenção, de tornar eficiente a mensagem. Os artistas do vídeo, como a gente nota, estão, como posso dizer?, “estetizando” a realidade: representam, fazem perguntas retóricas, fingem ignorância (do que fingem saber, essa é a parte chata), fazem blague, uma até tira o sutiã…

Meu caro Juca, um dos recursos do artista é a estetização; um dos recursos do articulista e do polemista, este sou eu, é a ironia. Ora, eles falam o que bem entendem, eu também. Com a ligeira diferença de que estão falando coisas que não conferem com os fatos. E isso não me parece bom. Não quero censurar ninguém. Tanto é assim que divulguei o vídeo. Mas eles têm de se expor às críticas, ora essa!

Políticos não podem mentir. Eu vivo chutando o traseiro de alguns vigaristas aqui. Não podem porque representam o povo. Ocorre que os artistas também têm certa força de representação. Ninguém está lá porque é uma Dona Maria desconhecida, não é? Usam do apreço que têm do público para se expressar, com clareza insofismável, sobre o que não conhecem.

Ou é razoável, meu caro Juca, que uma atriz de talento, linda como a luz da lua, diga que energia hidrelétrica seria limpa se fosse no deserto, mas não na floresta? Uma besteira é uma besteira mesmo na pena de Schopenhauer, que detestava as mulheres — uma de suas “bestices”. E uma besteira também é besteira na boca de Letícia Sabatella, que, por inteligente, deve ler o texto de Schopenhauer sobre como ganhar um debate mesmo sem ter razão. O fato de que Schopenhauer detestasse as mulheres não deve levar as mulheres a detestar Shopenhauer, hehe.

A admiração que tenho por você segue a de sempre, com ou sem divergência sobre o Código Florestal e Belo Monte.

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Reinaldo

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