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Cármen ignora o próprio voto e agora ataca financiamento público

A ministra, mais uma vez, disse uma inconveniência. Quanto mais malucas ou irresponsáveis são as elites, mais o povo se exalta e pede o impossível

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 18 mar 2017, 08h38 - Publicado em 18 mar 2017, 08h20

Dia desses uma amiga me perguntou, meio na gozação, por que eu havia passado a pegar no pé de Cármen Lúcia, presidente do Supremo. E eu respondi, sem brincadeira: “Eu não! Ela é que está pegando no meu pé”.

E tive de explicar. Sempre que uma personalidade importante da vida pública passa a falar e a fazer coisas estranhas, acho que a pessoa está pegando no meu pé. No meu pé de cidadão; no meu pé de pessoa lógica; no meu pé de indivíduo que se preocupa, afinal, com o destino do Brasil e, sobretudo, dos brasileiros.

Mas o que foi desta vez? Ah, a presidente do Supremo decidiu ignorar seu próprio passado ao debater financiamento de campanhas eleitorais e fez a defesa, não cabe outra expressão, da instauração no Brasil de uma “democracia plebiscitária”. Só para lembrar: o país que mais fez consultas populares nos últimos 15 anos, na forma de plebiscito ou de referendo, foi a Venezuela. Digam: aquilo está ou não está uma maravilha, coisa de fazer inveja, de encher os olhos do vizinho?

Vamos ver.

O que disse Cármen em entrevista ao Estadão? Isto: “O sistema brasileiro precisa mesmo ser repensado, não tenho dúvida nenhuma. Mas a lista fechada e o financiamento [público] fazem com que haja provavelmente pessoas que vão arvorar-se quase em donos, proprietários de partidos”. E emendou: “Talvez seja a hora de a gente cumprir o artigo 14 da Constituição. Afinal, o artigo 1º da Constituição estabelece que o povo é soberano, o povo é que é titular da soberania, logo ele é que deve decidir em última instância. O artigo 14 da Constituição de 1988 prevê esses mecanismos. Talvez já tenha passado da hora de a gente começar a adotá-los para que o povo se manifeste”.

Com a devida vênia, são frases irresponsáveis. Aliás, no Brasil, só dois grupos defendem com a energia a instauração de uma “democracia plebiscitária” — que democracia não é: a extrema esquerda doidivanas e a extrema direita amalucada. O velho que pisa em cocô de urso na Virgínia e limpa os pés nos tapetes da impostura filosófica é um desses fanáticos. Ele quer uma fase de consultas plebiscitárias. O PCO, o PSOL e o PSTU também. Todos estão certos de que ocuparão no quadro de Delacroix o lugar daquela de seios à mostra. Todos eles se sentem “A Liberdade Guiando o Povo” (imagem).

Refrescando a memória
Vamos refrescar a memória de Cármen Lúcia e lhe cobrar responsabilidade — no sentido mesmo etimológico: ela precisa olhar para o passado, para os seus próprios votos. Se não faz isso sozinha, eu a ajudo. No fim de 2013 o Supremo decidiu votar a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) movida pela OAB para declarar que o financiamento de campanha por empresas feria a Carta Magna. Houve pedido de vista, e a votação só foi concluída em setembro de 2015.

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Ora, por 8 votos a 3, a maioria tomou uma decisão que me parece absurda: a doação de empresas era, sim, inconstitucional!!! Considerei à época e considero ainda hoje um disparate. Não uma única passagem na Constituição que ao menos sugira isso. E qual foi o principal argumento dos “proibicionistas”? Ora, a doação de empresas feria os fundamentos da igualdade… Convenham: por esse caminho, pode-se fazer qualquer coisa.

Apenas três ministros votaram contra a aberração levada ao tribunal pela OAB: Celso de Mello, Gilmar Mendes e Teori Zavascki. A imprensa, claro!, e as esquerdas abraçaram a causa. Cármen Lúcia estava lá, votando em favor da proibição, e também daquela vez evocando o fundamento da igualdade.

Ora, quando esta senhora deu seu voto para impedir a doação de empresas a campanhas, de onde ela imaginava que sairia o dinheiro para financiar as eleições? A resposta é simples, não? Se o financiamento não for privado, será público. Foi nisso que votou a ministra. E agora vem dizer que há o risco de pessoas “ser arvorarem em donos do partido”???

Quando votava quase na surdina, sem que lhe dessem muita importância, Cármen Lúcia resolveu passar o espeto da eleição para o Orçamento. E faz menos de dois anos. Uma vez na ribalta, ela decide atacar a escolha que ela mesma fez?

Fim do Legislativo
Como é? Cármen Lúcia diz que chegou a hora de “cumprirmos o Artigo 14 da Constituição”? Eu o transcrevo abaixo e penso que somos seus fiéis cumpridores: “Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I –  plebiscito; II –  referendo; III –  iniciativa popular.”

Talvez a memória da magistrada tenha dado uma falhada. Resta evidente que o método principal de consulta popular está no “sufrágio universal” e no “voto direto e secreto”. Logo, para eventual tristeza da ministra, o Congresso tem a prerrogativa, que lhe é dada pelo povo, por intermédio da Constituição, de mudar o sistema eleitoral. Sim, o texto fala de outras modalidades de consulta: “plebiscito, referendo e inciativa popular”, mas “na forma da lei”. Ou por outra: esses mecanismos extras de consulta demandam a autorização do Congresso.

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Ora, se as coisas são como quer Cármen Lúcia, cumpre indagar: por que só nessa matéria se procederia a esses mecanismos diretos? Por que não em todos os outros? A gente aproveita e fecha o Congresso! Que tal?

Hipocrisia
Há hipocrisia para todo lado. Ministros, jornalistas, analistas e vigaristas que votaram ou se manifestaram contra a doação de empresas agora vêm se dizer escandalizados com a possibilidade do financiamento público? É mesmo? A alternativa é… ficar como está. “Ah, mas e o voto em lista?” Caros, o único formato possível, quando se tem financiamento público, é mesmo a lista.

Sem aprovar uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional), o financiamento privado não será regatado tão cedo. Quem vai ter a coragem de assumir a paternidade dessa emenda?

A ministra, mais uma vez, disse uma inconveniência. É claro que é ruim. Afinal, quanto mais malucas ou irresponsáveis são as elites políticas ou de pensamento, mais o povo se exalta e pede o impossível.

 

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