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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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Artista, malabarista, açougueiro e jornalista têm o direito de ter o miolo mole. Mas tem o dever democrático de agüentar a crítica. Ou: Falar mentiras é diferente de ter uma opinião

No mundo inteiro, meus caros, celebridades, especialmente as ligadas ao showbiz e ao mundo das artes, vivem dando opiniões. E falam com ainda mais paixão sobre aquilo de que não entendem. No Brasil, por razões várias, esse traço é ainda mais acentuado. Conversava, na tarde de ontem, com um jornalista amigo, que atua em Brasília, […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 10h05 - Publicado em 25 nov 2011, 06h55

No mundo inteiro, meus caros, celebridades, especialmente as ligadas ao showbiz e ao mundo das artes, vivem dando opiniões. E falam com ainda mais paixão sobre aquilo de que não entendem. No Brasil, por razões várias, esse traço é ainda mais acentuado. Conversava, na tarde de ontem, com um jornalista amigo, que atua em Brasília, um gigante da profissão, e concluímos que isso vem daquele tempo em que todos combatíamos a ditadura, e qualquer opinião que fosse “contra o regime valia a pena”. Assim, Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, para citar três exemplos, digamos, icônicos, se confundiam com autoridades em todos os assuntos, até… música popular! Economia, política, filosofia, poesia, sociologia, relações internacionais, qualquer coisa. Caetano, se não me engano (pode ser apenas uma memória generosa e falsa que tenho dele), chegou a fazer blague de si mesmo, com sua mania de opinar sobre tudo. José Guilherme Merquior afirmou certa feita que ele era um “intelectual do miolo mole”, e o cantor concordou em parte, num exercício de auto-ironia. Bem, Caetano e Chico andam meio afastados das polêmicas; no lugar, há um tal Moron, Moroni ou algo assim. Não parei para ver quem é. Sigamos.

Artista pode opinar sobre temas que estão fora de seu ofício? Ora, claro quem sim! Também são cidadãos. Mas seria recomendável que não procurassem usar a “autoridade” ou apreço que conquistaram em sua profissão para conferir peso a tolices que pura e simplesmente ferem os fatos. As Organizações Globo divulgaram seus Princípios Editoriais, válidos para o jornalismo. Eles regulam, entre outras coisas, o comportamento dos jornalistas que trabalham para as empresas do grupo, que não devem, por exemplo, fazer campanhas políticas. É o correto. Ou a isenção estará comprometida. Artistas não são jornalistas, sei disso, mas como ignorar o fato de que a “autoridade” que supõem ter para se posicionar sobre o Código Florestal, a usina de Belo Monte ou os royalties do petróleo lhes foi conferida por uma marca — a Globo — de quem se espera aquele compromisso com a verdade? Um “Gota d’Água” com estrelas de outra casa seria solenemente ignorado. Não dá para fingir que a emissora não tem nada com isso. Talvez seja chegada a hora de estabelecer alguns “Princípios” também para os artistas contratados.

A Internet é um instrumento poderoso, e cá estamos nós — não é, leitores? na labuta diária: esclarecendo, opinando, levando pancada, batendo de vez em quando, já que a turma “do lado de lá” é chegada a dar rasteira e voadora, e cumpre não se intimidar. Mas as chamadas redes sociais também são instrumentos de propagação da ignorância, do atraso, da vigarice intelectual. Se não estivermos sempre atentos, e vou evocar um jogo de palavras antigo, mas útil neste momento, a força do argumento acaba cedendo ao argumento da força. No caso da Internet, a “força se torna argumento” quando uma maioria relativa (vale dizer: a maioria dos que se expressam na rede) pode dizer ou aderir a uma tolice e, por mais errada que esteja, sufocar aqueles que discordam.

Foi o que aconteceu com o tal vídeo “Gota d’água”, estrelado pelos globais. A quantidade de bobagens, de mentiras, de simplificações e de parvoíces ditas ali é certamente recorde para um filmete de cinco minutos. Mas todos eles estão muito convictos, certos de que aderiram a uma boa causa e de que são os santos guerreiros protetores da natureza contra os dragões da maldade que querem destruir a floresta. O post que escrevi evidenciando algumas das bobagens gerou um baita sururu. Chegou a dar pau no sistema! Houve três ordens de reação: alguns que comungavam do meu ponto de vista ficaram contentes ao vê-lo expresso; outros tantos se surpreenderam porque não haviam se dado conta das tolices, e houve o terceiro grupo que, ao constatar a verdade sem o sutiã da mistificação, ficou ainda mais furioso — este preferiu me atacar e me acusar de querer censurar os atores. Eu não quero censurar ninguém! Ainda que ache que eles cometem uma espécie de “abuso de autoridade estética e ética”, já que usam aquilo de que entendem para sentenciar sobre o que não entendem, que falem! Mas que tenham a decência de ouvir o contraditório. Mais do que isso: cada um pode ter a opinião que quiser; mentir não pode!

Simplificação grosseira
O vídeo traz uma soma vergonhosa de mentiras e é de uma ligeireza absurdamente irresponsável. O Brasil não precisa de energia apenas para que os brasileiros “assistam à novela”, como afirma Marcos Palmeira — até parece que seu ofício principal é outro e que ele ganhou notoriedade por ser produtor de morango orgânico… Também não é para que uma loura lá, outra que não sei quem é, possa carregar as baterias do “iPhone, do iPod, do iPad, do iTudo”, como ela diz, fazendo-se de mais tonta do que provavelmente seja na vida real.

Sem energia, as indústrias têm de parar, e há desemprego em massa. Sem energia, os hospitais públicos têm de parar (os dos ricos contam com gerador), e os pobres ficarão com seus respectivos abdômenes abertos, nas salas de cirurgia. Sem energia, os investidores deixam o seu dinheiro no banco porque não vão se arriscar a ter um apagão pela frente. Sem energia, não há crescimento econômico, e a pobreza e a miséria se alastram, e os remediados ficam pobres.

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A novela do Palmeira ou o “iTudo” da loura que se faz de louquinha são só a expressão doméstica e a privada do uso da energia. Belo Monte é uma questão que diz respeito ao planejamento estratégico — ela, as demais usinas em construção e outras tantas que terão de ser feitas. Essa gente, sem querer, expõe um aspecto que sempre apontei no ecologismo doidivanas, embora seja ricamente financiado por potentados econômicos estrangeiros: seu aspecto obscurantista.

Vocês acham mesmo que aqueles bacanas se ocuparam ao menos de ler a respeito? Tentaram se informar? Pensaram minimamente sobre o assunto? Nada! Ou não diriam aquela coisa estúpida: já que a usina vai gerar apenas um terço do seu potencial (na verdade, é mais, em torno de 40%), então não pode ser feita! Como se o Brasil pudesse abrir mão dos 40%. E não pode! E só será assim, como deixei claro, em razão das imposições ambientais. Perguntem à China, à Rússia ou à Índia, países emergentes como o Brasil, se buscariam ou não fazer a sua “Belo Monte” render o máximo… Eles, que não dão a menor bola para danos ambientais gigantescos (e não sugiro que o Brasil siga a trilha) o fariam ainda com mais gosto se o dano ambiental fosse, como seria o nosso ainda que se fizesse o grande reservatório, mínimo!

Que fique claro:
1
– O Brasil não precisa de energia elétrica só para satisfazer os chiliques da turma do “iTudo” e da novela;
2 – a usina não vai inundar terras indígenas;
3 – a usina não vai desalojar índios;
4 – a usina não vai mudar substancialmente o regime do rio Xingu;
5 – a inundação, como o demonstrado, é ridiculamente pequena; mais: parte dela já é inundada hoje no período das chuvas;
6 – a energia utilizada não será usada apenas pelos “grandes capitalistas”; é mentira! 70% será comprada pelas redistribuidoras, que venderão aos brasileiros, NÓS TODOS, que precisamos de energia, sim!;
7 – ainda que fosse energia apenas para empresas, é bom lembrar: elas geram empregos para os brasileiros, que, assim, se livram da pobreza; brasileiros que têm o direito de trabalhar, assim como aqueles atores da Globo;
8 – as populações ribeirinhas, não-índias, que serão desalojadas vivem hoje numa situação de extrema carência, de miséria; se esses atores querem ser úteis, deveriam se organizar para verificar se as condições de reassentamento serão mesmo adequadas. Mas isso dá trabalho.
9 – é impossível — APENAS ISTO: IMPOSSÍVEL — abrir mão das hidrelétricas em favor da energia eólica ou solar porque é técnica e financeiramente inviável;
10 – a crítica que poderia ser pertinente — o custo da usina aos cofres públicos — se perde na boçalidade à medida que os “artistas” não estão debatendo o peso excessivo do estado no empreendimento, mas tentando afirmar que tudo não passa de desperdício. É uma bobagem! UM PAÍS TEM A OBRIGAÇÃO DE FAZER INVESTIMENTOS EM INFRA-ESTRUTURA. Querem lutar contra uma bobagem? Combatam a estupidez do trem-bala. Mas sei: isso não chama a atenção do Sting ou do Leonardo DiCaprio…
11 – índios, senhores patetas, precisam, sim, de educação e antibióticos, como todos nós. A idéia de que eles vivem bem nas carências da mata é coisa de gente estúpida, desinformada ou cruel.

Perversidade dos bacanas
No texto em que fundi um pouco de política com memória texto em que fundi um pouco de política com memória (aquele do ferrorama), abordo a perversidade dos bacanas, que costumam ter uma visão um tanto turística da pobreza. E assim é também com a natureza. Essa gente vê o seu próprio país pelo filtro das celebridades preservacionistas americanas ou européias, devidamente financiadas por entidades que não têm qualquer compromisso com o desenvolvimento do Brasil. Não se trata de nenhum juízo conspiratório, não! Trata-se da coisa mais comezinha do mundo: interesse.

Já lhes falei, por exemplo, daquele estudo intitulado “Farms Here, Forests There”, feito nos EUA. Estava sendo divulgado por uma ONG chamada, imaginem!, “Union of Concerned Scientists”. Trata-se de uma “União de Cientistas Preocupados” com o meio ambiente, amiguinha dos nossos ambientalistas, como Marina Silva, por exemplo. Ora, quem é que deu dinheiro para o tal estudo “Fazendas aqui (nos EUA), Florestas lá (no mundo emergente, como o Brasil)? Os grandes agricultores americanos! Eu estou falando de fatos, não de teorias conspiratórias.

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Essa gente pode ser boba o quanto quiser e falar as asnices que desejar. Mas têm de se expor à crítica e saber que asnices são. Num dos posts abaixo, há um vídeo em que um rapaz desmonta, com paciência chinesa, cada uma das mentiras influentes sobre Belo Monte. Fui checar as informações que ele veicula. São absolutamente verdadeiras, e suas contas são tecnicamente procedentes.

Eu não me oponho a que Maitê Proença tire o sutiã. Ao contrário: ainda que com poucas informações, não fornecidas pelo vídeo, eu sou é a favor. Mas não por causa de Belo Monte. Esse negócio de tirar sutiã em razão de causas ficou lá com Betty Friedan. Verdadeiramente contestador hoje é tirar o sutiã sem causa nenhuma. Só porque deu vontade.

Como vou esquecer de Vinicius, nesse caso?
(…)
Vós que levais tantas raças
Nos corpos firmes e crus:
Meninas, soltai as alças
Bicicletai seios nus!
No vosso rastro persiste
O mesmo eterno poeta
Um poeta – essa coisa triste
Escravizada à beleza
Que em vosso rastro persiste,
(…)

Por um mundo sem sutiã e de luz acesa!!!

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