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Blog do jornalista Reinaldo Azevedo: política, governo, PT, imprensa e cultura
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A droga da imprensa. Ou: Por que eu tenho de pagar pelo tratamento de quem decidiu consumir droga sem me consultar?

Não é raro que alguns leitores tentem jogar Milton Friedman contra mim. Um dos ícones do liberalismo se dizia favorável à descriminação de todas as drogas. Para ele, trata-se de uma questão individual. Consome quem quer, e o Estado não tem o direito de se meter. Acho que sou um liberal — um liberal-conservador em […]

Por Reinaldo Azevedo Atualizado em 31 jul 2020, 09h47 - Publicado em 10 jan 2012, 17h54

Não é raro que alguns leitores tentem jogar Milton Friedman contra mim. Um dos ícones do liberalismo se dizia favorável à descriminação de todas as drogas. Para ele, trata-se de uma questão individual. Consome quem quer, e o Estado não tem o direito de se meter. Acho que sou um liberal — um liberal-conservador em muitos aspectos — , e não me sinto obrigado a concordar com ele ou com qualquer outro. Costumo dizer que nenhum estado é tão autoritário a ponto de proibir o suicídio. Se a droga fosse apenas matéria de foro íntimo, não seria eu a recomendar que se proibisse, então, essa forma particular de… suicídio — uma questão que considero grave, mas que diz respeito a outro campo da experiência, que não o legal; evito-o agora para não abrir outra vereda no texto. Acho a opinião de Friedman — emitida num tempo pré-crack, diga-se — simplista porque desconsidera que o consumo de determinadas substâncias traz consigo um conjunto de valores, de práticas e de “saberes” (ainda que maléficos) que tem óbvias implicações sociais. Consumir ou não consumir droga, sem dúvida, nasce de uma decisão pessoal. Mas há implicações que são coletivas.

De toda sorte, as considerações daquele notável economista liberal servem de instrução ao pensamento e ajudam a orientar as nossas escolhas. Todos acompanhamos a simpatia mais do que indiscreta da imprensa brasileira, com raras exceções, pelas marchas da maconha. Ora, se eu não fosse aquele que diz tudo sem receio de aborrecer, não escreveria o que vou escrever agora. Mas não me importa que alguns tantos fiquem chateados. A simpatia da imprensa pelas tais marchas deriva do fato de que os jornalistas não formam exatamente o grupo profissional mais avesso ao consumo, digamos, recreativo de algumas substâncias proibidas. Os jornalistas, como os artistas, integram as categorias do, como chamarei?, laxismo em matéria de costumes. Mais do que pelo laxismo, têm certa atração pela transgressão. Não é por acaso que as matérias contra o tabaco se multipliquem na imprensa (e está correto; a substância é realmente nociva, diz este fumante), na mesma proporção em que crescem os textos que fazem proselitismo em favor da descriminação de outras drogas. Sigamos.

Aos laxistas e liberais, juntam-se aqueles — e é aí que entra, por exemplo, FHC, abraçado a um estupendo equívoco — que consideram que as drogas devam ser descriminadas porque a repressão teria se mostrado ineficiente e contraproducente. Trata-se de um raciocínio torto, que nasce de uma lógica manca: “Se a repressão não é eficiente, por que não testar os efeitos da completa liberação?”, como se o conhecimento que temos do inferno da proibição nos desse a experiência prévia do inferno da liberação — e não nos dá! Ora, as cracolândias no Brasil ou as áreas de Amsterdã em que o consumo de drogas é liberado fornecem pistas de como seria um mundo em que essas substâncias circulassem livremente. Insisto neste aspecto: o crack testa — e reprova — as opiniões dos liberais como Friedman, dos laxistas e dos que se querem, como FHC nesse caso, apenas pragmáticos.

Essas correntes todas se juntam contra o Estado quando este decide fazer aquilo que lhe compete fazer: aplicar a lei. Por qualquer ângulo que se queira, mesmo com uma legislação “drogofílica” como a nossa (ainda falarei a respeito em outro post), a existência de cracolândias é inaceitável. E é em momentos assim que a confusão de valores e de referências e que a ausência de um princípio organizador do pensamento se revelam de maneira dramática. Acompanhem o que segue. Vamos ver se há falhas lógicas no que escrevo.

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Ora, se, vá lá, liberais e laxistas acreditam que a droga é uma questão de foro íntimo; se é verdade que ela diz respeito a escolhas individuais; se é verdade que o estado não tem o direito de se meter nas opções feitas pelos indivíduos, então é preciso sustentar o que deriva de todas essas premissas: esse mesmo estado e essa mesma sociedade não têm obrigação nenhuma de arcar com o custo da escolha, certo? Se os indivíduos que vão fumar um baseado, cheirar uma carreira ou acender um cachimbo não nos devem satisfações, por que nós lhes deveríamos, então, o tratamento quando mergulham na abjeção? É sensato que, na hora de consumir a substância, o sujeito evoque, sei lá, o que considera seus direitos fundamentais, mas se apresente como um caso clínico quando o seu prazer se transforma na sua desgraça? Se o consumo, no fim das contas, é só uma questão de moral privada, que não venham, então, defender que é um imperativo ético do estado, de toda a sociedade, tratar o viciado. ORA, ELE NÃO É, ENTÃO, UM DOENTE, MAS APENAS UM HOMEM LIVRE. E um fundamento da liberdade individual é arcar com o custo das escolhas, em vez de transferi-los para os ombros de terceiros. Mais: ele consuma, então, o que quiser, mas sem sitiar áreas públicas. Se o fizer, polícia!  Alguma falha no que escrevo aqui?

No parágrafo anterior, não respondi ao que chamei “os pragmáticos”. A falha de seu raciocínio não é menor. Em vez da repressão, dizem eles, é preciso fazer um trabalho de prevenção, descriminando o consumo e dispensando tratamento aos viciados. Seria exato se os viciados constituíssem uma categoria natural ou fossem uma decorrência da árvore da vida, como os infantes e os velhos, que merecem proteção especial. Mas os viciados, eu também acho, fizeram uma escolha primitiva: consumir a substância. Se os serviços públicos de saúde já são hoje um desastre — e são mais ou menos ineficientes no mundo inteiro, é bom destacar, porque são muito caros —, podemos imaginar as conseqüências de uma descriminação ampla das drogas. Atenção! Eu defendo, sim, que haja tratamento nos limites do que comporta o Orçamento — não seria, por exemplo, a minha prioridade e ainda direi, em outro texto, por quê —, mas reivindico que o Estado tem o direito e a obrigação de reprimir o tráfico e, atenção!, também o consumo de drogas. A legislação brasileira, nesse particular, também é uma droga!

Mas o que querem, afinal, setores da imprensa?
Leio a cobertura de determinados veículos e me pergunto: “Mas o que querem, afinal, determinados setores da imprensa, pautados pelo laxismo e pelo suposto pragmatismo (liberais quase não há mais…)? De fato, gostariam de uma ampla descriminação das drogas, desde que o estado arcasse com os custos das escolhas. No fim das contas, a maioria que não consome drogas, que se dedica com afinco ao trabalho, que dá duro para educar os filhos e para tentar melhorar de vida, deveria suportar os custos das escolhas dos que decidiram, como se diz, enfiar o pé na jaca. SERIAM SERES PLENOS DE DIREITO QUANDO BUSCAM O SEU PRAZER, MAS APENAS VÍTIMAS QUANDO A DROGA LHES CORRÓI AS ENTRANHAS E O FUTURO.

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As minhas convicções mais profundas me impedem de negar ajuda a quem, afinal, precisa de ajuda, ainda que tenha cometido muitas faltas. Mas eu reivindico, sim, o direito de a sociedade, que pagará a conta, dizer qual é a sua vontade.

Finalmente, a Defensoria Pública
Dispenso algumas palavras, caminhando para o encerramento, para a Defensoria Pública. Eu ainda não entendi, e talvez alguns dos representantes desse órgão pudessem me explicar, por que os que optaram pelo crime despertam mais o interesse e a compaixão dos defensores do que os homens comuns, os que trabalham para encher os cofres do estado, de onde sai o salário — boníssimo salário, diga-se, equivalente ao de seus congêneres em países ricos — que paga esses profissionais.

Posso não ter achado em minha pesquisa — e, estando errado, corrijo-me —, mas não encontrei nenhuma ação desses profissionais em defesa dos moradores do Centro de São Paulo, que estavam sitiados pelo narcotráfico e pelos viciados. Está em curso no país uma perversa inversão quando se trata de órgãos que, na origem, deveriam defender o interesse coletivo ou os cidadãos, como é o caso de Ministério Público e Defensoria. Não é raro que a atenção desses profissionais se volte justamente para os grupos de exceção, para o que chamam “minorias”, para as ditas “vítimas do sistema”, deixando ao léu o homem comum.

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É preciso, sim, impedir que o estado cometa arbitrariedades, na Cracolândia ou em qualquer outro lugar. Mas que fique claro: os que ocupavam aquela região não estavam exercendo um direito, mas solapando o direito de terceiros.

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