A bravata “Não vamos aceitar” é o “Não me representa” da direita!
Um liberal pode assistir com certo distanciamento, quase com curiosidade científica, aos movimentos de ideologias marginais de esquerda e de extrema direita
Ser, de fato, um liberal — e isso quer dizer não transigir, na democracia, com as regras e as balizas do estado de direito — não deixa de ser um posto privilegiado. Pode-se assistir com certo distanciamento, quase com curiosidade científica, aos movimentos das ideologias marginais de esquerda e de extrema direita. Bem, como não constatar? Eles são parecidos! Sim, nasceram como irmãos siameses, distanciados depois pelas contingências, mas sua matriz de pensamento é a mesma.
Sairá, em breve, um livro no Brasil, de que faço o prefácio, que evidencia como o reacionário Oliveira Vianna era a inspiração do comunista Caio Prado. Ambos repudiavam o… liberalismo decadente!
Sim, é verdade: algumas pessoas que estão por aí a defender isso e aquilo não têm ideia nem remota daquilo que falam. Assim como existe uma esquerda que ignora postulados do que seria seu pensamento, também à direita isso se verifica de forma um tanto constrangedora.
Prestei atenção a alguns cartazes das micromanifestações deste domingo. Lia-se lá, com alguma frequência, o “não vamos aceitar…” — e os complementos eram os mais variados: “financiamento público”, “voto em lista”, “anistia ao caixa dois” (essa fantasia que ainda vira uma tara…).
Esse “Não vamos aceitar” — vale dizer: se o Congresso decidir, a gente não acata — é, no terreno da direita, o que era aquele deplorável “não me representa” da esquerda. Até nisso os dois extremos se igualam.
Eu sempre achava muito engraçado, e tirava onda aqui no blog, dessa conversa mole. Bastava um grupelho da esquerda bastarda não concordar com a decisão de alguma autoridade constituída, e lá vinha o “não me representa…”. Geralmente, esquerdistas gritavam essa palavra de ordem para aqueles que consideravam “de direita”.
Agora vem a direita com “não vamos aceitar isso e aquilo…”. Bem, não vou fazer à moda de Stálin, que teria indagado quantas divisões [de tanques] tinha o papa quando lhe contaram que o Sumo Pontífice havia considerado inaceitável uma decisão do Kremlin. Stálin era um ditador. Eu sou um liberal e democrata.
Se o Congresso decidir aprovar o financiamento público — DIGAM QUAL É A ALTERNATIVA OU PAREM DE TENTAR ENGANAR AS PESSOAS; NÃO ESTÁ DANDO CERTO! — e o voto em lista (IDEM!), o que significa exatamente “não aceitar”? A democracia estabelece o cardápio e o limite do que é aceitável, não é mesmo?
Nessas coisas, ou valem os princípios ou vale o oportunismo rasteiro. Já contei aqui e relembro. Antes do impeachment, me perguntaram: “E se o Congresso disser ‘não’, você acha que os defensores do impedimento devem fazer o quê?”. Dei a única resposta aceitável a um democrata: “Acatar o resultado e continuar na luta por meios legais e pacíficos”.
Eu jamais diria “Não vamos aceitar” ou “Não me representa”.
Até porque a democracia me representa.
O estado de direito me representa.
Não me representam os larápios nem os que se candidatam a tiranos sob o pretexto de caçar larápios.
Não me parece ser uma opinião muito difícil de entender. Ao contrário até. Estamos aqui a falar de tolerância política e da regra de ouro do jogo democrático. Ou é assim ou se escolhe o caminho da clandestinidade.
Não há uma terceira opção.