Em momento princesa, torço pelas bruxas
Chorai Aurora, desperta de seu sono centenário por um rapaz que nunca viu na vida. Amaldiçoada seja Branca de Neve, condenada a servir pelo resto da vida um bando de anões velhos cheios de manias. Reduza a cacos o sapatinho de cristal, Cinderela, ao descobrir que o príncipe encantado não passa de mais um soberano […]
Chorai Aurora, desperta de seu sono centenário por um rapaz que nunca viu na vida. Amaldiçoada seja Branca de Neve, condenada a servir pelo resto da vida um bando de anões velhos cheios de manias. Reduza a cacos o sapatinho de cristal, Cinderela, ao descobrir que o príncipe encantado não passa de mais um soberano com sede de poder. Sim, desgraçadas todas vocês porque ser princesa datou, virou coisa antiga, ultrapassada, além de ocupação indigna, uma abominação, algo totalmente do mal.
Tudo culpa de séculos de machismo alimentado pelos Irmãos Grimm, o francês Charles Perrault – e outros autores de contos de fada – a Disney, O Sítio do Pica-Pau Amarelo, a filha do Silvio Santos e, finalmente, Marcela Temer. Enfim, um complô de proporções épicas para, através de subterfúgios enganosamente glamorosos, subjugar nossas meninas à subserviência mais vil e humilhante. Ai de ti, Simone de Beauvoir
Tomei conhecimento da tenebrosa conspiração principalmente depois de me informar através de texto publicado na mídia e amplamente compartilhado nas redes sociais – de autoria devidamente chancelada com insígnia acadêmica – chamando atenção para a perniciosa influência exercida sobretudo pela atual primeira-dama e da moça Abravanel, herdeira do SBT. A primeira porque, segundo o texto, comete o pecado mortal de ter “as contas pagas, as falas prontas e a vida decidida”. A segunda, por ser franqueada de uma certa Escola de Princesas, porque “Todo sonho de menina é tornar-se uma princesa”. Seria cômico se pessoas que se levam muito a sério não levassem tanta bobagem tão a sério.
Resumindo: a senhora Temer surpreende por ser, ao mesmo tempo, jovem e conservadora e, portanto, encarna alegremente o perigoso papel da princesa. A autora não chega a dizer que ela teria feito o casamento errado, mas não é preciso, está implícito. Enquanto isso, em registro explicitamente pateta, a Escola das Princesas da filha de Silvio Santos, evoca com muito cor-de-rosa e tiara de strass a velha cantilena das meninas criadas para se tornarem apenas boas esposas e mães amantíssimas. Ou seja, nenhuma novidade.
OK, você vai dizer que os tempos são de trevas e é a vitória do conservadorismo que se aproxima. Pois eu digo que ainda temos Madonna, Oprah, Hillary e até aquele velho exemplar de O Segundo Sexo esquecido na estante. Sem falar que em caso de garota com ataque de princesite aguda, sempre se pode rebater com a “Vida de Frida Kahlo Para Crianças” – sobrancelhas espessas como símbolo de empoderamento feminino.
Mas é bom ter mente que meninas, garotas e mulheres, apesar e acima de qualquer coisa, serão o que bem entenderem. Inclusive princesas, se assim for seu desejo. Sabe a tal da diversidade? Então…
Ainda bem que eu sempre torci pelas bruxas.
Por falar em bruxa, não perca Elle, filme do holandês Paul Verhoeven, com a extraordinária Isabelle Huppert desancando geral como uma superexecutiva da indústria de games que não dá explicações, não pede desculpas e nem se faz de vítima diante de situação das mais escabrosas. Divertido e perturbador. Está na programação da Mostra de Cinema e deve entrar em cartaz em breve. Para deixar muita gente incomodada.