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Você já foi humilhado na internet? Isso pode acontecer em breve

No tribunal absolutista das Redes Sociais, todos podem tropeçar e cair no banco dos réus, inclusive eu... e você!

Por Maicon Tenfen 16 nov 2017, 07h54

Não vamos perder tempo com celebridades. Harvey Weinstein, Kevin Spacey e William Waack sofreram a execração das redes por causa da fama. Grandes nomes são grandes alvos desde a época do telefone à manivela. Nesses casos, além do mais, não se pode falar em grandes injustiças porque, salvo prova contrária, parece que os três têm culpa no cartório.

Vamos dedicar o nosso tempo a um tipo de alvo que só se tornou possível com as redes sociais: a pessoa comum, anônima, que não possui profissões glamorosas e não costuma posar para os fotógrafos do grand monde. Mais: pessoas inocentes, incautas, inofensivas, que tiveram a má sorte de passar pelos seus “cinco minutos de bobeira” no Twitter ou no Facebook.

Ninguém está falando dessas vinganças sexuais que se dão com a publicação de vídeos íntimos — prática covarde que merece a prisão perpétua —, mas sim dos tribunais inquisidores que se instalam espontaneamente na internet. Está perdido quem cair no banco dos réus. Sem direito à apelação, há de conhecer a derrocada dos arrependidos e a amarga solidão dos injustiçados.

Não há exagero nos exemplos abaixo. São reais em tudo que possuem de espantoso. Foram colhidos no livro Humilhado – Como a Era da Internet Mudou o Julgamento Público, do jornalista inglês Jon Ronson. A obra foi publicada em 2015, tanto nos Estados Unidos como no Brasil, e aqui pode ser encontrada no catálogo da Editora Best Seller.

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Caso 1: em 20 de dezembro de 2013, uma executiva de Nova York chamada Justine Sacco usou o Twitter antes de embarcar para as suas férias na África do Sul. “Indo para a África. Espero não pegar Aids. Brincadeira. Sou Branca!” Era um voo de 11 horas. Quando ela desembarcou, ligou o celular e percebeu que alguma coisa estava errada. “Me ligue imediatamente”, dizia a melhor amiga numa mensagem de texto. “Você é o trending topic mundial número um no Twitter agora”. O celular começou a pipocar com milhares de mensagens. “Todos denunciem essa vagabunda” e “estuprem a puta que ela vai ver se não pega Aids” eram as mais polidas. Justine foi demitida da empresa em que trabalhava.

Caso 2: no auditório de um evento sobre tecnologia, um certo Hank (nome fictício) resolveu fazer um elogio inusitado ao palestrante do momento. “Eu bifurcaria o repo desse cara”, disse ao colega que estava ao lado. Do jeito como a frase foi montada, o jargão tecnológico funciona ao mesmo tempo como lisonja e insinuação sexual. Na fileira da frente, uma mulher chamada Adria Richards ouviu a piadinha e resolveu tomar uma atitude. Virou-se, tirou uma foto de Hank e a anexou num tuíte com a seguinte mensagem: “Nada legal. Piadas sobre bifurcar o repo de alguém de um modo sexual e entradas ‘grandes’. Bem atrás de mim”. Devido à repercussão do tuíte, Hank foi demitido no dia seguinte.

Caso 3: agora a protagonista é a própria Adria Richards, autora do tuíte sobre a piadinha de Hank. No dia da demissão, ele postou um pedido de desculpas no painel de discussões Hacker News. “Tenho três filhos”, acrescentou, “e gostava muito daquele emprego”. Blogueiros de direitos dos homens começaram a mandar mensagens de apoio a Hank, ou então a admoestá-lo pela fraqueza com que reagiu à injustiça, ao mesmo tempo em que atacavam Adria Richards. Mas o bicho pegou mesmo foi no 4Chan, um famoso ponto de encontro para trolls: “Vamos crucificar essa vaca”, “Morte a ela”, “Cortem o útero dela com um estilete”. Hackers atacaram o site do empregador de Adria. Ela também foi demitida.

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Os três casos servem para fortalecer uma conclusão: ninguém precisa ser famoso ou cometer crimes de verdade para ser linchado nas redes sociais. A Ditadura da Boçalidade em que vivemos faz com que a hipocrisia e o rancor típicos do gênero humano alcancem dimensões inimagináveis na internet. Criamos um tribunal de julgamentos públicos precipitados que rapidamente evoluiu da exceção para a regra.

Jon Ronson, em seu livro, faz questão de usar a primeira pessoa do plural, “nós”, em vez de jogar a culpa do que está acontecendo sobre um genérico e indeterminado “eles”, que seriam os hackers, os haters, os trolls. Nada mais coerente. As redes sociais permitiram que todos voltássemos ao tempo dos Autos-de-Fé, quando bruxas ardiam sob o clamor dos justos e dos puritanos.

Esse costume, entretanto, sempre teve uma contrapartida perigosa. Muitos dos que gritavam ao sentir o cheiro da carne queimada estariam amarrados aos postes do mês seguinte. É o que pode acontecer nas redes sociais. Hoje acusamos e exigimos justiça imediata, amanhã poderemos estar lá, num trending topic qualquer, alvos da fúria e da incompreensão de multidões maiores — bem maiores — das que existiam na Idade Média.

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