E um filme sobre a vida da Xuxa, não sai?
Nenhuma celebridade dos anos 80 inspiraria uma cinebiografia mais polêmica do que Xuxa Meneghel
Está em cartaz um filme sobre a vida de um dos atores que interpretaram o palhaço Bozo. Parece que é muito bom, parabéns, viva o cinema brasileiro etc., mas o que eu queria mesmo era ver um filme sobre a vida da Xuxa.
Mara Maravilha, Angélica, Eliana e companhia, podemos esquecer as derivadas. Quem causou um impacto realmente profundo sobre os anos 80 foi o desde sempre demonizado Xou da Xuxa.
A esse respeito, inclusive, tenho uma tese que soa como piada, mas por isso deve ter o seu fundo de verdade. Lá vai: todo brasileiro que tem mais ou menos a minha idade é meio tarado. Não riam, meninas de 40, vocês também tem os seus probleminhas, talvez um sentimento um tanto vago de desilusão, confere?
A origem de tudo, claro, só pode se encontrar na nossa infância.
Lá estávamos na frente da TV, um bando de moleques abestalhados e orgulhosos da primeira penugenzinha que surgia embaixo do braço. Então aquela tia loira, sempre com os shorts apertados e o umbigo de fora, se aproximava da câmera e dizia gemebunda:
— Vem, baixinho, vem comigo, chega mais, isso, assim, pertinho, mais pertinho, agora, vamos nessa, uhuuu!
O estrago só não foi maior porque logo começava o desenho do Scooby-Doo.
Ei, meninas, vocês também estavam lá, bobinhas e sorridentes, súditas que sequer piscavam diante da deusa do merchandising. Não sabiam se sonhavam com o primeiro sutiã ou com o concurso Seja a Nova Paquita da Xuxa.
Bastava ter menos de 15 anos, vontade de vencer e, bem, cabelos loiros. Salvaram-se as morenas, descartadas de antemão e obrigadas a voltar mais cedo para a realidade. Apenas por isso a epidemia de desilusão não foi geral.
Mas a cinebiografia seria interessante por outras razões, sem a menor necessidade de realçar a participação de Pelé e Ayrton Senna.
Depois da estreia do Xou da Xuxa, a rainha moveu céus e terra para impedir o lançamento em VHS de um filme chamado Amor, estranho amor. Ela faz uma personagem coadjuvante que aparece vestida de ursinha de pelúcia e seduz um gurizote de 11 ou 12 anos de idade.
— Ô garoto! — diz ela. — Você não quer brincar comigo?
A cena termina com uma camaçada de pau.
Vera Fisher surge das sombras e senta a mão na futura rainha dos baixinhos.
— Com o meu filho, não! Eu te mato, desgraçada! Eu te mato!
Consta que trinta e dois gatos pingados assistiram ao filme no cinema, logo esquecido na lata de lixo da irrelevância.
O problema é que a fama posterior da Xuxa — e sua atitude censória — transformou a película em lenda urbana. Love, strange love saiu em 2005 nos Estados Unidos. Desde então é moleza encontrá-lo na internet.
Esse episódio do filme, na verdade, teve menos importância que o propagado, mas o fato é que a minha geração de loucos pôde ver as projeções da infância concretizadas em imagens.
Condenar a Xuxa? Além de hipocrisia, seria ingratidão. Ser atriz no Brasil — ou em qualquer lugar do mundo — é estar sujeita às neuroses de produtores e diretores que nem sempre sabem o que estão fazendo.
Que se produza a cinebiografia, mesmo que autorizada, assim a Xuxa teria a chance de apresentar a sua versão dos fatos. O público está garantido. Uma fila — imensa — de quarentões tarados e quarentonas desiludidas.