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Cidades seguras: a polêmica tolerância zero (por Felipe Sampaio)

Nunca se agrediu, prendeu e se matou tantos jovens negros nos Estados Unidos

Por Felipe Sampaio
Atualizado em 18 nov 2020, 20h04 - Publicado em 2 ago 2020, 11h00

Quando pensamos no processo de pacificação ocorrido em algumas cidades norte-americanas nos anos 90 do século vinte, lembramos da estratégia municipal de segurança pública Tolerância Zero. Nos Estados Unidos as atribuições dos municípios na gestão da segurança são mais amplas e claras do que aquelas estabelecidas na Constituição Brasileira de 1988.

As cidades americanas dispõem, por exemplo, de forças policiais municipais, enquanto no Brasil as polícias ostensivas e judiciárias estão subordinadas aos governos estaduais e ao Distrito Federal (exceto, no nosso caso, a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal).

A política de Tolerância Zero considerava que pequenos delitos e incivilidades deveriam ser punidos com rigor exemplar, para que se impedisse o surgimento de um ambiente favorável à criminalidade e à desordem. Desse modo, supunha-se que os delinquentes iniciantes, os desordeiros e os indivíduos suspeitos deveriam ser retirados de circulação, antes que evoluíssem para a prática de crimes graves.

Da mesma forma, a atitude policial e penal firme serviria como ação dissuasória contra os criminosos maduros e os baderneiros em geral.

A Tolerância Zero baseava-se no pensamento Lei e Ordem, que ganhou espaço entre as autoridades americanas conservadoras a partir dos anos 1980, garantindo-lhes popularidade nas pesquisas eleitorais. Segundo a filosofia da Lei e Ordem, o Estado deveria agir com firmeza policial e rigor penal, ou seja, com base na repressão em massa e no encarceramento.

O princípio da Lei e Ordem teve como defensor o presidente Ronald Reagan, que o utilizou para justificar sua também controvertida guerra às drogas.

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Por sua vez, o pensamento Lei e Ordem buscou fundamentação na Teoria das Janelas Quebradas, sistematizada por criminólogos da Escola de Chicago (Broken Windows Theory, Wilson e Kelling – 1982). Ela originara-se de estudos empíricos realizados desde 1969, que procuravam identificar os fatores sociais desencadeadores de atos violentos e abusivos. A Teoria das Janelas Quebradas partia da hipótese de que ambientes abandonados pelo Estado estimulariam o surgimento de comportamentos delinquentes e de incivilidades, começando por pequenos delitos e perturbações, que evoluiriam gradativamente para a criminalidade e a depredação em larga escala.

Porém, o remédio para esses desequilíbrios da ordem pública viria a ser a atuação policial linha dura da Tolerância Zero, desconectada de um plano mais amplo para a cidade.

Em pouco tempo, a implementação da Tolerância Zero provocou sérias críticas de especialistas e a oposição de políticos progressistas americanos, assim como dos movimentos populares urbanos. Desconfiava-se, então, de que os prefeitos envolvidos estavam direcionando o rigor contra minorias raciais, jovens pobres, sem-teto, prostitutas, mendigos, trabalhadores informais, bêbados e drogados. Prevaleceu a impressão de que a Tolerância Zero servia a uma espécie de faxina social nas suas cidades.

Para isso, estariam fazendo uso do encarceramento massivo, ou da segregação espacial, dos grupos sociais inconvenientes. Uma marca da Tolerância Zero eram as humilhantes abordagens policiais denominadas stop and frisk (parar e revistar), normalmente realizadas contra jovens pobres, negros e latinos.

Nesse período, tornou-se emblemática a frase proferida por um policial nova-iorquino enquanto espancava um suspeito: “Crioulo burro! Aprenda a respeitar a polícia! Você está no tempo de Giuliani!”. Rudolph Giuliani era o prefeito de Nova York na época e tornou-se o ícone político da Tolerância Zero.

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Alguns analistas afirmam que nunca se agrediu, prendeu e se matou tantos jovens negros nos Estados Unidos como durante o exercício da Tolerância Zero. Estudos demonstraram que a redução da criminalidade urbana naquela década não se deveu ao novo regime, mas a diversos outros fatores como a recuperação econômica americana, que gerou novas ocupações para os jovens nas áreas de tecnologia, economia criativa, turismo e outros serviços.

Na pasta da segurança pública, obteve-se resultados melhores com a chegada das novas tecnologias de informática aplicadas à segurança, a modernização dos protocolos de investigação e inteligência, a ampliação e requalificação do efetivo policial e a adoção de práticas de policiamento comunitário.

No Brasil, a Tolerância Zero tem presença recorrente no discurso eleitoral, com suas promessas de Lei e Ordem focadas na repressão violenta e no encarceramento massivo. No entanto, os resultados mostram-se decepcionantes, porque as cidades são sistemas sociais complexos nos quais a insegurança depende primeiramente das condições de uso e conservação dos espaços e serviços públicos que, por sua vez, só podem ser garantidas por projetos de cidade democráticos, multidisciplinares, integrados, transparentes e de longo prazo.

 

Felipe Sampaio é Secretário Executivo de Segurança Urbana do Recife. Foi Assessor Especial do Ministro da Reforma Agrária no governo Fernando Henrique Cardoso, chefe da Assessoria de Relações Institucionais do Ministério da Segurança Pública e Chefe da Assessoria de Projetos Especiais do Ministério da Defesa de 2016 a 2019. Prestou consultoria nos temas de desenvolvimento sustentável e desenvolvimento regional em projetos e programas governamentais e de organismos internacionais, bem como no Terceiro Setor, com publicações no Brasil e no exterior. ⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀⠀

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