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Será que Deus, ou Gaia, odeia os mexicanos e ama a América?

Surpresa, surpresa: furacões não são uma vingança divina nem fúria da Terra contra Donald Trump; apesar da torcida para que fossem

Por Vilma Gryzinski 10 set 2017, 17h48

O “cinturão dos furacões” provavelmente existe desde o ordoviciano, quando o equador passava pela região que equivale hoje a Nova York e a massa continental norte-americana estava praticamente de cabeça para baixo.

Isso significa 450 milhões de anos. A tese se baseia no estudo de uma cadeia homogênea de fósseis e sedimentos, que vai do sudoeste dos Estados Unidos até a Groenlândia, feito por um grupo internacional de geólogos.

Outra tese, do meteorologista Kerry Emanuel, é mais recente, coisa de 65 milhões de anos atrás. O mesmo asteróide que provocou a extinção dos dinossauros criou surtos climáticos que esquentaram as águas oceânicas a 50 graus.

Os ventos dos super-furacões desencadeados por este calor atingiam mais de 1 100 quilômetros — coitadinho do Irma, comparado a isso. E, de alguma maneira, coitadinhos dos que torciam para que as fúrias da natureza devastassem os Estados Unidos. Não deve ser muito confortável compartilhar a frustração com o Estado Islâmico.

Não vamos entrar naquela chatice: os que “acreditam” em aquecimento global proximamente catastrófico, como um duende cósmico prestes a nos inundar, apontam provas de sua iminência em qualquer fenômeno climático acima de chuvisco; os que “não acreditam” sacam o longo histórico geológico de eventos extremos.

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Mas é impossível não se compadecer da dificuldade dos que, sendo intelectualmente honestos, se afobam para associar a atual temporada de furacões a mudanças climáticas recentes. (Os intelectualmente desonestos estão procurando um jeito de associar Donald Trump ao terremoto do México; difícil mas não impossível quando se acredita em duendes ou numa divindade que gosta mais dos americanos ao norte do Rio Grande).

METEOROS FLAMEJANTES

É longa e bem documentada a história dos furacões no Caribe, Golfo do México e no sul dos Estados Unidos (para não falar nos ciclones do Meio-Oeste, onde o Mágico de Oz é regularmente refilmado na realidade).

Embora o nome venha do deus maia das tempestades, o Hurakan original, os registros começaram a ser feitos pelos colonizadores espanhóis. E haja registros.

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Um dos mais antigos trata da frustrante expedição de 1554 de Diego de Luna. Durante dois meses, os navios levando 1 500 colonizadores tentaram sair de Veracruz em direção a Pensacola, na Flórida.

Comida, cavalos e espanhóis estavam quase acabados quando conseguiram chegar e começar a construir a primeira colônia. Em questão de semanas, outro furacão destruiu tão implacavelmente a missão, devorando nove navios e centenas de vidas, que a coroa espanhola desistiu do território maldito.

Os conhecimentos práticos dos navegadores pioneiros foram aprofundados por estudiosos ingleses, movidos por espírito exploratório, interesses coloniais e métodos científicos em expansão no século 19.

Tinham as ilhas das Índias Ocidentais como explosivo laboratório para entender o caráter rotatório, progressivo e gigantesco dos cones de vento, vapor e fúria que regularmente as destruíam.

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“Pouco depois das duas horas, o rugido espantoso do furacão, que corria no sentido norte-oeste, não pode ser descrito por palavras”, anotou o coronel W. Reids, baseado em Antigua, em 1831.

“Quando os relâmpagos paravam, por alguns momentos, a escuridão em que a cidade estava mergulhada era indescritivelmente horrível. Meteoros flamejantes eram vistos caindo do céu. Um em especial, de formato globular e tom vermelho escuro, foi visto pelo autor caindo perpendicularmente de grande altura.”

O furacão do Dia do Trabalho (Primeiro de Setembro) de 1935 foi um dos mais violentos da história conhecida da Flórida. Com um detalhe até hoje lembrado num monumento modesto: entre as centenas de mortos estavam 75 veteranos da I Guerra Mundial que construíam uma ponte, numa frente de trabalho criada para ajudar os desempregados da Grande Depressão.

Naquele tempo, os furacões não tinham nome — primeiro de mulher, numa injusta associação com certos estados de espírito, depois alternados entre femininos e masculinos e, futuramente, talvez transgêneros. Se dependesse da poderosa comunidade gay de Miami, todos provavelmente seriam José, o nome do próximo que vem aí.

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A ideia de uma “revolta” da natureza contra a devastação causada pelos incontroláveis humanos faz parte do senso comum. Basta acordar de manhã e abrir a janela. Especialmente quando os desastres têm uma indiscutível associação com a erosão, o assoreamento de rios e a derrubada da camada florestal em encostas para a construção de casas precárias, todos acintes típicos de países subdesenvolvidos.

SEITA DA TERRA

James Lovelock desenvolveu a hipótese de que a Terra é um organismo auto-regulável, depois batizada com o nome da deusa grega Gaia pelo escritor William Golding, amigo dele. Também foi o mais importante pioneiro dos alertas sobre o aquecimento global.

“Bilhões de nós morreremos e os poucos casais reprodutores que restarão estarão no Ártico, único lugar onde a temperatura será suportável”, apelou em 2010, num tom catastrofista que hoje rejeita, para desgosto da parte dos ecologistas que virou seita.

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“Mudei de ideia”, diz Lovelock, invocando uma das mais importantes prerrogativas dos pensadores. Aos 98 anos, acusado de estar gagá e senil pelos gaianistas, o cientista defende a energia nuclear como fonte barata e renovável.

Numa entrevista à “Spectator”, reclamou que os ecologistas que são contra escoram-se no modelo linear non-threshold, ou sem limiar de segurança. “Os verdes dizem que não existe nível de radiação que não provoque câncer, por menor que seja. É tão idiota quanto dizer: ‘Não saia de casa porque pode ser morto por uma coisa ou outra’”, provoca o lépido velhinho.

Ou tão idiota quanto achar que os golfistas de Eagle Creek, no Oregon, que parecem desafiar o incêndio florestal ao fundo (na verdade, a mais de dois quilômetros de distância, ao contrário do que parece na foto) mereceriam ser incinerados por falta de sensibilidade diante do sofrimento da mãe Gaia.

Os incêndios florestais nos Estados Unidos, os furacões no “cinturão de vento” e o terremoto grandão no México não podem ser usados para defender hipóteses emocionalmente descompensadas ou ataques de ressentimento antitrumpista. A turma do contra também precisa apresentar ideias viáveis para reverter a indiscutível e destruidora degradação ambiental.

A ecologia é um assunto importante demais para ser deixado na mão dos ecologistas, em especial os da seita de Gaia, que tendem à irracionalidade. Todos estamos envolvidos.

Nos momentos mais extremos, uma “hurricane party”, como alguns sugeriam diante dos estoques de bebidas na Flórida, deve ser celebrada como um símbolo do que os humanos têm dito à fúria de vento e água há milênios: derruba e nós construímos de novo.

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