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Por Vilma Gryzinski
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Por que há gays que ficaram chatos? Batidão de uma nota só

Forte, rápida e bem treinada, policial do Congresso americano salvou deputados de assassino com fuzil. O que foi ressaltado sobre ela? Que é lésbica

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 20 jun 2017, 19h18 - Publicado em 19 jun 2017, 07h51

Este é um exemplo do que a “militância” faz. Mesmo que inconscientemente, reduzir uma pessoa a sua prática afetiva ou sexual,  ainda que com termos elogiosos e deslumbrados, advém da mesma raiz: homossexual é sempre definido por isso.

Crystal Griner e David Bailey, os dois agentes da polícia do Congresso que evitaram um massacre de políticos republicanos num treino de beisebol têm histórias impressionantes.

Ele, do nosso ponto de vista, até mais: é brasileiro e jamaicano, fez faculdade na Carolina do Norte e sempre quis muito trabalhar em algum órgão policial. Ela, que conseguiu manter o ritmo dos estudos e do basquete enquanto a mãe morria de câncer, também é o tipo de pessoa com foco total.

Os dois são negros, ela é lésbica. Ambos foram feridos no tiroteio, mas conseguiram reverter as vantagens táticas do atacante, James Hodgkison, que tinha uma lista de congressistas republicanos para matar: elemento surpresa, intenção de assassinar civis desarmados, armamento superior e terreno favorável.

“TEM QUEM GOSTE”

Os agentes da polícia do Capitólio, o nome da sede do Congresso, só estavam lá porque Steve Scalise, o ferido em estado mais grave, com uma bala de fuzil que estilhaçou ossos do quadril e órgãos abdominais, é o líder da maioria republicana na Câmara.

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Manchete da NBC: “Policial lésbica saudada como heroína depois de tiroteio na Virgínia”. E um vasto etc de comentários sobre a “ironia” de que Scalise, tal como o vice-presidente Mike Pence, um dos que mais elogioram os agentes, são contra o casamento gay.

Donald Trump e a mulher, Melania, ela levando buquês de flores brancas, visitaram os feridos e falaram com familiares, inclusive a mulher de Crystal Griner. Mais uma chuva de comentários tolos. A única declaração conhecida de Trump sobre homossexualidade refere-se a saber que “tem quem goste, eu não entendo”.

Não existem leis, evidentemente, obrigando alguém a entender os outros, em qualquer ponto da vasta gama de experiências humanas. Não discriminar e não ofender bastam.

Com décadas de vida no show business, Trump não deve ser exatamente jejuno no contato entre variantes sexuais. Melania foi modelo, uma atividade onde, fora as beldades, deveriam existir cotas para heterossexuais, como diriam os muito interessados em ser chatos.

SUOR FRIO

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Do lado gay, uma das maiores chatices é a militância uniforme, monocórdica, sem espaço para a infinita variedade de opiniões de héteros ou homos.

Um exemplo disso é o beijo-manifesto, aquele cujo princípio propulsor é fazer uma declaração de homossexualidade para “todo mundo” ver. Só para dar um exemplo da fraqueza do argumento: para criticar Trump, ele é caricaturado num beijo com Vladimir Putin.

Quer dizer que, por serem acusados de perseguir homossexuais – o que vale só para Putin -,  os dois devem ser mostrados num ato amoroso?

O beijo-manifesto é, também, em tudo o oposto do beijo movido por afeto, carinho, desejo, paixão ou, talvez o melhor de todos, ciúmes. (“E o suor frio me toma e o tremor me domina”, escreveu Safo, a sublime e realista poetisa da natureza do amor, sobre ver a amada prestar atenção demais na conversa de um fulano qualquer. “Estou morta – ou quase, me parece”.)

Aliás, a definição de Safo foi escrita por querer. O que há de errado em ser uma poetisa, uma sacerdotisa ou uma presidente, ainda mais nas línguas com variação de gênero, ao contrário do inglês, tolamente macaqueado?

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É claro que o beijo assumido, para “todo mundo” ver, tem encanto para os envolvidos, em especial quando vem cercado da aura de pioneirismo. Depois de muitas primeiras vezes, fica chato.

ANÁTEMA

Mais do que chato, o desejo de obrigar gays a “assumir” na marra é imoral. “Fui vítima de um atentado gravíssimo à minha vida privada”, reclamou, com razão, o político francês Florian Philippot quando uma revista o seguiu e fotografou em viagem ao exterior com o companheiro.

O diretor de outra publicação, gay, aprovou como ato que “se reveste de importância política” a saída forçada de um armário que nem trancado era. A única pessoa que tinha o direito a abrir ou fechar sua porta, o próprio Philippot, havia escolhido simplesmente não falar no assunto em público.

O pecado de Philippot, do ponto de vista dos que comemoraram sua exposição, é ser um dos principais dirigentes da Frente Nacional, o partido de Marine Le Pen. Gay de direita é um anátema inconcebível no mundo do pensamento unitário.

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É por isso que quando os bem- intencionados escrevem ou falam, com condescendência inconsciente, do “primeiro gay a ser primeiro-ministro da Irlanda”, omitem o seu partido. Leo Varadkar é do Fine Gael, liberal-conservador e democrata cristão, do tempo em que essas coisas indicavam direitismo.

“Fico feliz que um homem de cor gay seja primeiro-ministro, embora abomine sua posição política”, escreveu a professora Emer O’Toole numa das grandes matrizes desse tipo de idiotice, o Guardian.

Varadkar é filho de pai indiano. Por causa disso, ganha a repugnante designação, saída da correção política levada ao absurdo. de “homem de cor”.

É o mesmo pensamento distorcido que levou jornais americanos a publicar recentemente reportagens em que Alice Weidel, economista, ex-Goldman Sachs, casada com uma produtora suíça, dois filhos, é retratada praticamente como uma inocente útil, um fantoche  nas mãos perversas de seu partido, a Alternativa para a Alemanha, que a usa para “melhorar a imagem”.

Se ela é lésbica não pode ser de direita, muito menos de extrema direita. Só pode estar sendo manipulada, coitadinha.

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CAMISAS PARDAS

Ernest Röhm, um dos  criadores das infames Tropas de Assalto, ou SA, do Partido Nazista (nacional-socialista, ao pé da letra), não pode ter ficado pior do que era por ser homossexual assumido. Impossível piorar.

Mas, se não o fosse, dificilmente criticaria adversários como “mulheres histéricas dos dois sexos”, uma referência a gays afeminados.

Inspirador de um tipo de pensamento e de uma estética, a dos “camisas pardas”,  com um poderoso apelo gay, ele “projetava uma ordem social na qual o homossexualismo seria visto como um elevado padrão de comportamento”, segundo definiu o historiador do nazismo Louis Snyder.

Brutal e astuto, com o rosto coberto de cicatrizes de ferimentos da I Guerra Mundial, Röhm achava que poderia manipular Hitler. Hitler achava o contrário e mandou que fosse assassinado na Noite dos Punhais, o expurgo interno entre nazistas de 1934.

Cerca de 10.000 homossexuais foram mandados para os campos de extermínio depois que Hitler se consolidou no poder.

LIÇÕES DE GAY

O único traço em comum de homossexuais provavelmente é o sentimento de rejeição e discriminação, que costumam começar na família e se propagar em outras esferas. Muito menos hoje, felizmente, e muito menos ainda nos ambientes sociais onde a militância de uma nota só costuma operar.

As formas de enfrentar esse conflito são tão diferentes quanto os seres humanos. Uma delas é o desenvolvimento de uma generosidade profunda. Quem já recebeu apoio de um amigo gay numa hora de necessidade conhece o elevado significado da “missão de ajudar” dos que são dela imbuídos.

É um exemplo de solidariedade que deveria iluminar as áreas cada vez mais reduzidas das religiões cristãs onde os homossexuais ainda são considerados, intrinsecamente, pecaminosos. Sobre outras grandes religiões monoteístas, melhor nem falar agora.

Tem gays que embelezam a vida dos amigos, tem gays que embelezam as mulheres, tem gays que embelezam o mundo. Tem gays, sabe-se agora, que amam a Cuca do Sítio do Pica-Pau Amarelo. Tem gays que fazem exatamente o oposto disso tudo.

E tem os que não aguentam o pensamento reducionista, limitado, mal-humorado, desidratado, desintelectualizado. Nem ouvir lições de como ser gay e de que lado ficar do armário.

A esses, mil beijos.

Para relaxar,  pensem na festa que haverá quando Crystal Griner, com a mulher, e o brasileiro-jamaicano-americano David Bailey forem à Casa Branca receber uma medalha daquelas. Vai lacrar.

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