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O papa contra os cruzados: foi mais uma conspiração?

Intervenção de Francisco na Ordem de Malta lembra um passado glorioso que até hoje alimenta apaixonados pelo poder de sociedade secretas

Por Vilma Gryzinski 6 fev 2017, 18h11

O que seria dos teóricos da conspiracão, dos livros de Dan Brown e até dos magníficos filmes da série O Poderoso Chefão sem umas boas sociedades secretas que operam nas sombras do Vaticano e querem dominar o mundo?

Feitas as ressalvas, é preciso reconhecer: está feia a briga entre o papa Francisco e a Ordem de Malta, uma das mais antigas organizações católicas do mundo, daquelas que inspiram ironias pelo apego a tradições arcaicas e olhares cheios de suspeita dos que tendem a acreditar que “eles” estão por toda parte.

Em matéria de fonte de teorias da conspiração para a “multidão de caçadores de mistérios”, como os descreveu Umberto Eco em O Pêndulo de Foucault, a Ordem Soberana Militar de São João de Jerusalém, de Rodes e de Malta só perde para a Ordem dos Templários (embora não falte quem acredite que são exatamente a mesma coisa).

A Ordem tem um passado magnífico e um futuro duvidoso – lamentavelmente, para quem já viu alguns dos rituais antigos, perdidos na batalha de poucas glórias pela modernização da Igreja. Foi fundada em 1048, para ajudar os que faziam a peregrinação a Jerusalém.

Meio século depois, quando o mundo cristão foi abalado pelo trauma da conquista da Cidade Santa pelos guerreiros de uma fé ascendente, a ordem se tornou mais militar do que assistencial.

A luta de muitos séculos contra a expansão muçulmana, com derrotas e vitórias que mudaram a história, levou seus seguidores a recuar para Rodes, Chipre e Malta, onde chegaram a ter status soberano, como uma nação independente.

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Para entrar nela, cavaleiros da nobreza faziam os votos de pobreza, abstinência e obediência, igualzinho aos protetores da muralha de Game of Thrones. Seu dirigente é chamado até hoje de príncipe e grão-mestre, com chapéu emplumado e tudo. O traje oficial – um camisolão preto com a estrela de oito pontos bordada em branco no peito, feito sob medida para enlouquecer os conspiracionistas –, parece algo deslocado.

O refluxo do catolicismo levou a Ordem de Malta a uma humilde volta às origens de prestação de serviços benemerentes. E foi a administração de um programa de ajuda a desvalidos de Mianmar que levou ao conflito atual. Sem nenhum respeito por uma história de quase mil anos, o episódio ficou conhecido como o “caso das camisinhas”.

O motivo parece um pouco fútil. Matthew Festing, o grão-mestre inglês derrubado pelo papa, havia afastado um integrante da ordem por demorar demais para interromper o programa por incluir preservativos no pacote de ajuda.

O papa mandou investigar, Festing se recusou a colaborar e todos os corredores do Vaticano viram, por trás de tudo, um confronto entre Francisco e Raymond Burke. Ele é um cardeal americano da ala conservadora que vê nas aberturas atuais não um impulso de renovação, mas o empurrão final numa religião que troca tradições por uma fé que não existe mais.

Festing, um especialista em pinturas do século XVII, aceitou a demissão, como exige o voto de obediência, mas o Vaticano amanheceu no sábado passado com cartazes enumerando as queixas dos conservadores. Entre as quais, a falta de resposta às dúvidas levantadas pelos principais cardeais da ala. E a “decapitação” da Ordem de Malta e de uma congregação chamada Franciscanos da Imaculada, bastante presente no Brasil. “Onde está a sua misericórdia”, provocavam os cartazes, intrigantemente escritos no dialeto falado em Roma.

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Na lista de organizações secretas que querem dominar o mundo, a Ordem de Malta ocupa um lugar importante, mas longe dos Illuminati e, evidentemente, de George Soros. Mas, segundo uma definição corrente, ela não fica mal na história, uma vez que domina “a CIA, os políticos, os lobistas, os presidentes passados, presentes e futuros”.

Conspirações católicas sempre fizeram parte da guerra de propaganda com o protestantismo e ganharam fôlego inesperado na era das loucas fantasias da Internet. Numa entrevista ao jornal Independent, em 2014, Matthew Festing, o grão-mestre agora derrubado, suspirou: “Se fôssemos reagir a tudo o que lemos, ficaríamos loucos”. Caso em questão, uma reportagem da televisão Al Jazeera em que ilustrações sobre os Cavaleiros de Malta eram misturadas a avanços de tanques americanos no Iraque.

Tudo bem, é um descalabro de exagero. Mas se alguém for resumir a longa história da Ordem, certamente não poderá deixar de destacar o Cerco de Malta, a resistência praticamente milagrosa – ou, pelo menos, digna de Game of Thrones – dos cavaleiros aos otomanos de Suleimã, o Magnífico. Sob o comando da ordem, 6 100 militares e civis sobreviveram aos 48 mil combatentes a serviço do sultão. O cerco durou três meses, três dias e três horas do ano de 1565.

Para manter sua própria frota, os Cavaleiros também copiavam o inimigo muçulmano e escravizavam prisioneiros. “Nesse sentido, Malta continuou a funcionar como um verdadeiro mercado de escravos até bem entrado o século XVIII. Precisava de mil escravos apenas para operar as galés da ordem, o que era infernal para os infelizes”, anota, fielmente, a insubstituível Enciclopédia Católica, que sempre dá uma puxadinha da brasa para seu lado, mas não publica fake news.

Se o papa interferir na Ordem de Malta, mas mantiver a Enciclopédia, já será uma vitória da civilização, assolada por todo tipo de extravagâncias conspiratórias. Ou será que ele também está no complô?

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