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Por Vilma Gryzinski
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O carniceiro que vê coisas e a juíza que determina resultados

A lógica Brasil acelera rumo ao delírio nos picos de crise, mas uma constante permanece: as malas que dão dinheiro e os “suspeitos” sem aspas

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 6 set 2017, 13h12 - Publicado em 6 set 2017, 13h09

“Os únicos caminhos da investigação em que se pode pensar: um é o caminho que é e que não pode não ser, é a via da persuasão, pois acompanha a verdade; o outro, que não é e é forçoso que não seja, esse digo-te, é um caminho totalmente impensável”.

Ter nascido há mais de 2 500 anos em Eleia, na Magna Grécia, expôs Parmênides a um bocado de competição em matéria de filosofia. Mas o poupou da lógica Brasil, um sistema onde o que é pode não ser. E, principalmente, o que não é é forçoso que seja.

Alguns exemplos recentes:

1. AÇOUGUEIRO COM SEXTO SENTIDO

No Brasil, o mais conhecido personagem com poderes extra-sensoriais do momento vê o que estão pensando a advogada contratada para defendê-lo, o ex-procurador cooptado para defendê-lo e os promotores do Ministério Público que deveriam acusá-lo.

“Eu leio o pensamento das pessoas”, informa. Além decifrar cabeças, ele também sabe o que “está passando no seu coração”. No sentido figurado, claro, pois como ex-rei mundial do esquartejamento de animais, ele entende bem a diferença entre os órgãos.

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Só falta entender melhor um pouco sobre o funcionamento de gravadores.

O que pode não ser: a imaginária congregação entre as duas mulheres mais importantes da República e um poderoso ministro, à época, não tem nada a ver com sexto sentido ou leitura de mentes. Parece mais conversa de bebum.

O que é: todos os açougueiros honestos e também os criadores de gado pressionados pelo dono do monopólio a praticar preços aviltantes devem se sentir aliviados, não constrangidos por pertencer à mesma categoria.

2. JUÍZA COM RESULTADO MARCADO

Constrangedor, humilhante, horrível, revoltante. Pensem em algo repulsivo e podem acrescentar à lista de reações compreensíveis ao ver o próprio nome na boca do Safadão, em situação de conúbio sexual, colaboração criminosa ou cooptação ilegítima.

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O que não pode ser: determinar de antemão quais devem ser os resultados da “investigação imediata” encomendas à Polícia Federal e ao procurador-geral da República.

Como assim para que não fique “qualquer sombra de dúvida sobre a dignidade deste Supremo Tribunal Federal e a honorabilidade de seus integrantes”. E se a “investigação imediata” descobrir que o açougueiro, com ou sem sexto sentido, sabia muito bem com quem estava tratando?

O que é: escolados na lógica Brasil, uma grande parte da população entende perfeitamente que declarações de qualquer figura pública sobre “limpar a honra” significam o exato oposto. O fulano danou-se e está pagando advogados caros para tentar se safar.

Pior do que isso, só se declarar “à disposição das autoridades para todos os esclarecimentos”. É o mais comum equivalente a “o ordinário danou-se e nem os advogados caros vão safá-lo”.

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Políticos e altos funcionários pagam assessorias caras para escrever a mesma bobagem sem sentido, repetidamente. Ou é um impulso secreto de distribuição de renda ou uma homenagem igualmente inconsciente a Parmênides: “Não importa por onde comecei, pois para lá eu voltarei sempre”.

3. CUI BONO?

O mesmo princípio de que “toda mutação é ilusória” pode ser aplicado, com adaptações à lógica Brasil, no caso dos 51 milhões encontrados no cafofo do Geddel: da Caixa viestes e à Caixa voltarás. E quem pode garantir que não voltará a sair ilicitamente?

O que pode não ser: o dono do cafofo onde dinheiro dá em malas operava um feudo na Caixa e é muito amigo do presidente. Fatos incontestáveis. Mas em que ponto da história desapareceu a quem o lorde baiano prestava vassalagem durante o longo período que teve para fazer o “serviço” interno? Não era diante de Daenerys Targaryen que ele se ajoelhava.

O que é: estocar 51 milhões num apartamento em Salvador é mais seguro do que andar com um celular e uma nota de cinquenta em qualquer outro lugar do Brasil, onde o cidadão rapidamente pode demonstrar comportamento suspeito ao “reagir a assalto” , quase um convite à vítima da sociedade para furá-lo a bala.

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O que nos leva ao próximo item da lógica Brasil.

4. SUSPEITOS FAVORITOS

O que são dez homens armados que entram numa casa, tomam reféns e tentam fugir quando percebem que estão sendo espreitados pela polícia? Que, antes de apressadamente despachados para o nível superior, são mostrados em câmeras de segurança com fuzis à mão? Suspeitos, claro.

Quem sabe os policiais malvados armaram tudo para executar as pobres vítimas da sociedade em situação de vulnerabilidade?

Jornalistas que escrevem estas coisas evidentemente não são bobos. Em geral, consideram que assim estão respondendo à “direita” – sites, alguns programas policiais de televisão e uma considerável parcela da opinião pública – que tem predileção gozosa por cenas em que a polícia ganha e os bandidos perdem.

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O que pode não ser: pela lógica Brasil, criou-se um sistema de “meu suspeito favorito”. Por exemplo, os assaltantes armados de uma casa alto padrão no Morumbi (expressão que justifica o crime mais ainda do que “reagir” a assalto no sinal), pertencem à categoria dos inocentes por princípio.

O desgraçado que praticava abusos sexuais em ônibus, não. Foi mostrado, identificado e denunciado em todas as coberturas. Para alívio geral. Uma praga a menos.

O que pode não ser: se em algum momento ele receber o diagnóstico de desequilíbrio mental, receberá o mesmo tratamento que, por exemplo, drogados classificados como doentes? Pela lógica Brasil, passaria a ter direito a assistência multidisciplinar, com terapeuta, psiquiatra, clínico geral, equipe de juristas doutorados em Direitos Humanos. E, quem sabe, aquela banheira de hidromassagem.

O que é: como disse o açougueiro/médium, de língua enrolada estamos ferrados. A palavra, todo mundo sabe, não foi exatamente ferrados. Até que um “suspeito” vire criminoso condenado vai levar umas dez instâncias. Socorro, Parmênides.

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