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Dunquerque: o dia em que o exército do povo salvou a pátria

Transformar derrota em vitória foi apenas um dos prodígios da retirada épica, quando cidadãos comuns resgataram soldados cercados pelos nazistas

Por Vilma Gryzinski
Atualizado em 23 jul 2017, 14h18 - Publicado em 23 jul 2017, 12h07

As lições de vida não param de jorrar dos campos da morte da II Guerra Mundial. O filme de Christopher Nolan sobre o inimaginável salvamento em massa de soldados britânicos, franceses, belgas, poloneses e canadenses, de 24 de maio a 6 de junho de 1940, está trazendo a público, de novo, a história de Dunquerque.

Na vida real ou na ficção, o padrão dominante das batalhas triunfantes é o da virada de última hora. E a virada é sempre protagonizada por tropas que injetam a força já em falta entre os heróis combalidos.

Sejam a cavalaria que desponta para salvar o forte do ataque dos apaches (quando era possível esse tipo de história), os tanques do general Patton na batalha das Ardenas ou Cavaleiros do Vale que livram Jon Snow da morte certa em Game of Thrones.

A peculiariedade única da retirada de Dunquerque é que as forças do bem perderam – o que mais pode ser uma retirada? Mas a salvação de última hora foi protagonizada por cidadãos comuns, ingleses e demais britânicos que trabalhavam com pesca ou tinham pequenos barcos de lazer.

Atendendo o apelo para salvar seus compatriotas e soldados de outros países, ilhados nas praias francesas, sem ter mais para onde recuar diante do ataque militarmente imbatível da Alemanha nazista, esses cidadãos comuns fizeram muito, muito mais do que o esperado.

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Naqueles dias de maio, foram o verdadeiro exército do povo.

Valor da vida

O projeto inicial era resgatar cerca de 35 mil soldados. Civis, marinha mercante e marinha de guerra salvaram dez vezes mais: entre 330 e 340 mil homens. Também salvaram, literalmente, a pátria: a Inglaterra teve condições de resistir praticamente sozinha ao pior, que ainda estava por vir.

Se tivesse quase seu Exército inteiro rendido aos nazistas, é altamente improvável que isso acontecesse.

O espírito de resistência dos cidadãos comuns, com resultados espantosos, inspirou a força cívica que seria submetida a testes muitos mais brutais, com o bombardeio de quase um ano, na Batalha da Inglaterra.

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Os britânicos entendiam coletivamente o valor da liberdade e valorizavam a vida, própria e de seus compatriotas. E ninguém nunca entende exatamente como a vida é valorosa até que esteja disposto a arriscá-la.

Demonstraram isso na prática. A distância de 20 milhas náuticas entre Dunquerque e Dover é pequena na prática e infernal na realidade. O próprio diretor Nolan fez um trajeto num barco semelhante aos mais comuns da época. Demorou 19 horas. Sem caças-bombardeiros alemães atacando pelo ar e torpedos mortíferos cruzando as águas do canal.

Esse fato, em si extraordinário, levou a outro, igualmente sem precedentes, a transformação de uma derrota militar catastrófica num triunfo do espírito nacional.

Faca na manteiga

Só para relembrar o que havia acontecido naquele maio de 1940. França e Inglaterra já estavam em guerra com a Alemanha, desde a invasão, partilha e anexação da Polônia, menos de um ano antes. Daí a presença em massa dos britânicos, cujo exército havia sido transformado em força expedicionária.

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Em 10 de maio, a Alemanha invadiu a Bélgica, a Holanda e Luxemburgo. No mesmo dia, Winston Churchill se tornou primeiro-ministro, no lugar Neville Chamberlain, cruelmente desmentido pela realidade em suas tentativas de, primeiro, evitar uma nova guerra na Europa e, segundo, resistir ao poder nazista.

Em 12 de maio, forças alemãs já cruzavam a fronteira da França. Ao contrário do mito, o Exército francês era bem equipado.

Mas a comparação de faca na manteiga continua válida até hoje. Antes do fim do mês estava tudo acabado para os aliados, que incluíam tropas fugindo dos países ocupados e os expedicionários britânicos, canadenses e poloneses.

A interpretação mais comum da retirada de Dunquerque é que Churchill ganhou no gogó, transformou a derrota em vitória pelo poder de inspirar os britânicos a resistir, com os discursos e o exemplo de força nos momentos de maior fraqueza.

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No filme, o discurso de Churchill é lido por um dos personagens, o soldado que tenta sobreviver a todo custo e finalmente está de volta. Como a barulheira da guerra já passou, dá para entender suas palavras – ao contrário do original, pronunciado no típico jeito de falar de Churchill, incompreensível para ouvidos não criados nas castas superiores.

Leitores irados

O trecho mais conhecido, de um conjunto tão espetacular que é difícil separá-lo em pedaços: “Iremos até o fim. Vamos lutar na França, vamos lutar nos mares e oceanos, vamos lutar com força cada vez maior e confiança cada vez maior no ar, vamos defender nossa ilha, qualquer que seja o custo.”

“Vamos lutar nas praias, vamos lutar nos pontos de desembarque, vamos lutar nos campos e nas ruas, vamos lutar nas montanhas, e jamais nos renderemos”.

Perdedores não falam assim – embora ele próprio tenha enfatizado que “não se ganha guerra com retiradas”

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O papel de Churchill, a maior personalidade política dentre os gigantes, para o bem e para o mal, do século 20, não pode ser subestimado. Mas o espírito de resistência da população continua a ser o fator prevalecente.

Por que os britânicos resistiram e os franceses se desmancharam em terra, mar e ar? Esta pergunta continua a ser feita até hoje, sem implicar em nenhum demérito para a bravura dos combatentes franceses que, entrincheirados nos pequenos vilarejos do litoral, enfrentaram sem nenhuma esperança o avanço dos alemães.

Emburrados com a ausência desse capítulo, alguns críticos de cinema franceses – uma vasta espécie – franceses estão reclamando que o filme de Christopher Nolan só mostra as desventuras e o heroísmo dos britânicos .

Façam seus próprios filmes e contem suas histórias, comentam leitores ingleses irados. Existem, evidentemente, muitos filmes franceses ambientados na II Guerra, alguns excelentes. Nenhum deles épico, por motivos óbvios.

As epopeias pertencem aos que vencem. Ou aos que, derrotados, viram o jogo com base nos princípios mais fundamentais pelos quais vale a pena lutar. Vida, liberdade, independência. E, apesar de tão fora de moda, honra.

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