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Burkas queimadas e burquínis proibidos: a roupa como política

Por causa de radicalização islâmica, trajes femininos há muito deixaram de ser apenas expressão religiosa

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 5 dez 2016, 11h20 - Publicado em 13 ago 2016, 15h05
A praia está fervendo: proibição de roupa de banho para muçulmanas mostra o nível de tensão na França depois de atentados

A praia está fervendo: proibição de roupa de banho para muçulmanas mostra o nível de tensão na França depois de atentados

No auge do verão, Cannes é uma cidade de praia que pode ficar tão cheia, tão cara,  tão quente e, depois dos atentados terroristas recentes, tão temerosa que mexe com a cabeça das pessoas. Como no caso do prefeito David Lisnard, por exemplo.

Depois de proibir mochilas e outros volumes grandes na praia, uma atitude compreensível depois do ataque em Nice, quando um islamista recém-convertido à barbárie trucidou 85 pessoas, o prefeito entrou no ramo do incompreensível.

Lisnard baixou um decreto municipal em que proíbe o acesso às praias a quem não usar “trajes  corretos, que respeitem os bons costumes e a laicidade, as regras de higiene e de segurança”. Em outras palavras, proibiu o burquíni.

Essa roupa de banho foi inventada por uma australiana para facilitar a vida das muçulmanas tradicionais que querem ir à praia sem mostrar nada do corpo. Muitos brasileiros viram algo parecido quando Karman Abuljadayel, da Arábia Saudita, disputou a corrida de  100 metros na Olimpíada. Uma calça de tecido elástico, como se fosse uma legging mais larga; blusa de mangas compridas (no caso do burquíni, uma túnica acima do joelho)  e touca que cobre cabeça e pescoço.

Na própria Arábia Saudita, essa imagem tão comportada não pode ser mostrada. Em público e na presença de homens que não sejam da família, os contornos dos corpos femininos precisam ser escondidos debaixo de um mato preto usado sobre uma túnica longa.

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Cobrir os cabelos não basta, é preciso esconder o rosto todo sob véus negros. Muitas mulheres também usam luvas. Durante a primeira Guerra do Golfo, quando americanos e outros estrangeiros se surpreenderam com as mulheres totalmente cobertas, começaram a usar uma expressão irônica, moving black objects, ou objetos negros que andam.

Os nomes das vestimentas tradicionais variam muito, mas a palavra burka como sinônimo se propalou, especialmente depois da invasão do Afeganistão, onde os fanáticos do talibã impunham a mortalha completa a todas as mulheres.

Hoje, o Estado Islâmico, que é uma espécie de talibã antenado com a modernidade digital, também exige rigidez absoluta nos trajes femininos nas áreas da Síria e do Iraque sob seu controle. Existem patrulhas, compostas por mulheres, que fiscalizam até a espessura dos tecidos usados, para ver se não deixam a mais remota transparência insinuar algo proibido.

As mesmas patrulhas aplicam penas de chibatadas e outras torturas em mulheres consideradas negligentes nos trajes. Umas das cenas mais comoventes dessa guerra da burka aconteceu há alguns dias, quando forças rebeldes recuperaram uma cidade síria, Manjib, que passou dois anos em poder do Estado Islâmico.

Mulheres queimaram os camisolões pretos que eram obrigadas a usar. Uma senhora idosa foi fotografada num ato libertador: acendeu um cigarro e deu umas belas tragadas- fumar também era punido com chibatadas, para homens e mulheres.

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O uso do véu ou da burka em países europeus, até há pouco mais de uma década, parecia em declínio natural. Imigrantes de primeira geração mantinham os costumes tradicionais, suas filhas os seguiam apenas quando na presença dos pais, as netas nem pensavam mais nisso. O renascimento do Islã politizado mudou tudo.

Tanto pela influência dos pregadores religiosos que a Arábia Saudita espalhou pelas mesquitas que construiu mundo afora quanto de outras correntes muçulmanas politizadas, os trajes femininos tradicionais também renasceram. Hoje, um véu na cabeça pode ser uma declaração política.

Por isso, a iniciativa da prefeitura de Cannes, tem sim uma lógica interna – mesmo que, do ponto de vista legal, não resista a dois segundos num tribunal de justiça. Um assessor do prefeito disse que o burquíni é “um uniforme, um sinal ostensivo de adesão a um movimento que nos combate, o jihadismo”. Seu uso poderia provocar distúrbios públicos num momento em que “a França e lugares de culto são alvos de ataques terroristas”’.

Dissemos que o argumento não resistiria num tribunal? Errado. O caso já foi levado, em primeira instância, a um juiz de Nice, que manteve a proibição. Diante do estado de emergência em vigor e do morticínio em Nice, “o uso de vestimenta distintiva, que não seja o traje de banho habitual, pode ser realmente interpretado como não sendo um simples sinal de religiosidade”.

No país que inventou o biquíni, o burquíni continua, por enquanto, proibido. A conta pode ser cobrada dos fanáticos islâmicos. Se não fossem, não apenas os atentados, mas o ódio e a divisão cultivados por muitos muçulmanos com cidadania francesa e rejeição total ao país onde vivem, as mulheres poderiam perfeitamente continuar a usar armaduras de pano onde quisessem. Pelas regras do estado laico, normalmente são é proibido esconder o próprio rosto sob um pano negro.

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O próximo passo, naturalmente, será uma manifestação na Sorbonne onde todas as mulheres usarão véus para protestar contra a terrível violação dos direitos humanos e femininos. Será que o protesto vai coincidir com a marcha dos muçulmanos em defesa da religião católica, brutalmente atingida pelo ataque ao padre degolado na altar da igreja de Saint-Étienne-du-Rouvray? Talvez tenhamos que esperar um pouco.

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