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‘O Circo da Noite’, a promessa juvenil que não se realiza

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Por Simone Costa
Atualizado em 13 ago 2018, 21h28 - Publicado em 28 abr 2012, 09h29

Celia tinha cinco anos de idade quando foi enviada ao pai Hector Bowen junto com um bilhete de suicído de sua mãe. Hector viajava o mundo todo se apresentando como Próspero, o Mágico, mas não era magia o que ele praticava. Ele tinha poderes sobrenaturais e fazia de tudo para que seu público pensasse que não passava de ilusionismo. Em pouco tempo, Hector percebeu que a filha tinha os mesmos poderes. Ela conseguia destruir um relógio e, logo em seguida, fazê-lo voltar a funcionar só com a força do pensamento. Para desenvolver suas habilidades, Hector fazia coisas inimagináveis: cortava as pontas dos dedos da garota uma a uma até que ela fosse capaz de curar as dez de uma só vez. Os poderes de Celia levaram Hector a propor um desafio a um antigo rival, Alexander H., um homem misterioso que sempre surgia trajando um terno cinza. Alexander treinaria alguém para o duelo que acontece em O Circo da Noite (tradução de Claudio Carina, Intrínseca, 368 páginas, 34,90 reais na versão impressa e 19,90 reais na versão e-book), livro de estreia da artista multimídia americana Erin Morgenstern.

Foi em Londres do final do século XIX que Alexander escolheu um pupilo a ser moldado para o confronto. Marco, o eleito, vivia num orfanato e saiu de lá com o homem de terno cinza sem saber o que lhe aconteceria. Anos mais tarde, Marco e Celia se encontrariam no Cirque des Rêves (Circo dos Sonhos) para o tão esperado jogo. O circo foi montado por um grupo liderado pelo excêntrico Chandresh Lefèvre, mas nem ele nem a maioria dos responsáveis por idealizar o palco daquela disputa sabiam do que se tratava. Mas aquele não era um circo comum. Era formado por várias tendas, como a Labirinto de Nuvens ou a Jardim de Gelo, que ofereciam experiências sensoriais aos visitantes. A construção dessas tendas e toda a engrenagem do circo eram obras de Celia e Marco e faziam parte do desafio. “Como você impede que todos envelheçam? – pergunta Celia depois de um tempo. – Com muito cuidado – responde Marco. – E eles estão envelhecendo, só que muito lentamente.”

O resumo da história é simples: o circo percorre muitos lugares e Marco e Celia se apaixonam, dificultando o jogo. Os contendores não conhecem as regras da disputa, tampouco o leitor. Aparece uma tenda aqui, outra acolá, mas não ocorre um embate verdadeiro entre os dois. Ao final da história, o jogo termina sem que o leitor tenha se dado conta de como os movimentos dos adversários influíram no duelo. Aí, o leitor ainda é apresentado a Bailey, um garoto de Massachusetts que não pertence ao circo, mas está envolvido no desfecho da história. Sua participação, quase sempre narrada num tempo futuro, também é algo obscuro e difícil de relacionar com o principal do romance, que é o jogo.

Em uma entrevista, Erin Morgenstern disse que escreve a partir de imagens que vislumbra. “Pego pedaços e os coloco juntos. Escrever é quase como fazer uma colagem.” A sensação de percorrer O Circo da Noite é exatamente a de estar lendo partes de uma história, já que o texto tem inúmeros capítulos pequenos, escritos em parágrafos curtos que mais descrevem os ambientes do que encadeiam uma narrativa. Trechos como este recheiam a obra: “Velas de diferentes cores e formatos em candelabros de prata, queimando em conjuntos de três, rodeiam a mesa no centro do recinto. Sobre a mesa há uma xícara de chá que esfria devagar, um cachecol parcialmente emaranhado numa bola de algodão carmesin”. A exposição minuciosa do cenário não é ruim, pelo contrário, leva o leitor a imaginar cheiros, texturas e a ordenação dos objetos, mas essa capacidade descritiva não se reflete no enredo. O livro começa como se prometesse alguma ação e muita emoção, mas isso não acontece.

O Circo da Noite foi apresentado na Feira do Livro de Frankfurt, em outubro de 2010, e gerou um certo bochicho. O livro só seria lançado em setembro do ano seguinte, mas bem antes disso, em janeiro de 2011, a Summit Entertainment, a produtora da saga Crepúsculo, se adiantou e comprou os direitos de adaptar a obra, hoje publicada em 30 países. A crítica internacional chegou a dizer que O Circo da Noite poderia encantar os órfãos de Harry Potter e de Crepúsculo (vale lembrar que a autora já disse que não escreverá uma continuação para a história), mas é difícil equiparar o livro de Erin Morgenstern com esses dois fenômenos editoriais. Especialmente, com Harry Potter, que tem de fato alguma qualidade literária.

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Se Erin abusa da criação de poderes sobrenaturais para seus personagens, seguindo a onda deflagrada pela americana Stephenie Meyer em Crepúsculo, não consegue fazer de Celia e Marco personagens capazes de mesmerizar os adolescentes. Crepúsculo não fez sucesso por sua qualidade, mas por ter conquistado o público juvenil com seu romance gótico entre Bella, a moça determinada mas inocente que se apaixona por Edward, um vampiro meio mórbido, porém bonito e amável. Celia e Marco, ao contrário, não têm características marcantes, já que a autora trata muito mais do funcionamento do circo que de seus protagonistas. Só depois de mais de metade do livro é que eles se aproximam e, por mais que o leitor pressinta que isso vá ocorrer, a situação é um tanto quanto abrupta e sem graça, pois o casal interage poucas vezes antes desse momento. E, depois dele, os encontros entre os dois continuam escassos e carentes de uma boa pitada de paixão.

O livro se compara menos ainda à série Harry Potter, da inglesa J.K. Rowling. O Circo da Noite está o tempo todo com o pé no acelerador. Pode-se afirmar que os personagens de Rowling são unidimensionais, mas ela, no entanto, é uma grande argumentista. Já Morgenstern não consegue construir um enredo para o cenário que criou. O máximo de ação que se vê no livro são personagens percorrendo as tendas do circo e se deparando com “criaturas feitas de papel”. “Sinuosas serpentes brancas com suas línguas negras faiscantes.” À falta de uma boa história, soma-se uma maneira simplória de descrever emoções. É comum alguém que “franze a testa” ou “faz uma careta”. Há ainda frases desengonçadas como “Acima deles, o relógio continua a virar suas páginas, desenrolando histórias pequenas demais para serem escritas”. Um crítico americano chegou a afirmar que O Circo da Noite é “um Romeu e Julieta envolto em magia” – o que deve ter feito Shakespeare revirar na tumba- e, de um modo geral, todos foram bastante condescendentes com Erin Morgenstern. Resta saber se o livro lhe renderá um séquito de fãs.

Até aqui, semanas depois de lançado, ele não decolou no país. Não aparece nem entre os vinte mais vendidos.

 

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