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Covid-19, ansiedade e obesidade: pandemias que confirmam as desigualdades

A estreita relação entre as três doenças

Por Antonio Carlos do Nascimento
Atualizado em 9 jun 2020, 12h38 - Publicado em 9 jun 2020, 12h22

O fator transformador de todo cotidiano mundial é a perspectiva do acometimento viral que se espalha com velocidade. Muito embora (aparentemente) destine raramente à morte, quando o faz é com extrema arrogância em seu modus operandi assustador. A perspectiva de estar às portas da inexistência veste de desimportância todos os itens que não envolvam a sobrevivência imediata, qualidade humana que pode fisiologicamente ser exemplificada na resposta de fuga ou luta desencadeada pelo perigo iminente.

Da ameaça viral mantida decorre um estado de alteração psíquica generalizada, uma gravíssima “pandemia de ansiedade” (ainda que não tenha recebido tal nominação pela OMS) e angústia. Se fôssemos impor um adjetivo para ela, caberia democrática, pois alcançou todos os escalões sociais em um só solavanco. O novo coronavírus, ainda que seja agraciado com o mesmo termo, está longe de portar este predicado, pois, se por um lado cruzou fronteiras nas vias respiratórias de executivos e turistas, encontrou facilitação em sua disseminação nas pequenas residências abrigando grande número de pessoas, na falta de saneamento básico e nos deficitários sistemas de mobilidade humana comumente superlotados.

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A resultante orgânica da ansiedade é a ocorrência de altos níveis sanguíneos de cortisol, corticoide produzido fisiologicamente por nossas glândulas adrenais perante o stress enquanto este permanecer. Se por um lado este hormônio prepara o organismo para situações nas quais tenhamos que decidir entre fugir ou lutar (no que envolverá também a adrenalina), por outro, suas elevadas concentrações a longo prazo geram fragilizações orgânicas, notadamente debilitação do sistema imunológico e uma sequência de eventos que resulta em maior ingesta alimentar e ganho ponderal.

Por sua vez, a obesidade é a condição facilitadora mais importante para a ocorrência de diabetes tipo 2 e hipertensão arterial, enquanto esta tríade suscetibiliza organismos a males de toda natureza, seja isoladamente ou agregadas. Esta verdade é realçada nos desenlaces clínicos dos pacientes com a Covid-19, muito piores para os portadores destas enfermidades. Classificada como pandemia pela OMS, a obesidade ocorre difusamente pelo planeta e a passos largos vem se tornando o maior problema de saúde pública mundial.

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Bem acima da linha da pobreza, são vistos inúmeros aspectos positivos provenientes das imposições ditadas pela pandemia da Covid-19 e quando à baia emerge o convívio familiar muitas são as vertentes em pauta. Antigos valores que flertavam com a extinção ressuscitaram, permitindo deleites de filhos com a atenção presencial dos pais, dotes culinários foram revistos por maridos e esposas, família à mesa em um só tempo e conversas incríveis que só se tornaram possíveis pela imposição do confinamento.

Se nesse grupo social a defesa contra o vírus pode trazer saudáveis e administráveis contextos gastronômicos com adicional alinhamento familiar, não se pode dizer o mesmo das resultantes da ansiedade geradas pelo estado de insegurança que se adensa dia após dia para esse mesmo nicho. Então a métrica comportamental contentora do equilíbrio se desleixa à medida que várias perdas materiais deixam de ser perspectivas e se concretizam. Assim sendo, fugir ou lutar passam a ser possibilidades perenes e comer demasiadamente (entre tantos equívocos), dando pouca importância aos cuidados mínimos com a saúde, se torna comportamento habitual.

Pior será o balanço da metade menos favorecida de nossa população, aquela que detém aproximadamente um por cento da renda nacional. Por aqui estão os lares com maior densidade humana por metro quadrado, conquanto também possam estar mais próximos de seus entes queridos (que neste caso já constitui aumento dos riscos de transmissão viral), habitam locais mais propensos à falta de saneamento básico, o que deixa de proporcionar recursos mínimos de higiene para conter a disseminação desta e de outras doenças infectocontagiosas.

Esses condescendentes brasileiros não são poupados da Pandemia de Ansiedade (e suas inúmeras possíveis ampliações), que lhes alcança muito mais pelo temor da fome que da Covid-19, e menos ainda pela preocupação financeira, já que não se perde o que não se tem. Se defenderão, enquanto podem, com carboidratos e gorduras de baixa qualidade, tornando-se uma fonte ainda mais generosa de obesos. Mas, aqui, esta castigada fração de nosso contingente populacional nunca esteve a mercê de suas próprias forças, restando à sorte das políticas de saúde pública, que ao menos para a pandêmica obesidade agem entregando a culpa e solução aos portadores dessa moléstia.

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Sob o nefasto discurso de tantos interesses que anota o tratamento clínico (ou cirúrgico) da obesidade como prejudicial e perigoso, seguem perpetuadas as bilionárias indústrias das próteses, stents arteriais, medicamentos antidiabéticos, anti-hipertensivos, anti-inflamatórios, antidepressivos e tudo que orbita nestas paragens. Este movimento transvestido de (falsas) boas intenções possui claro viés econômico e contempla todas as classes sociais, mas não entrega igualitariamente as mesmas ferramentas para contestá-lo, o que faz que o cordão dessa pandemia seja mais frequentado pelos pobres.

A Covid-19 e seus temores geram um universo paralelo de calamitosa ansiedade. Os dois flagelos encontram na obesidade suas vítimas ou seu destino, enquanto impõem democraticamente o custo de nossas desigualdades.

*pandemia: Enfermidade que afeta simultaneamente uma grande quantidade de indivíduos, na mesma localidade ou numa grande quantidade de nações; enorme epidemia ou surto.

(Ricardo Matsukawa/VEJA.com)
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