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Por Coluna
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Stranger Things

Um mundo sem celular, Google e rede social: o segredo da série é fazer você viver uma infância que não existe mais

Por Isabela Boscov Atualizado em 16 jan 2017, 16h24 - Publicado em 27 jul 2016, 04h18

Atenção. Pessoas mais sensíveis podem achar que contém Spoilers


No começo, eu estava me divertindo como criança caçando os ovos do coelhinho na Páscoa; para quem atravessou os anos 70 e 80, Stranger Things é uma cesta cheia de easter eggs: não tem fim a lista de referências de que os irmãos Matt e Ross Duffer se aproveitam nesta série produzida pelo Netflix. Aliás, a primeira delas é justamente a escalação de Winona Ryder, que foi a “it girl” da década, e a participação de Matthew Modine, outro nome importante da safra.

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Depois, a trilha sonora é que começou a bater: a música-tema e a trilha incidental, bárbaras, com aqueles sintetizadores de filme do John Carpenter. Should I Stay or Should I Go, do Clash, tem uma função importante na trama. Atmosphere, do Joy Division, em uma cena que sem música já seria de cortar o coração? Me ganhou. (Por outro lado, é imperdoável a versão de Peter Gabriel para Heroes, de David Bowie, mas foi a única bola-fora da seleção musical.)

Lá pelo quarto episódio, porém, veio uma mudança decisiva: tudo com que Stranger Things vinha acenando nesse início de repente se condensou em algo bem mais sólido do que uma recriação retrô, e maior do que a soma das suas boas partes. De mansinho, os irmãos Duffer foram passando dessa nostalgia pelas coisas para um outro tipo de nostalgia, que cala mais fundo.

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Primeiro, a nostalgia por um mundo tão próximo e cada vez mais distante: um mundo sem celular, sem Google, sem rede social, sem WhatsApp, sem Waze e sem WikiLeaks, no qual os segredos podem permanecer assim, secretos – e no qual os telefones têm de ser plugados na tomada, as pessoas ficam sem notícias umas das outras durante horas a fio (ou até dias!), têm de consultar um mapa (de papel) para chegar num lugar que não conhecem, e no qual a criançada não joga online, cada um em sua casa, e sim se junta no porão para brincar de Dungeons & Dragons – ou pega suas bicicletas e sai para a rua, sem supervisão dos pais. Em Stranger Things, a cidadezinha de Hawkins, Indiana, em 1983, é uma espécie de parque temático da infância perdida. Quem experimentou essa liberdade e essa impressão de que o mundo é grande e cheio de aventuras morre de saudade; quem nunca viveu isso vai se sentir em um lugar meio mágico.

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Segundo, os irmãos Duffer conseguem evocar uma saudade sentida e genuína das amizades profundas da infância, daquela lealdade a toda prova, da sensação de que, sem seu amigo, falta um pedaço em você. O mistério sobrenatural da série? Bacaninha. Essa onda de sentimento que invadiu a história? É dela que, tendo visto os oito episódios inaugurais, vou sentir mais falta até a segunda temporada estrear.

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Irmãos Duffer, muito prazer: confesso que nunca tinha ouvido falar em vocês. Fui pesquisar e encontrei no currículo desses gêmeos de 32 anos uma meia-dúzia de curtas, uma breve contribuição aos roteiros da série Wayward Pines (que é produzida por M. Night Shyamalan e eu não vi) e uma estreia na direção no ano passado com o longa Hidden, com Alexander Skarsgard (quero ver mas está difícil de achar).


Outras coisas que eu já sei sobre os Irmãos Duffer:


Eles são tão espertos que fizeram três séries em uma (ou três filmes em uma série, ao seu gosto).

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Garoto dá tchau para os amigos, pega a bicicleta e então some misteriosamente; o sumiço parece ter algo a ver com as coisas sigilosas que acontecem dentro do edifício ultra-guardado de um certo Laboratório de Energia próximo à cidadezinha de Hawkins. Um filme de uma hora e meia ou duas teria de se ocupar a) de como a mãe do menino insiste em afirmar que ele está vivo e o procura sem descanso, embora todos achem que, coitada, ela ficou louca; b) de como o xerife meio preguiçoso primeiro reage com ceticismo às afirmações da mãe, mas então começa a pegar uma pista aqui, outra ali de que há mesmo coisas estranhas acontecendo, e fica ele próprio obcecado em desvendar o mistério; c) de como os melhores amigos do garoto desaparecido põem na cabeça de que é missão deles localizá-lo porque, afinal, melhores amigos nunca abandonam uns aos outros – e se envolvem em perigos muito maiores do que três pré-adolescentes deveriam ter de enfrentar. Com mais de seis horas líquidas de narrativa, porém, os irmãos Duffer podem fazer esses três “filmes” ao mesmo tempo, entrelaçando-os de maneira a acentuar as curvas da história. O resultado: o mais longo filme de verão dos anos 80 já produzido.


Eles são sentimentais.

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Winona Ryder é o primeiro nome do elenco e, em tese, a protagonista: é a mãe que não desiste de forma nenhuma de encontrar seu filho caçula e não está nem aí se julgam que ela é doida quando diz que ele está se comunicando com o menino por meio das lâmpadas da casa. Só que Winona é, também, a atriz mais fraca entre o elenco principal. Ela leva um baile nas cenas com David Harbour, que faz o xerife da cidadezinha. Mas imagino que os irmãos Duffer tenham se apaixonado por Winona vendo Os Fantasmas se Divertem, Atração Mortal e Edward Mãos-de-Tesoura. E com paixão não tem conversa.

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Eles viram todo o cinema (e a TV) dos anos 80.

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Acho que não escapou nada aos irmãos, mas arrisco dizer que entre as coisas favoritas deles estão as adaptações de Stephen King (especialmente Conta Comigo e Colheita Maldita), tudo que John Carpenter já fez (com destaque para as trilhas dele e para Halloween e O Enigma de Outro Mundo), os filmes de Steven Spielberg (E.T. – O Extraterrestre e Contatos Imediatos do Terceiro Grau certamente encabeçam a lista), Gatinhas e Gatões e todas as comédias adolescentes de John Hughes (que são mesmo essenciais à vida neste planeta) – e por aí vai, numa lista que inclui de tudo, de It, Tron, Poltergeist e Goonies a Labirinto e A Testemunha.


Eles gostam de Guillermo del Toro e assistiram a Corrente do Mal.

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A primeira parte da afirmação não é hipótese: os irmãos Duffer foram procurar o mesmo ateliê de efeitos visuais que costuma trabalhar com Del Toro, a Spectral Motion. Repare como o monstro que raptou Will (e que vai sendo mostrado beeeeeem aos poucos, como em Tubarão) lembra algumas das criaturas de Hellboy e O Labirinto do Fauno. A segunda afirmação é suposição minha, mas eu apostaria as moedinhas perdidas aqui em casa nela: é verdade que Corrente do Mal se inspira muito no cinema de John Carpenter, mas Stranger Things, em certos planos mais longos e estruturados, em que o tempo parece estar suspenso, dá pistas de se inspirar no original e também na releitura.


Eles têm um talento instintivo para escolher crianças.

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Não me encantei de cara com os amigos de Will (Noah Schnapp), o menino desaparecido. Achei Mike (Finn Wolfhard), Dustin (Gaten Matarazzo) e Lucas (Caleb McLaughlin) um pouco estridentes no início, e me pareceu que a maneira como os personagens eram escritos (o sensível, o espertinho e o encrenqueiro) não lhes estavam fazendo grandes favores. Mas, assim que a história começou a ganhar corpo e eles puderam se alargar nos personagens, minha impressão se transformou completamente: não só eles foram os três muito bem escolhidos, como Millie Bobby Brown, que se junta ao grupo, me deixou sem chão: que baita atriz. No papel de Eleven, a menina de cabeça raspada que Mike esconde em casa e que é a chave para o mistério da trama, Millie sabe coisas sobe atuar que bons atores que estão há décadas na profissão nunca vão saber. Se é para fazer referência aos anos 80, aqui vai a minha: ver Millie Bobby Brown em cena é como ver pela primeira vez Christian Bale, aos 13 anos, em Império do Sol.


E eles também não fazem feio com os adolescentes.

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O triângulo romântico que tem seu vértice em Nancy (Natalia Dyer), a irmã mais velha de Mike, também começa meio rotineiro: garota certinha e estudiosa é tratada como um troféu pelo bonitão (e galinha) Steve (Joe Keery), mas tem uma quedinha pelo pária da escola, Jonathan (Charlie Heaton), o irmão mais velho do sumido Will. Mas, ponto positivo: ninnguém é lindo demais, e todo mundo tem cara de gente de verdade. E, da mesma forma que nos filmes adolescentes de John Hughes, porém, esse arranjo entre os três vai ganhando tonalidades diferentes. No final, o que se trata aqui é de algo bem mais sério do que escolher entre este ou aquele namorado: o que está em jogo é que tipo de pessoas Nancy, Jonathan e Steve querem se tornar. Dito isto, eu, se fosse ela, ficava com Jonathan, que tem um gosto musical muito bom – ou pelo menos igualzinho ao meu.

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