No Facebook, comentando a gafe do Oscar, alguém descreveu Faye Dunaway, a apresentadora do prêmio errado, como “aquela senhora simpática”. De fato, Faye, de 76 anos, há muito tempo só faz um filme para TV ou outro, e não é de estranhar que alguém mais jovem não saiba que ela foi uma das atrizes mais incandescentes do final dos anos 60 e anos 70, e que estava lá no palco do Oscar com Warren Beatty porque fez dupla com ele no explosivo Bonnie e Clyde, de 1968. O que é de estranhar é que gente menos jovem também teria sérias dúvidas sobre quem ela é: de década em década, foi ficando mais difícil reconhecer Faye, tal a intensidade com que as plásticas foram modificando sua fisionomia (que era linda, marcante e cheia de personalidade). Ora, atrizes – e não só elas – fazem plástica mesmo, e recorrem a Botox, preenchimento, fios de ouro e o que mais venham a inventar, porque a aparência conta muito na profissão, e porque fazer o que quiser consigo é um direito indiscutível da cidadã e do cidadão.
Mas será que a aparência conta exatamente nesse sentido que atrizes como Faye dão a ela, o de uma juventude (supostamente) prolongada? Pense em Meryl Streep (67 anos), Annette Bening (58), Isabelle Huppert (63), Helen Mirren (71), Julianne Moore (56), Sigourney Weaver (67), Charlotte Rampling (71). É provável que elas recorram a procedimentos também, para suavizar os sinais mais fortes da idade. Mas todas têm a preocupação de nunca alterar sua fisionomia: muito mais do que a aparência de juventude, a identidade e a expressividade é que são o verdadeiro patrimônio de uma atriz ou um ator. Não falta emprego a essas atrizes que citei – porque são excelentes atrizes e porque acharam o equilíbrio de parecerem joviais e confortáveis na idade que têm, sem tentar negá-la. (Outras tantas atrizes, como Maggie Smith (82), Judi Dench (82) e Vanessa Redgrave (80), foram em frente sem plástica nenhuma, e também não lhes faltou trabalho.)
Eu já andava pensando nesse assunto por causa de Faye Dunaway, e aí assisti a Versões de um Crime, que está em cartaz nos cinemas, com Keanu Reeves e uma atriz loira, simpática, dos seus 40 anos, que eu não conhecia. O filme é fraquinho: Keanu faz um advogado da Louisiana que tem de defender um rapaz de 17 anos da acusação de ter matado o pai. O menino se recusa a colaborar com sua própria defesa, e a mãe dele – a atriz desconhecida – fica acompanhando o julgamento, aflita, e às vezes tem umas conversas bem cheias de intimidade com o advogado. Dá para ver de longe para onde a história vai indo. Mas o ponto é que, a certa altura, a moça fez uma expressão que me pareceu super familiar, e me dei conta: a atriz simpática que eu nunca tinha visto era Renée Zellweger, que eu vi em dezenas de filmes na vida desde que ela estourou, em 1996, com Jerry Maguire. (Não vi o recente O Bebê de Bridget Jones – nem eu nem ninguém, ao que parece.) É um choque essa sensação, de achar que não se tem memória de uma pessoa que se acompanhou durante tanto tempo. E, para a atriz ou o ator, equivale a jogar fora um relacionamento que se construiu pacientemente com o espectador, ano após ano, filme após filme.
Uns três anos atrás, foi feia e agressiva a reação à mudança drástica de Renée na sua aparência (só para constar: ela nega que tenha feito plástica). Não quero ir por aí; ela há de ter suas razões. Mas, ao afinar o rosto, acentuar os malares e arregalar os olhos, tirando das pálpebras aquela dobrinha charmosa herdada dos antepassados noruegueses e finlandeses, Renée objetivamente deixou de se parecer consigo mesma. E, embora atores por definição sejam pessoas capazes de nos convencer de que são alguém diferente, a base da qual eles partem – a sua personalidade e a fisionomia através da qual ela se expressa – é um componente indispensável dessa alquimia. É excitante descobrir um ator novo e se deixar arrebatar por ele. E é um gesto de afeto e de fidelidade acompanhar esse mesmo ator ao longo dos anos, atravessando junto com ele as fases da vida e da carreira, tanto as boas como as mais difíceis, e ir acumulando as marcas da idade junto com ele.
Algum tempo atrás, a Entertainment Weekly apurou um quadro triste, em uma reportagem feita junto a cineastas e recrutadores de elenco: atores e atrizes (o fenômeno é mais frequente entre mulheres, mas acomete também os homens) que exageram nas intervenções não conquistam mais oportunidades de trabalho. Pelo contrário: perdem-nas com maior frequência e rapidez e encurtam sua carreira, porque perdem esse laço de familiaridade com o público – e porque este rejeita alterações que lhe pareçam caricaturais. E, quanto mais precoce a idade em que as intervenções começam a acontecer, mais desastroso pode ser o efeito profissional delas (pense em quanto tempo faz que você não vê Meg Ryan, por exemplo, em um filme). Não deve ser fácil viver sob a pressão de parecer jovem. Mas é duplamente desolador que perseguir a longevidade pode ser a maneira mais fácil de perdê-la.