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Por Coluna
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Oscar 2017: Toni Erdmann

Cannes se apaixonou por essa tragicomédia alemã. Até demais

Por Isabela Boscov Atualizado em 9 fev 2017, 03h23 - Publicado em 9 fev 2017, 03h22

Embora tenha saído de Cannes sem nenhum prêmio, Toni Erdmann foi a sensação da última edição do festival. A crítica derreteu com a tragicomédia da alemã Maren Ade (que agora concorre ao Oscar de produção estrangeira), e os adjetivos foram de “sensacional” para cima. Fico um pouco confusa com tanto amor. Toni Erdmann tem qualidades inegáveis – começando pela excelência dos seus atores principais –, mas acho que entrou um componente externo nessa paixão: a crença meio lúdica (ou fantasiosa mesmo) nos supostos poderes de redenção e libertação da espontaneidade.

Toni Erdmann
(Divulgação)

O sessentão Winfried Conradi (Peter Simonischek) é um ator fracassado, professor de música e autoproclamado “espírito livre” – um desses sujeitos que ficaram extraviados na década de 60. Todo mundo o tolera, e ninguém o leva a sério. Para mim, Winfried não parece nada feliz nem satisfeito consigo mesmo; se ser “autêntico” é uma receita para viver bem, no caso dele o cozinheiro perdeu a mão. Dá para ler no rosto da ex-mulher que ela não entende como um dia ela pode ter achado que eles tinham algo em comum. No começo do filme, Winfried perde seu cachorro. Também a mãe dele está bem velhinha. Ideias de mortalidade, portanto, estão rondando Winfried, e talvez venha daí seu desejo voraz de se reconectar com a filha, para quem ele foi um pai distante. Ines Conradi (Sandra Hüller) está lá pela metade dos 30 anos e é o oposto dos pais: não é uma intelectual polida como a mãe, nem muito menos é sonhadora como o pai. É, isso sim, candidata a tubarão corporativo: uma estrategista de recursos humanos super eficiente e patologicamente dedicada ao trabalho que está no meio de uma negociação que pode ser crucial para sua carreira. Ines está morando em Bucareste, na Romênia, que está fazendo de tudo para achar seu lugar no mercado global (mas sua ambição é ser transferida para a China, que já achou seu lugar faz tempo). E é em Bucareste, então, que Winfried inesperadamente dá as caras, quase matando Ines de susto e de incômodo.

Toni Erdmann
(Divulgação)

Como Ines foge do pai de todas as maneiras possíveis, Winfried faz seu próprio dom de estrategista vir à tona. Usando uma peruca medonha, um terno horrível e uma incompreensível dentadura falsa, ele inventa um personagem – o Toni Erdmann do título. Apresentando-se a todos ora como diplomata, ora como life coach (esses profissionais especializados em, que ironia, dar lições de vida), “Toni” cria todo tipo de situação embaraçosa para a filha, na tentativa de furar a carapaça dela. Pode não parecer a melhor tática, mas Winfried sabe a filha que tem: mergulhada em um ambiente de sexismo velado e competitividade renhida, Ines seria inatingível na base da meiguice. Ambos, aliás, são um bocado parecidos, tanto na dificuldade de estabelecer relacionamentos como no senso de humor. (“Contratei uma filha substituta”, diz Winfried para provocar Ines, que retruca: “Ótimo. Assim ela liga para você no seu aniversário e eu me livro da obrigação”.) É bom notar também que Ines não é nenhuma flor de estufa: ela mal nota a existência da sua jovem e esforçada assistente romena, pisoteia um garçom por um erro alheio, vinga-se de uma indiscrição do amante com uma baita humilhação sexual e adula o chefe sem nenhum constrangimento. Delicadeza não é necessariamente o seu forte.

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Toni Erdmann
(Divulgação)

Com 2 horas e 42 minutos de duração, Toni Erdmann é um filme que se desenrola em um ritmo seu – o ritmo cumulativo dos relacionamentos retomados com alguma curiosidade e imensa relutância. Isso é o que o roteiro e a direção de Maren Ade têm de melhor: esse entrosamento com os atores, completamente comprometidos com a ideia de tornar autênticos os espaços vazios da interação entre pai e filha. Esse compromisso é o que salva do desastre (para mim) a sequência meio surreal que fecha o filme, de uma festa em que todo mundo fica nu e à qual Winfried comparece vestido com um traje folclórico búlgaro – uma espécie de animal peludo com quase três metros de altura. Em Cannes, a plateia rolou de rir com a cena, e depois se comoveu com o final dela. Gosto da maneira como Winfried mostra que não tem nada a oferecer à filha além de si mesmo, e figurativamente pede a ela que considere isso o bastante. Mas a progressão do desfecho é artificiosa, inconvincente e cheia de sentimentalismo. E devem ser exatamente essas as razões pelas quais Hollywood vai refilmar Toni Erdmann, com Jack Nicholson (e a pedido dele) no papel-título e Kristen Wiig como sua filha – pelos defeitos do filme, e não pelas suas qualidades mais duras.


Trailer

TONI ERDMANN
Alemanha/Áustria, 2016
Direção: Maren Ade
Com Peter Simonischek, Sandra Hüller, Ingrid Bisu, Michael Wittenborn, Thomas Loibl, Trystan Pütter
Distribuição: Sony Pictures

 

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