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Análises irreverentes dos fatos essenciais de política e cultura no Brasil e no resto do mundo, com base na regra de Lima Barreto: "Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo".
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Veja as malandragens de Barroso passo a passo

"Explicação" do ministro sobre flagrante da omissão só convenceu blogs sujos do PT

Por Felipe Moura Brasil Atualizado em 30 jul 2020, 23h46 - Publicado em 4 jan 2016, 15h00

Este blog vai esclarecer por partes a tremenda confusão criada por Luís Roberto Barroso e legitimada pelos demais ministros do Supremo Tribunal Federal que seguiram seu voto na sessão plenária sobre o rito do impeachment.

I.

“Aliás, uma das provas de que um argumento está correto é a necessidade de desconstruí-lo com uma falsidade.”

A frase de Barroso no artigo em que ele tenta culpar a edição do vídeo que o mostra omitindo o trecho final do inciso III do artigo 188 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados aplica-se ao próprio ministro no momento em que a usa.

Escreve Barroso:

“Voltando ao vídeo, deliberadamente truncado, cabe rememorar a passagem inteira, que não tem mais do que dois minutos. Quando eu estava votando, o ministro Teori pediu um aparte e leu uma passagem do artigo 188, III. Ele supôs que teria aplicação ao caso a parte inicial do dispositivo e a leu, parando ANTES do final, onde se encontrava a locução ‘nas demais eleições’. Enquanto raciocinava para responder a ele (já que o meu voto sequer mencionava o tal dispositivo), li de novo exatamente a mesma passagem que ele havia lido. Antes que eu concluísse o meu raciocínio, o ministro Teori fala: ‘V. Exa. tem razão’. Nessa hora, paro de responder a ele e volto para o meu voto. Simples assim”.

É uma falsidade. Ou melhor: três falsidades, como os vídeos da sessão demonstram mais abaixo.

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1) Barroso (com expressões como “Sim, mas olha aqui” e “Peraí”) é quem interrompe o aparte de Teori Zavascki, que, segurando páginas soltas, havia se atrapalhado na leitura quando o texto do artigo 188 passara de uma página a outra.

2) ANTES da intervenção de Teori para endossá-lo, Barroso não apenas omite a locução “nas demais eleições” como ainda acrescenta o comentário: “Eu não vislumbro esta exceção como sendo uma exceção de voto secreto”.

Só no meio desta frase é que o atrapalhado Teori, aparentemente sem notar a omissão, diz: “V. Exa. tem razão”.

3) O raciocínio de Barroso não é interrompido com a intervenção de Teori. Tanto que Barroso emenda o ataque a Eduardo Cunha com uma frase que consta praticamente igual em seu voto por escrito: “E considero, portanto, que o voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara no meio do jogo!”

Repito: Barroso acusa os outros daquilo que faz, como qualquer militante de esquerda.

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“Simples assim.”

II.

A edição existente no vídeo do Portal Vox a que Barroso se refere não muda em nada, no fim das contas, a denúncia da omissão descarada feita pelo ministro, muito menos a crítica à fragilidade de sua argumentação.

Transcrevo abaixo a fala completa de Barroso, deixando em vermelho o trecho cortado:

Alguém poderia imaginar que o Regimento Interno da Câmara pudesse prever alguma hipótese de votação secreta legítima. Acho até que poucas. Mas algumas. Uma que todos reconhecem legítima é, por exemplo, a eleição da Mesa da Casa. Mas eu vou ao Regimento Interno da Câmara dos Deputados e quando vejo os dispositivos que tratam da formação de comissões, permanentes ou temporárias, nenhum deles menciona a possibilidade de votação secreta.

Eis o vídeo “editado”:

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[youtube https://www.youtube.com/watch?v=LLGEAlyMdQA?feature=oembed&w=500&h=281%5D

Eis o vídeo sem cortes:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=W1g1SNFVA2U?feature=oembed&w=500&h=281%5D

Truncada, na verdade, é a fala de Barroso, assim como seu voto e seu artigo. Mas este blog vai esclarecê-la.

No trecho em vermelho, o ministro reconhece como legítima uma das votações secretas especificamente previstas no inciso III do artigo 188, do regimento (íntegra aqui): a da Mesa Diretora da Câmara.

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Captura de Tela 2015-12-09 às 01.10.24

Ou seja: o voto oral de Barroso mencionava, sim, “o tal dispositivo”, embora ele não tenha sido a base da sua argumentação, como já se verá.

Em seguida, quando Barroso fala em “dispositivos que tratam da formação de comissões”, ele não diz explicitamente, mas se refere, na verdade, ao artigo 33 do mesmo regimento (este, sim, a base da sua argumentação), que não fala em votação alguma – nem secreta nem aberta – nem especificamente em comissão especial de impeachment.

Neste momento, Teori pediu o aparte, porque julgou que o inciso III do artigo 188 previa, sim, votação secreta para o caso de tal comissão – e então se deu o que descrevi no item anterior.

Ou seja: Barroso omitiu que o artigo 188, de fato, previa votação secreta para as “demais eleições” – e restringiu sua argumentação ao artigo 33 (que vou comentar no próximo item).

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“O que a edição do vídeo fez, seguindo o padrão ético que nós precisamos superar no Brasil, foi cortar a parte inicial e final do diálogo, criando o erro deliberado na percepção do ouvinte”, acusou Barroso.

Na verdade, a edição foi até benevolente com o ministro ao deixar de lado que ele tinha conhecimento do inciso cujo trecho final insistiu em ignorar ao ser confrontado por Teori. E também foi benevolente com o público, ao privá-lo de ouvir a ladainha de Barroso por mais tempo que o necessário, como em qualquer edição jornalística desprovida de má-fé.

O “padrão ético que precisamos superar no Brasil” é o da obscuridade dos ministros do STF, agravada pela arrogância que demonstram diante das críticas feitas por pagadores de impostos, responsáveis por seus imensos salários e benefícios.

III.

Agora vamos à questão crucial: artigo 188 x artigo 53.

Qual deles se aplica ao caso da comissão especial do impeachment? Se ambos pertencem ao regimento interno da Câmara, a quem cabe julgar isso? Essas são as perguntas certas, que este blog vai responder.

Barroso escreveu em sua tentativa de explicação:

“Em primeiro lugar, o meu voto sequer citava o art. 188, III do Regimento, por não ser ele aplicável à hipótese. O art. 58 da Constituição prevê que as comissões serão constituídas ‘na forma’ do regimento da casa legislativa. E o Regimento da Câmara prevê expressamente (art. 33) que os membros da comissão serão indicados pelos líderes. Simplesmente não há eleição alguma. O art. 188, III não tem qualquer pertinência. Por 7 votos a 4 o Tribunal chancelou esse ponto de vista.”

Esse ponto de vista, claro, requer determinadas malandragens, que já vou lembrar quais são.

Primeiro, relembro textualmente o artigo 58 da Constituição: “o Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação”.

Segundo, exponho com benevolência o artigo 33 do regimento, com grifos nos pontos que supostamente embasam a tese de Barroso:

Seção III
Das Comissões Temporárias

Art. 33. As Comissões Temporárias são:
I – Especiais;
II – de Inquérito;
III – Externas.
§ 1º As Comissões Temporárias compor-se-ão do número de membros que for previsto no ato ou requerimento de sua constituição, designados pelo Presidente por indicação dos Líderes, ou independentemente desta se, no prazo de quarenta e oito horas após criar-se a Comissão, não se fizer a escolha.”

Acontece que há, pelo menos, mais duas omissões de Barroso aqui:

1) A comissão especial do impeachment não está incluída de forma específica entre as comissões especiais citadas no artigo 33 do regimento.

Isto porque a seção III do regimento é seguida de três subseções sobre cada tipo de comissão citada no artigo 33. A subseção I trata “das comissões especiais”, especificando seus propósitos no artigo 34:

“Art. 34. As Comissões Especiais serão constituídas para dar parecer sobre:
I – proposta de emenda à Constituição e projeto de código, casos em que sua organização e funcionamento obedecerão às normas fixadas nos Capítulos I e III, respectivamente, do Título VI;
II – proposições que versarem matéria de competência de mais de três Comissões que devam pronunciar-se quanto ao mérito, por iniciativa do Presidente da Câmara, ou a requerimento de Líder ou de Presidente de Comissão interessada.”

Ou seja: o regimento não diz que as comissões especiais darão parecer sobre pedido de impeachment. O texto, portanto, refere-se apenas a comissões especiais constituídas para dar os tipos específicos de pareceres citados.

Aqui, ao contrário do artigo 188, não há a locução análoga “e nas demais comissões especiais”.

Ou seja: Barroso omitiu no artigo 188 o trecho que legitimava a votação secreta e, na prática, acrescentou ao artigo 33 um trecho que legitimaria a formação da comissão especial do impeachment, que não é citada textualmente nem mesmo como uma hipótese restante.

Como veremos adiante, Barroso faz exatamente o que acusa Eduardo Cunha de fazer: “estender hipótese inespecífica” (neste caso, de formação de comissões temporárias prevista no regimento), “por analogia”, à comissão especial de impeachment.

Ainda que não fosse assim, a lei abaixo derruba a tese de Barroso e este blog mostra como ele força à mão para mantê-la de pé.

2) A lei específica sobre o impeachment fala em “comissão especial eleita”.

a) Relembro o artigo 19 da Lei 1.079 de 1950:

“Recebida a denúncia, será lida no expediente da sessão seguinte e despachada a uma comissão especial ELEITA [grifo meu], da qual participem, observada a respectiva proporção, representantes de todos os partidos para opinar sobre a mesma”.

Esta foi a lei que embasou a decisão absolutamente legítima do presidente da Câmara de recorrer ao artigo 188 do regimento interno que trata das eleições realizadas na Casa – e, também, de permitir chapa alternativa, sob o argumento igualmente legítimo que uma eleição pressupõe disputa.

Na sessão do STF, no entanto, Barroso descartou a única lei específica do país sobre o impeachment e a comissão que analisa e dá o parecer sobre o pedido, chegando ao cúmulo de alegar que a palavra “eleita” não subentendia uma eleição, porque teria sido usada no sentido de “escolhida”.

Só faltou Barroso explicar por que o legislador então não usou as palavras “escolhida”, “formada”, “indicada”, “composta”, “estabelecida”, “reunida” ou mesmo nenhuma palavra em lugar de “eleita”, a única do imenso grupo que pressupõe eleição. O legislador, por acaso, era formado em ‘barrosês’?

b) Como já escrevi aqui:

“A farsa do ministro também está embutida em seu voto por escrito (…). No item em que Barroso diverge do relator Luiz Edson Fachin sobre a modalidade da votação, ele afirma (com grifos meus):

‘No silêncio da Constituição, da Lei 1.079/1950 e do Regimento Interno sobre a forma de votação, não é admissível que o Presidente da Câmara dos Deputados possa, por decisão unipessoal e discricionária, estender hipótese inespecífica de votação secreta prevista no RICD, por analogia, à eleição para a comissão especial de impeachment.”

Em primeiro lugar, como vimos, não há silêncio do RICD (Regimento Interno da Câmara dos Deputados) sobre a forma de votação. Em segundo, quem estende ‘hipótese inespecífica’ de votação secreta não é Eduardo Cunha, é o próprio RICD ao apontar ‘e nas demais eleições’, depois de especificar as mais comuns.

Inadmissível é que Barroso ignore o trecho do regimento e transforme em ‘analogia’ o que já está lá previsto, para então reforçar o discurso político do governo contra Cunha e salvar Dilma Rousseff com malabarismo jurídico.”

Resumindo:

Barroso preferiu usar o artigo 58 da Constituição para legitimar a aplicação do regimento da Câmara para a formação de comissões permanentes e temporárias, só que a literalidade do regimento não inclui nem mesmo por hipótese a comissão especial do impeachment entre os tipos de comissões mencionadas no artigo 33 citado pelo ministro.

Como a lei 1.079 fala em comissão especial eleita, a decisão que mais se ateve à literalidade das leis e seguiu adequadamente o regimento foi a de Eduardo Cunha, que, goste-se dele ou não, cumpriu as funções condizentes a seu cargo.

voto do relator Luiz Edson Facchin, embora prolixo, aborrecido e condescendente, o que decerto prejudicou sua compreensão e eficácia, encerra este item de forma memorável, legitimando a votação secreta:

“Diante da razoabilidade de se considerar que há uma autorização implícita para que votações no âmbito do Congresso, em especial quando digam respeito ao sufrágio, sejam declaradas sigilosas pelas regras infraconstitucionais, desde que a finalidade seja coincidente com as finalidades extraíveis das exceções expressas do texto constitucional, a intervenção do Poder Judiciário no Poder Legislativo deve, em homenagem à tripartição dos poderes, submeter-se à autocontenção.

Portanto, não compete ao Poder Judiciário sindicar atos administrativos do Parlamento, quando as soluções são múltiplas e constitucionalmente adequadas. Volta-se aqui à noção de autocontenção do Estado-Juiz perante o Parlamento, em homenagem à tripartição dos poderes. Não cabendo ao Poder Judiciário atuar como intérprete do regimento interno de casa legiferante.

Por isso, voto pela improcedência do pedido cautelar incidental do Autor que visava garantir que a votação no Plenário da Câmara dos Deputados para formação da Comissão Especial fosse aberta.”

Pois é.

Barroso atropelou o Poder Legislativo ao intervir na interpretação do regimento interno da Câmara dos Deputados, ajustando-o ao seu juízo político de conveniência. Sua “explicação” só convenceu os blogs sujos do PT.

* Veja também aqui no blog:
– Como o ‘barrosês’ deu mais poder ao Senado no impeachment
A imprensa cai no papo de Barroso

Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil

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