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Análises irreverentes dos fatos essenciais de política e cultura no Brasil e no resto do mundo, com base na regra de Lima Barreto: "Troça e simplesmente troça, para que tudo caia pelo ridículo".
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ANÁLISE – É falso que um terço dos brasileiros culpa mulheres por estupros sofridos

Pesquisa do Datafolha não mostra o que Fórum Brasileiro de Segurança Pública conclui

Por Felipe Moura Brasil Atualizado em 30 jul 2020, 21h47 - Publicado em 21 set 2016, 21h13

estupro

Em 1º de junho, publiquei aqui a compilação “Estupro, cultura e culpa – Vamos desmontar as farsas“, reunindo meus textos sobre os referidos temas, incluindo o desmascaramento da famigerada pesquisa do Ipea de 2014 que pintou o Brasil como um país de estupradores.

Nesta quarta-feira, 21 de setembro, um dia após a aceitação da denúncia contra Lula, as farsas se repetem com a divulgação de nova pesquisa do Datafolha encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (vou chamar de Datafolha/Fórum) sobre violência sexual contra a mulher.

(O Datafolha é aquele instituto de conclusões que, em 27 de julho de 2005, concluiu que 80% dos brasileiros achavam que o comércio de armas de fogo e munição devia ser proibido.

Quase três meses depois, em referendo nacional, apenas 36,1% votaram pela proibição, enquanto a maioria dos brasileiros, 63,9%, decidiu não proibir a venda de arma.)

Datafolha armas

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(Já o Fórum Brasileiro de Segurança Pública é apoiado pela Open Society Foundation, do fanático bilionário de esquerda George Soros, o megainvestidor que patrocina por todo o mundo entidades dispostas a fazer avançar as causas esquerdistas, incluindo no Brasil o Mídia Ninja, que investe na bandeira anti-policial, e o Instituto FHC, que defende a legalização das drogas.)

O método de ativistas que querem comprovar a existência de uma suposta “cultura do estupro e do machismo” no Brasil por meio de pesquisas é sempre o mesmo.

Elaboram frases traiçoeiras, tendenciosas, ambíguas e/ou vagas o bastante para que possam tirar da concordância do entrevistado a inferência de que ele culpa a mulher pelo crime do estupro, mesmo que a interpretação dele possa ter passado longe de tal coisa que os (ir)responsáveis apresentam como conclusão óbvia e a imprensa ativista ou automatizada engole passivamente.

A cadeia lógica do Datafolha/Fórum dessa vez é a seguinte:

a) 37% concordam com a frase “Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”;

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b) 30% concordam com a frase “Mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”;

c) Logo, 1 em cada 3 brasileiros culpa mulheres por estupros sofridos.

A conclusão do Datafolha/Fórum então vira manchete em todos os jornais, sem que nenhum dos entrevistados tenha dito expressamente que culpa mulheres por estupros sofridos. O suposto um terço simplesmente caiu na pegadinha do instituto.

A disseminação da farsa é facilitada pela inépcia verbal generalizada que consolida o uso de palavras elásticas para descrever aquilo que elas não abrangem.

No suposto debate sobre estupro, a “culpa” passou a funcionar como a “batata” para uma criança que, não sabendo o nome de cada vegetal, chama todos de… “batata”.

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Agrava o quadro o fato de ser inconveniente para ativistas e inocentes úteis aceitarem que um “brócolis” não é uma “batata”, por mais que você descreva e aponte o “brócolis” na própria mesa de cada um.

Ativistas evitam distinções necessárias porque, para além da inépcia verbal, não lhes interessa lançar luz sobre a treva confusa da qual a demagogia se alimenta.

A treva confusa no ativismo feminista sobre estupro é a falta de distinção entre a culpa do estuprador e a voluntariedade da vítima em expor-se a reais ou supostas situações de risco ou vulnerabilidade.

Quaisquer cidadãos ou cidadãs que considerem, a seu modo, que a voluntariedade de uma mulher em expor-se àquilo que acreditam ser uma situação de vulnerabilidade ou risco aumenta as possibilidades concretas para a consumação de um crime de estupro são logo taxados de machistas e rotulados como gente que culpa a mulher pelo estupro sofrido.

Isto, obviamente, está tão longe da verdade que estudos de vitimologia, já resumidos neste blog, apontam pelo menos 10 fatores e 5 comportamentos que aumentam ou diminuem os riscos de alguém sofrer um estupro.

Ninguém necessariamente culpa homens ou mulheres por assaltos sofridos se considera que eles se expuseram voluntariamente a um risco maior – ou abusaram da sorte, na linguagem popular – ao andar com joias à mostra em áreas pouco policiadas onde sabidamente atuam assaltantes.

A culpa do crime é sempre do criminoso.

Ocorre que, num país de alta criminalidade onde as pessoas têm de tomar precauções diárias para não serem vítimas de bandidos, muitos têm posições e até mesmo críticas, ainda que equivocadas e mal expressadas, sobre comportamentos e cuidados que devem ou deveriam ter sido tomados para evitar ou minimizar a vulnerabilidade ou o risco.

Se o Datafolha/Fórum estivesse mesmo interessado em captar o pensamento dos brasileiros, teria formulado questões claras, com as devidas distinções; mas, com efeito, e para usar a mesma terminologia, estaria se expondo assim a um risco maior de ter sua conclusão prévia contraditada pela amostra colhida, de modo que preferiu a treva confusa mesmo.

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Vejamos as frases com que fizeram estardalhaço. (A íntegra do relatório militante está AQUI.)

1) “Mulheres que se dão ao respeito não são estupradas”.

O Datafolha/Fórum definiu que diabos é “dar-se ao respeito”? Não!

“Dar-se ao respeito” é uma expressão popular ampla que poderia ser interpretada pelo cidadão comum, por exemplo, como:

– Não aceitar bebidas de estranhos, evitando o famigerado estupro por violência química, vulgarmente conhecido por “boa noite, cinderela”? Sim!

– Evitar permanecer sozinha com pessoas desconhecidas em ambientes fechados ou locais ermos (especialmente em presença de usuários de drogas ou traficantes)? Sim!

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– Evitar expor informações da vida particular em redes sociais, pois, no caso de ofensores motivados, a internet pode funcionar como fonte de aumento da vulnerabilidade do alvo? Sim!

Logo, “dar-se ao respeito” subentenderia pelo menos 3 comportamentos dos 5 recomendáveis em estudos de vitimologia citados pelo professor de Direito Penal Francisco Ilídio Ferreira Rocha para refutar as conclusões do Ipea em 2014, igualmente divorciadas da amostra colhida.

Acreditar que mulheres que não se comportam de tais maneiras “não são estupradas” significa necessariamente culpar as que se comportam de tais maneiras ou quaisquer outras pelos estupros sofridos? Obviamente que não.

A concordância de 37% dos entrevistados com a frase poderia no máximo ser considerada um erro técnico, já que mulheres que “se dão ao respeito”, em qualquer das interpretações imagináveis, também correm algum risco (mesmo que eventualmente menor) de serem estupradas; mas os entrevistados em geral não são especialistas no assunto para assegurarem que isto de fato acontece, assim como o Datafolha não é especialista em leitura de mentes para cravar o que eles imaginaram a partir de uma expressão tão vaga.

O fato é que, sem inépcia verbal e/ou contorcionismo ativista, é impossível inferir a atribuição da culpa à mulher com base nesta amostra, lamentavelmente usada pela imprensa para emplacar manchetes sobre a proporção de 1 em cada 3 brasileiros que a culpam.

A Folha teve até “calafrios” com a suposta proporção.

2) “Mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”.

Evidentemente, soa mal para pessoas letradas que alguém concorde com esta frase – especialmente para pessoas letradas desacostumadas às formas de expressão do cidadão comum brasileiro.

Quem, do povo, nunca disse ou ouviu um “depois não reclama” ao alertar ou ser alertado sobre qualquer comportamento que supostamente implica maior risco ou vulnerabilidade?

Quem, do povo, nunca disse ou ouviu um “eu avisei, agora você não pode reclamar”?

O Datafolha/Fórum nem sequer definiu com quem não se pode reclamar: não citou a Polícia, nem falou em proibição de dar queixa, por exemplo.

Limitou-se à expressão genérica “não pode reclamar”, usada com frequência no Brasil como mera força de expressão crítica contra quem teve um comportamento alheio aos supostos riscos decorrentes dele, sem que a crítica necessariamente implique uma proibição real da tomada de providências em caso de revés.

Criticar a vítima, ainda que de modo equivocado, por não reconhecer a importância de preservar seus próprios interesses nada tem a ver – ou, se tanto, não necessariamente tem a ver – com culpar a vítima pelo crime sofrido, nem com desculpar o criminoso, nem com justificar ou legitimar moralmente o crime cometido.

Não se pode tirar inferência de ordem moral ou penal sobre as posições de entrevistados com base em confusões de ordem verbal estimuladas nas afirmações que lhes são apresentadas.

Se a afirmação fosse “homem que usa relógio de ouro não pode reclamar se for assaltado”, tampouco se poderia inferir com certeza que em 100% dos casos de concordância o entrevistado culpa a vítima pelo assalto sofrido, mas, sim, que ele entende que relógio de ouro chama a atenção de bandidos e que a vítima deveria ter mais cuidado para evitar ou minimizar o risco de ser assaltada.

Acreditar que mulher que usa roupas provocativas chama a atenção de estupradores, ou mesmo os atiça, é apenas uma crença comum entre leigos em matéria de como os estupradores escolhem suas vítimas, e tampouco implica necessariamente em culpá-las pelo estupro sofrido.

(Observar que roupas provocativas facilitam o trabalho do estuprador é fazer apenas uma constatação evidente caso elas sejam leves e curtas, pois o criminoso as levanta, rasga ou arranca com mais rapidez, enquanto roupas mais fechadas podem lhe custar esforço e tempo extras, resultando eventualmente na chegada de alguém ou até na fuga da vítima.)

Os ativistas, no entanto, querem transformar a crença comum de que estupradores são mais propensos a estuprar mulher que usa roupas provocativas em um “sinal verde” de 30% dos entrevistados para que qualquer homem a estupre. (É a lógica Ela Wiecko.)

Tanto é assim o truque que o relatório oficial, no exame desta questão, cita outra cartilha a respeito para passar sermão no povo:

“A Defensoria Pública do Estado de São Paulo em parceria com o Think Olga lançou em 2014 uma cartilha sobre assédio falando sobre este assunto. Segundo o documento, ‘é errado achar que uma peça de roupa seja um sinal verde para qualquer tipo de violência sexual, inclusive a verbal. Todos têm o direito de sair de casa da maneira como preferirem, no horário que desejarem e para onde quiserem, sem temer qualquer tipo de abordagem grosseira’.”

Repare a linguagem com que essas cartilhas são escritas: “direito de sair… sem temer qualquer tipo de abordagem grosseira”. Não há na Constituição, obviamente, nada sobre direito de sair de casa sem temer o que quer que seja. No Brasil, ao sair de casa tememos um monte de coisas: assaltos, estupros, assassinatos, atropelamentos, gente inconveniente e grosseira.

Tanto é assim que a mesma pesquisa do Datafolha mostra que 46% dos homens também têm medo de ser estuprados.

Quem não vive no mundo encantado das cartilhas de ativistas toma precauções contra os perigos existentes ou assume o aumento dos riscos pessoais, sem qualquer prejuízo de seu direito – este, sim – de prestar queixa à Polícia caso seja vítima de qualquer abuso e, claro, sobreviva a ele.

Na verdade, o cidadão comum, cumpridor da lei, geralmente raciocina levando em consideração a existência do mal no mundo – a existência de estupradores, por exemplo –, ao passo que ativistas não aceitam que eles existam senão como decorrência de um pensamento onipresente na sociedade – a que chamam, neste caso, de “cultura do estupro”.

É a velha mentalidade rousseauniana da esquerda, segundo a qual “o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe”, então a sociedade precisa dos esquerdistas para impedir a corrupção do homem – imagine – e, para isso, deve alçá-los a cargos públicos que lhes deem o devido poder para cumprir a tarefa. (Se o resultado for o petrolão, é só fatalidade, ok?)

Nem o fato de que pessoas com maior escolaridade apresentaram maior índice de discordância das duas afirmações controversas da “pesquisa” fez os ativistas do Datafolha/Fórum reconhecerem que o povão pode não tê-las entendido gramaticalmente da forma como o instituto a interpreta ou não ter dado a elas a profundidade de tratado moral que ele pressupõe.

Nem tampouco o fato de 91%(!) dos entrevistados terem concordado com a afirmação “Temos que ensinar meninos a não estuprar” fez o Datafolha/Fórum reconhecer que pode ter havido ruído de comunicação a respeito das outras duas afirmações que levaram por caminhos tortos à conclusão sobre a suposta culpa das mulheres.

(Da mesma forma, a pesquisa do Ipea de 2014 apontava que 91,4% concordam que o homem que bate na esposa deve ir para a cadeia, mas ativistas ignoraram esse dado.)

Os autores do relatório feminista e das matérias na imprensa preferiram deliberadamente atacar a moralidade do povo afetando indignação ante amostras condensadas de linguagem popular. Nessas horas, a rudimentaridade do povão serve ao esculacho dissimulado por parte do feminismo coxinha.

Como tuitei pela manhã enquanto a representante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública fazia proselitismo na Globonews, com a condescendência das apresentadoras:

tuite marmota estupro

* Veja também aqui no blog: “Estupro, cultura e culpa – Vamos desmontar as farsas“.

Felipe Moura Brasilhttps://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil

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