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‘Silêncio’: o real e a ficção no filme de Scorsese

Roteiro adapta trama criada pelo escritor Shusaku Endo. Porém, um relevante fundo histórico serviu como base para a obra

Por Raquel Carneiro Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 17 mar 2017, 15h07

Silêncio, novo filme de Martin Scorsese, é uma das obras mais distintas da filmografia do cineasta. Afeito a tramas enérgicas, o diretor lança mão da quietude e de longas sequências introspectivas para acompanhar a jornada de dois padres jesuítas, Sebastião Rodrigues (Andrew Garfield) e Francisco Garpe (Adam Driver), durante uma investida missionária no Japão do século XVII. O período é marcado por uma violenta perseguição aos seguidores da fé cristã no país.

O longa é a adaptação do livro de ficção de mesmo nome, do escritor japonês Shusaku Endo, editado no Brasil pela Tusquets. Publicado originalmente em 1966, a obra escrita pincela um fundo de verdade, baseada nos poucos documentos da época que restaram.

Os primeiros missionários chegaram ao país em 1549 e ganharam força no início de 1600. Bem recebidos, especialmente por causa das relações mercantis, os europeus levaram milhares de japoneses a se converterem à fé católica. Estima-se que o número de cristãos no país chegou a 300.000. A bonança acabou quando os senhores feudais locais – os xoguns — passaram a enxergar o catolicismo como uma ameaça à segurança nacional, pelo excesso de obediência dos fiéis aos líderes religiosos europeus.

O romance de Endo se passa em 1630, quando os cristãos já haviam sido banidos do país. A proibição durou até meados do século XIX.

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Confira abaixo os pontos inspirados em fatos da obra cinematográfica:

 

O sagrado pisado

(Reprodução/Reprodução)

Assim no filme como na vida real, quando questionados sobre sua fé, os cristãos eram obrigados a pisar no fumi-e – em japonês “imagem para pisar” – uma placa com representações católicas em relevo, como Jesus crucificado, santos ou a Virgem Maria. O aparato era utilizado pelas autoridades do xogunato para desmascarar suspeitos. Quem se recusasse a pisar na imagem, era preso. Museus japoneses, em Tóquio e Nagasaki, possuem em seu acervo exemplos de fumi-e.

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Cristóvão Ferreira

(Reprodução/Reprodução)

O jesuíta português Cristóvão Ferreira (interpretado por Liam Neeson) é a motivação que leva os dois padres da trama de Silêncio ao Japão. Ferreira, um nome forte dentro da Companhia de Jesus, teria renegado a fé católica. Seus pupilos, inconformados, partem em busca da verdade.

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Ferreira é o único personagem da trama que realmente existiu. Sua representação no filme de Scorsese é bem próxima do que se sabe. Historiadores apontam que o padre morreu em 1650, mas a comunicação entre ele e a igreja se encerra 20 anos antes. O eclesiástico é considerado o primeiro líder católico no Japão a apostatar — a renúncia à crença aconteceu após seis horas de tortura no suplício do poço (veja abaixo).

Não se sabe muito de sua vida e morte após a apostasia. Acredita-se que ele constituiu uma família, parte da obrigação de renunciar a fé. Seu túmulo ainda existe em um templo em Nagasaki, mas os registros sobre sua trajetória se perderam com a bomba atômica, em 1945. “Marinheiros chineses afirmaram que Ferreira renegara a apostasia, tendo uma morte de mártir no mesmo poço que antes o derrotara”, diz William Johnston, professor e tradutor de Silêncio no prefácio do livro.

 

Sebastião Rodrigues

(Reprodução/Reprodução)

Rodrigues, personagem de Andrew Garfield, na realidade, não existiu. O personagem nasceu inspirado em um italiano chamado Giuseppe Chiara. O rapaz era parte de um grupo de dez missionários, composto por europeus, chineses e japoneses, que decidiu entrar no país, apesar da forte perseguição. Todos foram capturados e, após longas sessões de tortura, apostataram. Alguns deles, mais tarde, renegaram a atitude. “Chiara morreu cerca de quarenta anos depois da apostasia, declarando-se ainda cristão”.

 

O suplício do poço e outras torturas

(Reprodução/Reprodução)

Diversos métodos de execução eram usados, como crucificação e fogueira, como exemplo para outros japoneses. Porém, melhor que matar um religioso, que se tornava herói por seu martírio, era fazer um líder católico desistir da fé em público. O suplício do poço, representado no filme, foi um dos tipos de tortura mais cruéis e, para os militares japoneses, eficaz. A vítima era toda amarrada até a altura do peito. Depois, pendurada de cabeça para baixo dentro de um poço escuro e pequeno, que continha no fundo lixos e excrementos. A testa da pessoa era cortada levemente, para que o sangue pingasse aos poucos. “Alguns dos mártires sobreviveram mais de uma semana naquela posição; a maioria, porém, não viveu mais que um ou dois dias”, diz o historiador britânico Charles Ralph Boxer, em seu livro The Christian Century in Japan. Uma adolescente teria sobrevivido 14 dias, o período mais longo registrado.

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Reuniões secretas

(Reprodução/Reprodução)

Assim como é mostrado no filme, eram comuns reuniões secretas entre os cristãos durante o período de proibição. Calcula-se que em torno de 6.000 japoneses mantiveram a fé no auge da perseguição, especialmente em Kyushu, terceira maior ilha do arquipélago, com destaque para a região de Nagasaki. Os criptocristãos — nome dado a cristãos que cultuam em segredo em diversos países — eram chamados no Japão de “Kakure Kirishitans” (cristão escondido, em tradução livre). O segredo levou a religião a um sincretismo involuntário, que não foi mostrado no longa. As orações passaram a se assemelhar a cantos budistas. O mesmo aconteceu com imagens de santos e de Maria, então talhadas de forma próximas aos ídolos permitidos. Já os escritos bíblicos eram passados de forma oral.

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