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Um genovês de Nápoles

O molho de massa que chegou ao Brasil com os imigrantes italianos do sul, desapareceu do seu cardápio e volta a ser preparado em São Paulo

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 21h29 - Publicado em 25 out 2016, 18h59
SALSA ALLA GENOVESE

Salsa (molho) alla genovese: a rainha da gastronomia napolitana – Foto: Divulgação

O jornalista, escritor, dramaturgo e frasista brasileiro Nelson Rodrigues disse que “toda a unanimidade é burra”. Uma ilação que se pode tirar dessa sentença é a importância da crítica. Digo isso em causa própria. Cobram-me duas receitas clássicas de pasta, obviamente italianas, que não foram incluídas no livro “Massa! Mangia Che Ti Fa Felice”, lançado há dois meses pela Editora Melhoramentos, de São Paulo.

A primeira receita é o spaghetti alle vongole, preparado com o pequeno molusco bivalve homônimo, tenro e apetitoso, apreciadíssimo pela culinária napolitana. Na resenha de “Massa! Mangia Che Ti Fa Felice”, publicada na revista VEJA de 12 de outubro, o restaurateur paulistano Rogério Fasano sentiu falta da sua pasta “asciutta” preferida. É o linguine alle vongole, que ainda pode ser preparado com spaghetti ou vermicelli. Para sua falta no livro há uma explicação intelectual. Faltaram informações que alimentassem um capítulo substancioso sobre um dos pratos mais fortes da cozinha napolitana.

A outra receita ausente no livro é a salsa alla genovese (molho à genovesa), sempre harmonizada com massas em formato de tubo, tipo penne, rigatoni, paccheri, perciatelli e ziti. Honestamente, tropeçou na superstição. Seria o décimo terceiro prato comentado no livro, número evitado pelo autor. Trata-se de uma superstição com beneplácito religioso. Fundamenta-se na Santa Ceia, a última refeição de Jesus com seus apóstolos.

Segundo o “Novo Testamento”, eram treze à mesa. Judas, o traidor, foi o primeiro a se retirar. Corroído pelo remorso, enforcou-se em uma árvore. Jesus, que teria sido o último a levantar da Santa Ceia, morreu crucificado no dia seguinte. O episódio evangélico faz muitas pessoas  exorcizarem o número 13. Na verdade, trata-se de uma superstição com origens ancestrais. Mil anos antes da Santa Ceia, os povos escandinavos já abominavam o número 13.

Só os católicos devotos de Santo Antonio não a levam a sério. Nascido na cidade de Lisboa em 1195, o grande pregador franciscano, místico, taumaturgo, escritor e figura importante do pensamento medieval, morreu em Pádua, na Itália, a 13 de junho de 1231. Ascendendo à glória dos altares, converteram-no em cupido e GPS dos objetos perdidos. Treze de junho é quando os devotos o festejam. Santo Antonio também é venerado a cada terça-feira, o terceiro dia da semana.

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Quanto à salsa alla genovese, sua ausência foi lamentada por italianos veteranos. O molho veio para o Brasil com seus ancestrais, imigrantes do sul, mais exatamente da Campânia, que desembarcaram em São Paulo entre os séculos 19 e 20. Tem igualmente origem napolitana. Chegou junto com o spaghetti alle vongole ou aglio e olio, brasciola, scaloppina, ragù alla napoletana, filetto alla pizzaiola, torta di ricotta, etc.

Ninguém sabe por que, porém acabou desaparecendo, a ponto de os jovens descendentes de italianos não conhecerem a receita. “Lembro até hoje do aroma delicioso da salsa alla genovese feita pela mamma, napolitana do quartieri de Vomero”, recorda nostálgico o restaurateur Toninho Buonerba, 76 anos, dono da Cantina e Pizzaria Jardim de Napoli, no bairro paulistano de Higienópolis. Ele próprio nunca fez o prato.

Apesar do nome, a receita nada tem a ver com Gênova, capital da Ligúria. Surgiu em Nápoles, a mais de 700 km dali. Em sua preparação, cozinha-se pedaços de carne bovina, geralmente lagarto ou ponta de alcatra, com cebola picada, pancetta, aipo, cenoura, salsinha, azeite, vinho e sal, até obter um creme amarronzado de sabor naturalmente adocicado. A receita exige que o molho borbulhe horas a fio, em fogo baixo. Retira-se a carne no final do cozimento, para servi-la como segundo prato.

Cipolla rossa genovese: especialidade da região da Ligúria - Foto: Divulgação

Cipolla rossa genovese: especialidade da região da Ligúria – Foto: Divulgação

Os napolitanos não sabem por que deram a um molho tão importante na sua tradição o nome de uma cidade da região da Ligúria. Lejla Mancusi Sorrentino, no livro “I Dodici Capolavori della Cucina Napoletana” (As 12 obras-primas da cozinha napolitana”, Edizioni Intra Moenia, Napoli, 2003), acredita que a receita foi criada no século 16, 17 ou 18, nas casas dos mercadores e banqueiros genoveses que viviam na cidade, ou em alguma trattoria fiel aos seus hábitos alimentares. Outra hipótese é o molho ter sido criado por um cozinheiro de sobrenome Genovese.

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A presença da cebola seria uma pista. Ainda hoje os genoveses adoram esse bulbo carnoso e aromático. A focaccia com cebola, por exemplo, é muito difundida em sua terra, especialmente nos bairros populares e entre os estivadores do porto local. Idem a torta de cebola. Os napolitanos aproveitam para brincar com esse apreço. Dizem que as mulheres genovesas são as que menos choram ao cortar cebola. Matéria prima não lhes falta. Nas imediações de Gênova se produz a cipolla rossa genovese, uma preciosa especialidade da Ligúria. Tem a cor vermelho violáceo, tamanho médio e forma esférica, ligeiramente achatada nas extremidades.

A salsa alla genovese foi encontrada até 2014 no cardápio do BottaGallo, infelizmente fechado, instalado no bairro do Itaim Bibi. Entrou por sugestão de um cliente, o napolitano Aurelio Cinque, dono do Cinque Frigorífico, de Cotia. Em vez dos tipos originais de massa, ou seja, do penne, rigatoni, paccheri, perciatelli e ziti, a casa preferia pappardelle. Na rede Maremonti Trattoria & Pizza, onde a receita ingressou por influência do evento Settimana della Cucina Regionale Italiana, seção 2015, a única adaptação foi o tipo de carne: usa-se a da costela do porco, e não o lagarto ou a ponta de alcatra. A massa é rigatoni. É provar e comprovar. Os italianos do sul chamam a “salsa alla genovese” de “la regina della gastronomia napoletana”. A coroa de rei fica com o ragù.

RECEITA: SUGO (MOLHO) ALLA GENOVESE

Ingredientes

  • 1kg de carne de boi (lagarto ou ponta de alcatra) cortada em pedaços grandes
  • 2 costeletas de porco
  • 50g de pancetta defumada cortada em pequenos cubos
  • 1,5kg de cebola bem picada
  • 1 talo de aipo bem picado
  • 2 cenouras bem picadas
  • 2 a 3 talos de folhas de salsinha picadas
  • 100ml de azeite
  • 250ml de vinho branco seco
  • Queijo parmigiano ralado a gosto (opcional)
  • Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

Preparo

  • Em uma panela, de preferência de barro, coloque junto a carne, as costeletas, a pancetta, a cebola, o aipo, a cenoura, a salsinha, o azeite, o sal e a pimenta.
  • Cubra a panela e cozinhe em fogo muito baixo, mexendo de vez em quando. Após uma hora de cozimento, levante um pouco a chama, para os ingredientes pegarem cor.
  • Incorpore o vinho e misture bem. Diminua o fogo e prossiga o cozimento por cerca de três horas, até as carnes ficarem bem cozidas e macias. Mexa de vez em quando e, se necessário, pingue um pouco de água durante o cozimento.
  • O molho deve ficar denso e com uma bonita cor marrom.
  • Sirva o molho de preferência com massas curtas em formato de tubinho, tipo penne, rigatoni, paccheri, perciatelli e ziti. Se gostar, pulverize por cima um pouco de parmigiano.
  • Reserve as carnes para um segundo prato ou para alguma outra preparação.

 

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