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Tá todo mundo de ressaca

A marchinha do Carnaval de 1955, sobre o pior efeito do álcool, e os métodos para combatê-lo, que incluem um drinque

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 21h01 - Publicado em 1 mar 2017, 12h19

Enquanto não nos acusarem de “incorreção política”, como aconteceu recentemente com os foliões que cantavam antigas marchinhas de Carnaval – “O Teu Cabelo Não Nega”, “Mulata Bossa-Nova”, “Maria Sapatão” e “Cabeleira do Zezé” – continuaremos admirando ostensivamente a animada composição “Ressaca”, da dupla Zé e Zilda (Zé da Zilda e Zilda do Zé). Impossível saber se ela desestimula, instiga ou apenas diverte as pessoas com a pior consequência da ingestão demasiada de álcool.

Aliás, apesar de ter sido composta para os foliões de 1955, tem letra atualíssima. O Carnaval se caracteriza pelos excessos, sobretudo alcoólicos. Zé e Zilda caricaturaram  essa tragédia: “Tá todo mundo de ressaca,/Ressaca, ressaca, ressaca,/Ninguém aguenta mais,/Eu vou mandar parar,/Vai todo mundo, pra casa curar”.

Encontrar um verdadeiro antídoto contra os transtornos causados por beber demais é algo que preocupa a humanidade desde o vexame de Noé. Cessado o dilúvio universal, o patriarca saiu da arca salvadora, lavrou a terra, plantou a vinha, fez o vinho, bebeu demais, embriagou-se, ficou nu e desmaiou dentro da sua tenda. Foi literalmente um porre bíblico.

A coleção sagrada dos textos religiosos de valor primordial para o cristianismo não especifica se Noé padeceu de ressaca no dia seguinte. Mas ele dificilmente escapou do  transtorno, até porque não era jovem na época do dilúvio, estava com seiscentos anos – viveu novecentos e cinquenta. A Bíblia diz que, ao acordar da carraspana, abençoou os dois descendentes que ocultaram sua nudez com um manto e amaldiçoou o terceiro por deixar de tapá-lo.

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Sempre tivemos dificuldade para combater a multiplicidade de problemas criados pela ressaca. O álcool além do limite ataca o sistema nervoso central e corrompe mecanismos cerebrais. Além disso, descendo ao fígado, transforma-se em acetaldeídeo. Trata-se de uma substância violenta, mais tóxica do que o álcool.

A ressaca causa tantas alterações – dor de cabeça, língua saburrosa, garganta seca, azia, sede insaciável, náusea, vômito, diarreia cansaço, tontura e intolerância ao ruído – que se torna impossível desenvolver uma droga capaz de atacar todos esses sintomas ao mesmo tempo. Pouco adianta recorrer ao bicarbonato de sódio, sal de frutas, Sonrisal, Alka-Seltzer, Aspirina, Engov, Neosaldina, protetores hepáticos, bebidas energéticas, ginseng, gengibre, Coca-Cola, guaraná, suco de laranja, limonada, café forte e chá de boldo.

A embriaguez de Noé: o patriarca bíblico saiu da arca, fez o vinho e bebeu demais
A embriaguez de Noé: o patriarca bíblico saiu da arca, fez o vinho e bebeu demais (Afresco de Michelangelo no teto da Capela Sistina/Divulgação)

Até pouco tempo, bebedores tarimbados acreditavam prevenir-se contra a ressaca ingerindo água entre os copos turbinados. O álcool efetivamente desidrata o organismo, sendo importante mantê-lo hidratado. Mas a água não nos livra da ressaca. Outros bebedores entulhavam o estômago com alimentos gordurosos. Explicavam que, com a barriga vazia, o corpo humano absorve o álcool mais rapidamente. Acrescentavam que a gordura adere às paredes do estômago. Com esse efeito, evita a absorção imediata do álcool. Realmente, a comida pesada não nos deixa  arder no inferno quando enchemos a cara. Entretanto, a prevenção surte efeito medíocre na ressaca da manhã seguinte.

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O contraveneno mais intrigante para os estragos do álcool foi uma teoria sustentada, entre outros craques, por Marcelino de Carvalho (1905-1978), ilustre jornalista, escritor, cronista e mestre paulista em etiqueta social nos anos de 1950-60, cujos textos da sua especialidade permanecem clássicos. No livro “A Arte de Beber – Assim Falava Baco” (Editora Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1963), ele defende o “rebate”.

Aconselha tomar uma pequena dose de álcool na manhã da ressaca, tormento que também chama de hangover, o nome inglês. O “rebate” devolveria o bem estar perdido pela queda abrupta dos níveis de álcool metabolizados durante o sono e a vítima da borracheira logo se sentiria bem.

Marcelino de Carvalho aponta receitas poderosas de “rebate”. A mais curiosa envolve o drinque prairie oyster (ostra da pradaria). É um coquetel no qual se coloca, em copo de pé alto, um pouco de ketchup e uma gema de ovo crua em cima; depois, vão sal, pimenta moída na hora, Tabasco, molho inglês, manjericão, gotas de limão e um lance de conhaque.

São seus fãs os americanos, que o enquadram na categoria dos pick-me-up, ou seja, dos drinques que nos conferem ânimo e tornam nosso dia melhor. Apesar da origem incerta, o coquetel foi popular no final do século 19 na Nova Inglaterra – região geográfica extraoficial, dos Estados Unidos, com centro cultural e econômico em Boston. Apareceu diversas vezes no cinema, inclusive no filme “Mr. Deeds Goes to Town” (“O Galante Mr. Deeds”), de 1936, com Gary Cooper.

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A lenda diz que o drinque surgiu no planalto do Oeste Americano, por obra de um sujeito que tinha um amigo doente. Na convicção deste, apenas uma ostra lhe permitiria livrar-se da febre que o matava. Como faltava o molusco, o sujeito criou o prairie oyster. Funciona mesmo contra a ressaca? Um estudo da Universidade de Maryland diz que o ingrediente principal do coquetel, a gema do ovo, especialmente quando consumida crua, contém cisteína, aminoácido necessário para sintetizar a glutationa, antioxidante mestre das células, sendo também capaz de quebrar o acetaldeído e reverter o processo de intoxicação.

Apesar da seriedade da explicação, há quem duvide da capacidade desse e dos outros alegados antídotos. Para os céticos, até hoje o melhor remédio para curar a dor que retumba na cabeça como um atabaque de umbanda (alguns a comparam ao ronco da cuíca), é ir para casa, seguindo a recomendação da marchinha de Zé e Zilda, e esperar que a ressaca vá embora.

 

RECEITA – Prairie Oyster (Ostra da pradaria)

Rende 1 drinque

INGREDIENTES

  • 1-2 colheres (sopa) de ketchup
  • 1 gema de ovo
  • 1 gota de Tabasco
  • 1-2 lances de molho inglês
  • 1 folhinha de manjericão
  • 1-2 gotas de suco de limão
  • 1-2 colheres (sopa) de conhaque
  • Sal e pimenta-do-reino preta moída na hora a gosto
  • Azeite para untar o copo

PREPARO

1. Unte com azeite um copo de Margarita (na falta, use o de Dry Martini).

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2. Acrescente o ketchup e coloque em cima a gema de ovo inteira.

3. Condimente com sal, pimenta-do-reino, Tabasco, molho inglês, a folha de manjericão e o suco de limão.

4. Finalize incorporando o conhaque.

 

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