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Por que mudar a feijoada?

Criada por um restaurante carioca, e não pelos escravos, como se dizia, ela agora leva até frutos do mar

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h48 - Publicado em 1 ago 2017, 15h20

É um feijão que foi muito enriquecido. Compreensivelmente, virou refeição completa. Referimo-nos à generosa Feijoada Brasileira. Alguns requisitos a caracterizam. A receita tradicional manda usar feijão-preto, carne-seca ou charque; lombo, orelha, pé e costelinha de porco; bacon ou toucinho; eventualmente língua bovina; paio e linguiça de lombo, portuguesa e defumada. Acompanham arroz branco, farinha de mandioca crua e farofa, torresmo, couve refogada, laranja fatiada e caldinho de feijão. Ufa!

Assim nasceu a Feijoada Brasileira, entre os  séculos 19 e 20, no restaurante G. Lobo ou Globo, como o povo falava, situado na rua General Câmara, 135, do Rio de Janeiro. Portanto, é mais apropriado chamá-la de Carioca. Não por acaso, em 2012 a receita foi declarada Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Rio de Janeiro. O G. Lobo funcionou de 1884 a 1905, dentro do Hotel Lobo, no centro da cidade. Fechou para dar lugar a melhoramentos urbanos. Mais tarde, ou seja, em 1940, a rua General Câmara sumiu do mapa com abertura da avenida Presidente Vargas.

Segundo Carlos Augusto Ditadi, historiador do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, o restaurante lançou a Feijoada Carioca mais ou menos como conhecemos hoje, com arroz branco, couve refogada, laranja em fatias e farofa. No livro “Baú de Ossos – Chão de Ferro” (Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1976), o memorialista Pedro Nava avaliza a invenção do G. Lobo. Seu avô, o comerciante Pedro da Silva Nava, morava perto.

Nava louva apaixonado a opulência da receita, qualificando-a de “prato alto como as sinfonias, como o verso alexandrino, prato glorioso, prato de luto e veludo – prato da significação mesma e do valor da língua, da religião e da estrutura jurídica, no milagre da unidade nacional”.

A Feijoada Carioca do G. Lobo atraiu enorme clientela, os restaurantes concorrentes a copiaram e a fórmula de sucesso migrou para outras cidades do Brasil. Os paulistas, por exemplo, que não apreciam tanto feijão-preto, adotaram-na ao pé da letra, sem trocar o ingrediente básico. Há referências anteriores à feijoada em anúncios de jornais do Rio de Janeiro e do Recife, porém até prova em contrário não eram refeições completas – condição essencial da preparação.

Alguém disse antigamente que a receita foi inventada pelos escravos africanos, no confinamento da senzala, entre o período da Colônia e do Império. Eles aproveitariam os pertences do porco, também denominados restos – orelha, focinho, pé, rabo e língua –, supostamente desprezados pelos senhores. Repetiu-se isso em livros, palestras e entrevistas, embora sem fundamento.

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“Essa alegada origem da feijoada não passa de lenda contemporânea, nascida do folclore moderno, numa visão romanceada das relações sociais e culturais da escravidão no Brasil”, sustenta o historiador Ditadi. Mesmo  porque os colonizadores portugueses e luso-brasileiros não desprezavam os pertences do porco, pois jamais os consideravam restos.

Além disso, o cardápio imposto aos escravos das minas de ouro, fazendas de café e  engenhos de açúcar, nunca incluía pratos substanciosos. Eles recebiam comida apenas para continuar aptos ao trabalho. Se havia feijão, apresentava-se quase sempre impróprio ao consumo humano.

No livro “Feijão, Angu e Couve” (Editora Itatiaia, Belo Horizonte, 1982), Eduardo Frieiro conta que o feijão dado aos escravos, em Minas Gerais, estava geralmente bichado. Se alguma receita surgiu na senzala, foi o Angu Mineiro, totalmente sem sal, um tempero caro para entrar na dieta desumana dos  escravos.

A Feijoada Carioca é historicamente nossa, mas tecnicamente descende da cozinha de  Portugal, com similares em territórios nos quais a bandeira lusitana esteve hasteada. Nossos colonizadores a preparam hoje em todo o país. Em Trás-os-Montes, utilizam feijão-branco, às vezes o vermelho, e acrescentam couve; no Minho e Douro Litoral preferem o feijão-branco. No exterior, virou  prato típico de Cabo Verde, Macau, Moçambique e Angola.

Curiosamente, a receita cabo-verdense combina feijão e grãos de milho e se intitula Cachupa Rica (vários tipos de carne), e Cachupa Pobre (apenas peixe). Analisando a receita brasileira, o chef alentejano Vitor Sobral é categórico: “A forma de fazer o refogado, depois juntar o caldo, cozer a carne à parte e depois adicioná-las ao preparado, são técnicas do dia a dia da cozinha dos portugueses”.

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Nos últimos tempos, a Feijoada Carioca teve  descendentes. Apareceram novas receitas que, apesar do mesmo DNA, incorporam adereços  diferenciadores. Desse modo, foram lançadas a Feijoada Branca (feijão-branco e os ingredientes da tradicional), a Limpa (sem os pertences do porco), a Vegetariana (legumes, vegetais, cogumelos e ovos) e a Vegana (nenhum produto animal).

Há uma, porém, que se distingue no grupo pelo sabor. É a Feijoada do Mar (moluscos, crustáceos, peixe e paio), incluída no cardápio de restaurantes especializados em pescados, como acontece aos sábados no Rufino’s, da rua Dr. Mario Ferraz, 377, no bairro do Itaim, em São Paulo, SP. Por que mudar a receita original? Explica-se: não há freios para a imaginação humana, nem a instigada pelo paladar.

 

FEIJOADA DO MAR – RENDE 8 A 10 PORÇÕES

INGREDIENTES

1kg de feijão-branco

1 paio de bom tamanho cortado em rodelas

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500g de peixe (cação, de preferência) limpo e cortado em pedaços

250g de camarões grandes limpos

250g de camarões médios limpos

250g de mexilhões limpos

250g de lulas limpas

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3 dentes de alho picados

2 cebolas grandes picadas

Azeite de oliva o quanto baste

1 maço de folhas de couve manteiga rasgadas grosseiramente, previamente escaldadas e refogadas no azeite quente

Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

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PREPARO

1. Em um recipiente, coloque o feijão de molho em água, juntamente com o paio, de um dia para o outro.

2. Tempere separadamente os pedaços de peixe e os camarões com 1 dente de alho, pimenta-do-reino e regue com um fio de azeite de oliva.

3. Cozinhe o feijão em água, com o paio, até os grãos ficarem macios.

4. Em uma panela grande, frite 1 cebola com os 2 dentes de alho restantes. Incorpore o feijão com o paio e  refogue bem.

5. Em uma frigideira, frite as lulas em um fio de azeite de oliva, por 2 minutos e adicione os camarões e os mexilhões, misturando delicadamente .

6. Coloque os pedaços de peixe e os frutos do mar na panela  com o feijão, tempere com sal, ajuste a pimenta, a quantidade de caldo desejado e deixe no fogo até o peixe cozinhar e o caldo engrossar.

7. Sirva com a couve.

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