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Pastor de almas e fogões

Livro traz receitas inéditas do pároco de Priscos, em Portugal, já célebre por um pudim de ovos e vinho do Porto que leva toucinho fresco.

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 21h20 - Publicado em 16 nov 2016, 16h08
Pudim à Abade de Priscos: segredo revelado graças a um duelo confeiteiro – Foto Reinaldo Mandacaru

Pudim à Abade de Priscos: segredo revelado graças a um duelo confeiteiro – Foto Reinaldo Mandacaru

Os portugueses procuram há anos o caderno de receitas que, segundo acreditam, desapareceu misteriosamente do bagunçado escritório do padre Manuel Joaquim Machado Rebelo (1834-1930). Reuniria as melhores receitas do Abade de Priscos, como ele é  conhecido. Pastor de almas e fogões, muitos o consideram o maior cozinheiro amador de Portugal. No seu país, recebe o título de abade o pároco de algumas freguesias – e não apenas os prelados que dirigem mosteiros. Priscos é uma freguesia perto de Braga, com pouco mais de 1.300 habitantes.

O padre cozinheiro se negava a ensinar suas receitas, justificando que ninguém conseguiria prepará-las como ele, “porque a culinária é uma arte muito bela, mas depende inteiramente do artista que a prática”. Só revelou duas. Uma é o pudim com seu nome, à base de gemas de ovos, açúcar, vinho do Porto e, curiosamente, toucinho fresco. Inúmeros portugueses o consideram “o melhor do mundo”. A outra é a sopa dourada, feita com açúcar, miolo de pão, gemas de ovos, cidra, canela e amêndoas descascadas. Fora isso, só existiam cardápios em francês (moda na época) com os nomes de pratos que ele apresentou em banquetes.

Capa do livro: quatro dezenas de receitas inéditas

Capa do livro: quatro dezenas de receitas inéditas

O caderno de cozinha ainda não reapareceu. Entretanto, no dia 9 de novembro passado, saiu em Portugal um livro com quatro dezenas de receitas inéditas do Abade de Priscos. Foi escrito por Mário Vilhena da Cunha, pertencente à família do religioso, e Fortunato da Câmara, crítico gastronômico do jornal “Expresso”, de Lisboa. Intitula-se “A Vida e as Receitas Inéditas do Abade de Priscos” (Temas e Debates/Círculo Leitores, Lisboa, 2016). “Queremos resgatar a figura do Abade de Priscos da idéia às vezes feita de que é apenas uma figura caricatural de uma lenda culinária”, afirmam os autores.

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As receitas saíram de um minucioso levantamento biográfico da vida do Abade de Priscos, dos depoimentos de pessoas da família que as transmitiam oralmente, das correspondências trocadas pelo religioso com amigos e admiradores, dos cardápios dos mais de 90 “jantares cerimoniosos” nos quais ele cozinhou para reis, príncipes, políticos, diplomatas, aristocratas, intelectuais, artistas e prelados.

O pudim à Abade de Priscos, avalizam os autores do livro, continua sendo sua obra-prima. As pessoas se surpreendem com o fato de levar toucinho fresco, pela cremosidade e maciez do doce. Impossível comer só um pedaço! Seu preparo tornou-se conhecido graças a um duelo confeiteiro. Para comprovar a teoria de que ninguém conseguia repetir fielmente as suas receitas, o religioso desafiou um concorrente pâtissier. Cada um fez o mesmo doce, usando os mesmos ingredientes. O padre confeiteiro venceu. O duelo tornou pública a receita.

O Abade de Priscos era chamado para preparar banquetes em todo o país, embora nunca se tenha profissionalizado. Tudo o que fazia era perfeito, da execução ao acabamento dos pratos. Nas receitas de sal, inspirava-se na escola francesa. Em seu caótico escritório, onde guardava tudo, sapatos, chapéus, garrafas de vinho, utensílios culinários e obviamente papéis e livros, havia escritos de Urbain Dubois (1818-1901), cozinheiro provençal conhecido por obras clássicas da arte culinária.

O religioso: cozinhou em mais de 90 “jantares cerimoniosos”

O religioso: cozinhou em mais de 90 “jantares cerimoniosos”

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Américo Pinto, contemporâneo do Abade de Priscos, contou em um artigo publicado no “Diário do Minho”, em 1951, que apesar de morar com a sobrinha Amélia, também habilidosa no fogão, e dispor de empregados, o religioso cozinhava diariamente. Entretanto, não se tratava de sua única prenda doméstica. Ele também sabia lavar, passar e engomar roupas “melhor do que as freiras locais”. Cortava panos e costurava batinas ou vestes laicas tão bem quanto os alfaiates. Segundo Américo Pinto, bordava muito bem. “Era tal a delicadeza das cores empregadas, na transição de uns tons para outros, que pareciam verdadeiras telas pintadas por hábil e consumado mestre”.

O Abade de Priscos viveu 96 anos e os portugueses já quiseram elegê-lo “papa dos cozinheiros”. Quem apresentou a candidatura foi o jornalista gastronômico lusitano José Quitério, no “Livro de Bem Comer” (Assírio & Alvim, Lisboa, 1987). Tornou-se candidato azarão. Em um conclave gastronômico, o padre cozinheiro teria de enfrentar o favoritismo de cardeais da culinária mais conhecidos no mundo, sobretudo franceses, a começar pelo seu ídolo Urbain Dubois. Mas, a bem da verdade, mereceria a honraria.

 

PUDIM À ABADE DE PRISCOS – Por Vitor Sobral (*)

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RENDE 10 PORÇÕES

INGREDIENTES

  • 500g de açúcar
  • 500 ml de água
  • 50g de toucinho fresco picado
  • 1 anis-estrelado
  • 1 pedaço de canela em pau
  • 2 pedaços de casca de limão (sem a polpa branca)
  • 100 ml de vinho do Porto
  • 16 gemas
  • 200g de açúcar com 200 ml de água (para o caramelo)

PREPARO

1. Em uma panela, misture 500g de açúcar com 500ml de água.  Junte o toucinho, o anis-estrelado, o pau de canela, a casca de limão e deixe reduzir em fogo baixo, até obter meio litro de calda.

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2. Retire do fogo, coe a calda e incorpore o vinho do Porto.

3. Em uma tigela, misture ligeiramente as gemas.

4. Derrame a mistura de calda e vinho do Porto lentamente sobre as gemas, mexendo com cuidado.

5. Para o caramelo, leve ao fogo baixo 200g de açúcar com 200ml de água, mexendo sempre, até o açúcar atingir o ponto de caramelo dourado.

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6. Forre com o caramelo o fundo e as paredes de uma fôrma de pudim redonda, vazada no centro.

7. Derrame na fôrma a mistura de gemas, tampe e cozinheiro pudim em  banho-maria (com a água já fervente), no forno médio, aquecido a 180°C, por cerca de 1 hora.

8. Retire a fôrma do forno, deixe esfriar e a seguir desenforme.

 

(*) Vitor Sobral, chef português, é sócio-proprietário dos restaurantes Tasca da Esquina e Taberna da Esquina, ambos em São Paulo.

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