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Como matar um padre

Os italianos têm pratos com nomes irreverentes e um deles satiriza o lendário apetite dos sacerdotes católicos

Por J.A. Dias Lopes Atualizado em 30 jul 2020, 20h42 - Publicado em 30 out 2017, 11h16

O bom humor dos italianos chega à mesa. No prazer gustativo, aliás, revelam-se soberanos. Não por acaso, já foram descritos como o primeiro povo a descobrir que a vida se vive apenas uma vez. Certos pratos da sua culinária recebem nomes divertidos. Um deles se chama Strozzapreti. É uma massa caseira à base de farinha de trigo, água e sal.

Dependendo da região do país, tem a forma de tiras largas, com até 20 centímetros de comprimento, que lembram pappardelle; ou de bastõezinhos com 5 centímetros de comprimento, ligeiramente torcidos; ou de gnocchi de pão dormido; ou a especialidade semelhante feita com farinha de grano duro.

Strozzapreti significa, em português, esgana ou estrangula (strozza) padres (preti). Originalmente, chamava-se strangulaprievete, a seguir mudou para strangolapreti, que vem a ser o mesmo. Em certas regiões da Itália, a antiga designação persiste. Em Nápoles e arredores, Strangulaprievete indica os gnocchi com molho de tomate pelado fresco, às vezes assados no forno em tigela de cerâmica, acrescidos de fior di latte (queijo fresco assemelhado com mozzarella).

Conta-se que o prato Strozzapreti se originou na época dos Estados Pontifícios, formados por um aglomerado de territórios situados no centro da atual Itália. Conservaram-se independentes entre os anos de 756 e 1870, sob a autoridade dos papas e tendo um governo central na cidade de Roma. Hoje, os Estados Pontifícios se resumem ao Vaticano. País independente, seu território constitui um enclave murado dentro da capital italiana, com uma população fixa de aproximadamente 500 habitantes.

Atribui-se à longa dominação papal o arraigado   anticlericalismo da população dos antigos Estados Pontifícios, principalmente entre os homens. Daí  se tornar solo fértil para a difusão do anarquismo, movimento político surgido na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX, que rejeitou qualquer poder estatal, seja religioso, político ou econômico. Seus adeptos costumavam hostilizar, agredir ou matar os padres, figuras proeminentes nos Estados Pontifícios.

Como matar um padre e escapar da polícia? Explorando sua lendária propensão de passar bem à mesa, ou seja, de fartar-se de alimentos. Uma versão conta que, nos Estados Pontifícios, quando as donas de casa católicas recebiam a visita apostólica do pároco, retribuíam sua presença com uma massa substanciosa feita na hora. Enquanto isso, os maridos torciam para o padre se esganar (strozzarsi) de tanto comer.

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O gastrônomo, jornalista e escritor Graziano Pozzetto, um dos fundadores do movimento Slow Food, levanta outra hipótese para a invenção do Strozzapreti, no livro “Cucina di Romagna” (Franco Muzzio Editore, Roma, 2004). O nome anticlerical da massa viria da consistência firme, capaz de esganar (strozzare) a alegada voracidade dos padres.

Uma interpretação teatral explica que, quando apresentado na modalidade de tiras de massa, o Strozzapreti é batizado como tal por se assemelhar aos cadarços das botinas usadas pelos militantes anarquistas. Radicais e cruéis, eles costumavam retirá-los para esganar (strozzare) os sacerdotes católicos que não conseguiam defender-se. Não davam a menor importância para o anátema. Quem mata um padre, incorre em excomunhão e se candidata ao fogo do inferno…

Como sempre, há quem conteste essas versões bem-humoradas. Federico Valicenti, um dos chefs mais conhecidos da Itália, sustenta que não passam de ótimas anedotas. A designação da massa não se relacionaria com os padres. “O substantivo strangulaprievete ou strangulapreti deriva dos verbos gregos straggalao (enrolar) e prepto (equivalente a escavar)”, teoriza. “Em algumas massas, faz-se uma incisão com o dedo indicador ou polegar, daí o nome”.

O Strozzapreti vai à mesa de diferentes maneiras, porém habitualmente leva molho generoso, de frutos do mar ou ragu à base de carne, de linguiça com tomate, ou feito de cogumelos. Até prova em contrário, chegou no Brasil há três décadas, trazido pelo chef Sergio Arno, do desaparecido restaurante La Vecchia Cucina, de São Paulo, onde se tornou atração. Usava massa de formato longo e largo. Depois, praticamente sumiu.

Agora, voltou à rede Maremonti Trattoria & Pizza. Foi reintroduzido nos últimos dias pelo chef Alessandro Lestini, da Úmbria. Ele integrou o grupo de 20 chefs que participou da 6ª Settimana della Cucina Regionale Italiana, realizada em São Paulo de 23 a 29 de outubro. Apresentou-se no Maremonti da Rua Padre João Manuel, 1160. A receita fez sucesso e acabou incorporada ao cardápio de todos os Maremonti.

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Pode ser saboreada normalmente por pessoas de diferentes idades, apreciadoras da boa, aromática e saborosa cozinha tradicional italiana, exceto pelos padres. Prudência não faz mal a ninguém. No Brasil, há um oportuno ditado galego, talvez aportado com os portugueses: “No creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

 

STROZZAPRETI AI FUNGHI

INGREDIENTES

MASSA

  • 500g de farinha de trigo
  • 275ml de água
  • 1 pitada de sal
  • Farinha de trigo para polvilhar

MOLHO

  • 100g de funghi secchi
  • 1 échalote bem picada
  • 75ml de azeite extravirgem de oliva
  • 1 folha de louro
  • 1 copo de vinho branco seco
  • Salsinha e cebolinha-verde picadas a gosto para polvilhar
  • Queijo pecorino ralado a gosto para polvilhar
  • Sal e pimenta-do-reino moída na hora a gosto

PREPARO

MASSA

1. Em uma tigela, misture a farinha com a água e o sal.

2. Em seguida, amasse bem com as mãos, até obter uma massa lisa e homogênea. Embrulhe-a em filme plástico e deixe descansar na geladeira por 15 a 20 minutos.

3. Para dar-lhe formato, abra-a em folhas e corte em tiras largas, sobre uma bancada polvilhada com um pouco de farinha de trigo.

MOLHO

4. Coloque os funghi de molho em água morna, por cerca de 30 minutos, para hidratarem. Passe-os por um coador e corte-os em pedaços regulares.

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5. Em uma frigideira, faça murchar a échalote no azeite previamente aquecido. Incorpore o louro, os funghi e deixe no fogo por cerca de cinco a seis minutos.

6. Junte o vinho branco, tempere com sal, pimenta e complete o cozimento em fogo baixo.

FINALIZAÇÃO

7. À parte, cozinhe a massa em abundante água fervente com sal. Escorra-a al dente, passe-a para os pratos, junte o molho, polvilhe a salsinha, a cebolinha-verde e o queijo pecorino. Sirva imediatamente.

RENDE CERCA DE 6 PORÇÕES

Receita preparada pelo chef Alessandro Lestini, no restaurante Maremonti Trattoria & Pizza, em São Paulo, durante a 6ª Settimana della Cucina Regionale Italiana, realizada na cidade entre os dias 23 e 29 de outubro.

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