A Páscoa e seus ovos
Pelo simbolismo e sabor, eles não podem faltar na principal festa do ano litúrgico cristão
Há ovos de Páscoa que não são feitos para comer e, até pelo luxo, servem apenas para encantar as pessoas. Um dos responsáveis por essa moda refinada foi o rei inglês Eduardo I (1239-1307). Ele mandava banhar ovos de certas aves em ouro para dar de presente no dia da festa da Ressurreição de Jesus. O soberano francês Luís XIV (1638-1715), conhecido por Rei Sol, fazia algo semelhante. Na Páscoa, enviava ovos decorados com luxo às amantes – foram dezesseis em 77 anos de reinado.
Seu sucessor Luís XV (1710-1774) continuou generoso com as mulheres pelas quais se interessava. Em uma Páscoa, presenteou Madame Du Barry, a amante 39 anos mais jovem, com um ovo precioso em cujo interior havia uma estatueta de Cupido, o deus romano da paixão, reproduzido alado, nu e viril.
Os mais valiosos ovos artificiais do mundo, porém, foram moldados ou esculpidos pelo joalheiro russo Peter Carl Fabergé (1846-1920). Ele os fez com ouro, prata, platina, cobre, níquel e paládio, cravejados de diamantes e rubis. Custam agora uma fortuna. Em 2015, um sucateiro do Meio Oeste dos Estados Unidos comprou um ovo Fabergé, sem saber do que se tratava, em um mercado de pulgas. Chegando em casa, descobriu ser dono de uma joia avaliada em US$ 20 milhões.
Acredita-se que Fabergé produziu 56 ovos entre 1885 e 1917, quando a revolução bolchevista o obrigou, pelos serviços prestados à família imperial do seu país, a exilar-se na Suíça. Atualmente, 44 estão em coleções privadas do mundo inteiro e no acervo de museus públicos, como o de Richmond, capital da Virgínia, EUA. Outros cinco se extraviaram. O número um foi encomendado pelo czar Alexandre III. O monarca russo o presenteou à mulher, a czarina Maria Feodorovna, obviamente na Páscoa.
Era uma preciosidade esmaltada, que se abria como uma matryoshka – aquelas bonecas russas de madeira, colocadas uma dentro da outra, que vão diminuindo de tamanho. Primeiro, aparecia uma gema de ouro; depois uma galinha de ouro, a seguir uma coroa de diamantes, em cujo coração cintilava um pingente de rubi e uma réplica em diamante da coroa imperial russa.
No ano passado, quando a Polícia Federal entrou na residência do empresário Eike Batista, no Rio de Janeiro, autorizada judicialmente, apreendeu bens de altíssimo valor. Entre eles, havia um ovo que, no primeiro momento, os peritos acreditaram ser um Fabergé. Feito o exame, constataram ser falso. Peças iguaizinhas custam 50 ou 60 dólares em sites de comércio on-line.
Hoje, os ovos de Páscoa se destinam ao paladar. Sobrevive apenas a tradição de presenteá-los. Aliás, é antiquíssima. Séculos antes do nascimento de Jesus Cristo, os pagãos já trocavam ovos de aves no equinócio da primavera – o instante em que o sol, em sua órbita aparente, cruza o plano imaginário do equador celeste. Celebravam assim o fim do inverno e o início da estação do reflorescimento da flora.
A maior diferença dos ovos atuais é serem de chocolate, compactos, ocos ou contendo recheios de bombons e prêmios. Originaram-se no século 18. Confeiteiros franceses pegaram ovos de galinha ou gansa, retiraram a clara e a gema, e os encheram com o doce, de consistência pastosa, à base das amêndoas torradas do cacau. Só no século seguinte, graças ao aprimoramento da técnica de preparo do chocolate, conseguiu-se produzir ovos duros, inteiramente com esse ingrediente vindo da América.
Em quase todas as civilizações antigas o ovo simbolizava a vida. Na gala ou galadura, o ponto branco e gelatinoso no exterior da gema, julgava-se estar o princípio da vida. Os pagãos a consideravam símbolo de fecundidade e regeneração. Saboreavam ovo tanto no equinócio da primavera como nos funerais, acreditando que a morte nos conduz à vida eterna. De certa forma, os cristãos reiteram essa crença na principal celebração do seu ano litúrgico. Feliz Páscoa!