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Por Coluna
Com palavras e imagens, esta página tenta apressar a chegada do futuro que o Brasil espera deitado em berço esplêndido. E lembrar aos sem-memória o que não pode ser esquecido. Este conteúdo é exclusivo para assinantes.
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Valentina de Botas: Troco a razão pela liberdade de pensar livre

Torço para que a bandidagem toda vá em cana, só receio que os motivos maiores de isso ainda não ter acontecido não estão onde os histéricos procuram

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h55 - Publicado em 7 Maio 2017, 06h21

Detento exemplar, parece que José Dirceu mostrou como conseguir um habeas corpus sem perder a ternura. Se você vai ler este texto, preciso te alertar: não tenho informações de bastidores; entendo de leis apenas o suficiente para me manter do lado certo do Código Penal; não consigo seguir rebanhos mansos ou revoltosos; não idolatro nada nem ninguém; além disso, começo frases com pronome oblíquo, misturo as pessoas do verbo e estou triste também com a morte do Belchior que canta agora a minha preferida, “Coração Selvagem”: meu bem, guarde uma frase pra mim dentro da sua canção.

O habeas corpus a José Dirceu transformou o Brasil novamente em terreno do colapso da razão. Os criminosos pobres desimportantes, esquecidos na cadeia aguardado a Justiça, foram citados para contrapor o poder de JD na decisão frustrante do STF e só serão lembrados outra vez quando convier. Frustrante decisão para o país indignado, mas legal. É desejável que o Ministério Público Federal defenda seu trabalho, mas se o fizer por enfrentamento político, vai dar no que deu: toda vez que o MPF ultrapassa os limites institucionais, a bandidagem sorri. Agora fez política tentando pressionar o STF e, me parece, isso determinou o tom do voto de Gilmar Mendes.

Nossa febre é a de sempre e quebrar o termômetro peitando o frustrante STF é inútil e descabido. O Supremo foi peculiarmente legalista? Ora, não foi também com peculiar legalismo – pois omitiu que a gravidade não é quesito para HC, mas para o julgamento – que Deltan Dallagnol usou o Facebook para listar casos menos graves em que o HC foi negado? Não tenho competência para dizer qual dos legalismos peculiares é correto, o que tento fazer é resistir à histeria da torcida. Torço para que a bandidagem toda vá em cana, sobretudo o chefe, só receio que os motivos maiores de isso ainda não ter acontecido não estão onde os histéricos procuram. 

A Justiça brasileira mastodôntica e cara, que já falha ao tardar, garante impunidade de ponta a ponta e a obsessão com a lentidão do STF é só uma rima, não uma solução; some-se a isso o jogo político sujo ou limpo num contexto de incertezas em que as tentativas do MPF para se impor às custas da harmonia institucional e a conduta politiqueira de Rodrigo Janot ameaçam o que podem fazer – e não fizeram porque preferiram “medidas menos gravosas”. Ou Lula (chefe da organização criminosa) e Dilma (chefe do governo que garantia o funcionamento da organização criminosa) têm foro privilegiado? 

O juiz Sérgio Moro, lúcido diante do fanatismo de que é objeto involuntário, evitou restrições a JD que poderiam ser descontadas da pena final. Enquanto isso, hordas de extrema direita querem a cabeça de Gilmar Mendes espetada num poste, e a turba de esquerda quer a de Sergio Moro exibida em praça pública; para as esquerdistas, há uma conspiração que pretende tirar Lula da disputa de 2018; para a extrema direita, a teoria da conspiração é o jeca se candidatar e voltar à presidência: o Brasil, embrutecido pelo fanatismo, cansa. Deveria estar claro que não é necessária uma conspiração para prender um criminoso (bastaria aplicar a lei) nem para ele se eleger (bastar-lhe-iam votos); afinal, se são-todos-iguais, vida longa ao jeca! Não são iguais e um duque (o Renato) veio lembrar, neste 5 de maio, quem são rei e rainha na nobreza mafiosa que nos governou por quase 14 anos. A melancolia dessa pornorroubalheira, não me desculpem os fanáticos à esquerda e à direta, é a Lava Jato ter rendido livros, filme, power-point, menos a prisão do rei absolutista que continua liberado para destruir as provas da soberania dele.

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Entre sites (sérios!) de notícias que estão a um post de atear fogo ao STF e analistas de quem já não espero mais ponderação e menos gritaria, grassam modernos Tirésias deformados que mal noticiam ou observam o presente e preferem proclamar o futuro com a fluência do adivinho original que era cego, em mais uma das tirações de sarro daqueles gregos danados com essa alegoria de um homem que, sem olhos para o presente, via o futuro. O vidente de Tebas acertava todas e quem o ignorou se deu mal; em contraste, os nossos anunciam que o HC a JD tece a trama com que o STF atará a Lava Jato eliminando as prisões alongadas.

Consequentemente, Palocci, decifrando o recado cifrado no HC-JD, desistiu da delação premiada que ensaiava. É acusado de defensor-de-bandido, inimigo da Lava Jato, esquerdista Fabiano (termo da moda incompreendido por 10 entre 10 que o disparam) e outros “argumentos” quem lembrar que, se o italiano não delatar, Moro o sentenciará a 50 anos de cadeia. O embrutecimento dos fanáticos cansa, mas é impotente se nos dispusermos a pensar: o italiano vai se lascar caso não delate; que tipo de criminoso idiota troca os benefícios definitivos da delação pelos efêmeros do HC? O tipo idiota. OK, então. Alguns afirmam que JD solto destruirá provas e obstruirá a Justiça; ora, o que ele ainda precisa fazer nesse sentido que o chefe em liberdade ainda não tenha providenciado? Incertezas são exasperantes, mas é o que temos num país em transição; só ela – a transição – é a certeza. Não é pouco.

Atravessamos 2014 e 2015 procurando alguma luz entre a escuridão do “tá tudo dominado” a cada batalha ganha pela súcia e a do “a casa caiu” a cada passo da nação indignada para se livrar do governo petista; no final de 2015, o STF, numa operação inconstitucional capitaneada pelo ministro Roberto Barroso, praticamente abortou o impeachment. Todavia, afastamos Janete e o Brasil está se depurando. Mesmo achando natural a agonia de um regime podre e forte frente ao país decente que rascunhamos se dar num fluxo e refluxo de forças antagônicas, rejeito o fanatismo que sagra intocáveis por radicais que veem no impeachment um golpe para impedir a volta de Lula ou para sabotar a Lava Jato e os governos atual e anterior como a mesma coisa. Fosse assim, Temer governaria por pedaladas fiscais em vez de fazer reformas para organizar a catástrofe fiscal; o ministro da Justiça ameaçaria a Polícia Federal; o ministro da Fazenda achacaria empresários para garantir o projeto de poder do PMDB e germinar governos conservadores pela vizinhança; a intimidação ao jornalismo independente vigoraria; etc. 

Não piore minha tristeza me censurando algum otimismo ou pessimismo. Sou brasileira demais, vivi tempo no Brasil demais, sempre pegando duas conduções para ir e duas para voltar, passei tempo demais em filas, perdi muito do que já tive e vi poucas promessas serem cumpridas para, diante de um tremendo golpe de sorte chamado Lava Jato numa nação tão maltratada, reduzir essa transição a um simplista otimismo x pessimismo. A trajetória é irregular, mas é impossível detê-la; temos tido perdas e ganhos, mas o novo Brasil soterrará o velho, será devagar e com recuos, com fanatismo e a resistência a ele, com a casca e o caroço, mas será. Não é a porção Tirésias que não tenho o que me leva a essa constatação, mas Belchior: meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente/Tome um refrigerante, coma um cachorro-quente/Sim, já é outra viagem e o meu coração selvagem tem essa pressa de viver.

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