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Valentina de Botas: Haja Brasil e brasileiros

Há um país insistindo em existir, mesmo enojado com essa nojeira que nos roubou o Brasil melhor que já poderíamos ser

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h56 - Publicado em 19 abr 2017, 18h01

Não quero ler ou ouvir somente o que quero ler ou ouvir, mas também o que não é espelho e me inspira não a concordar ou discordar, mas a refletir. A vida, curta demais, não merece essa redução. Aparentemente, aquele ódio que unia radicais de lados opostos em torno da intolerância está sendo superado, dando lugar a um ódio que os une contra as ameaças de reflexão. É difícil debater num clima em que é ofensa que não pode ficar sem resposta lembrar que a Lava Jato, que amamos e vamos proteger, não resolve todos os nossos problemas; que o país não merece, depois de perder tanto, perder mais desperdiçando a oportunidade que o caos propicia de encaminhar reformas; que distinguir crimes e criminosos serve não para socorrer este ou aquele político, mas para o Brasil tomar consciência do que quer ser.

Portanto, aviso logo que não estou entre os que se deixam guiar pela lista cega Fachin/Janot e pela fúria amolada que pretende uma refundação instantânea da república (via redessociolândia), zerando o presente com um redentor autodeclarado ou aclamado, como se o novo florescesse imunizado por certa pureza idealizada em vez de viabilizado aos poucos e também pela memória. Então, na boa, se o eventual leitor não quer perder tempo comigo, o que não falta é gente com quem você pode perder tempo e que vê na lista cega de Fachin o elenco de um papel só na sordidez detalhada que enojou o país com os vídeos dos depoimentos dos delatores da Odebrecht.

Os depoimentos de Emílio e Marcelo Odebrecht, sobretudo, formam um tipo bizarro de toda a colossal patifaria: o primeiro, porque o meliante posou de cientista social, analisando a nossa história recente com o olhar de um dos comparsas; o segundo, porque o delinquente parecia estar num talk-show, como se fosse um cineasta premiado contando a, sei lá, David Letterman, os bastidores da grande obra que dirigiu, financiada pelo Brasil saqueado e produzida pela sociopatia da meretriz-de-empreiteiros (que as meretrizes me perdoem) travestida de alma-viva-mais-honesta-do-país; e pai e filho dizendo que a Odebrecht pagou isso e aquilo, ora, a empreiteira não pagou coisa nenhuma, quem pagou tudo fomos os brasileiros roubados.

Haja Brasil e brasileiros! E há, mas, se depender do Papa Francisco, de quem ainda se aguarda a conversão ao Cristianismo e que não vem ao Brasil por orientação da CNBB de passeata, não podemos contar com Deus por termos nos livrado de Dilma Rousseff, devota eleitoreira de nossa senhora de forma geral. Jorge Bergoglio, católico fosse, reconheceria que fizemos a escolha legítima e constitucional pelo mal menor quando demitimos aquela fraude vestida com a faixa presidencial que seria de Lula, com a nomeação dele para a Casa Civil, se o essencial juiz Sérgio Moro não tivesse revelado o grampo em que a criatura avisava o criador que “tô mandando o Bessias junto com o papel pra gente ter ele e só usar em caso de necessidade, que é o termo de posse, tá?”. É um mistério para mim o fato de essa dupla especializada em obstrução da justiça estar solta.

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Há Brasil e brasileiros também porque há jornalismo independente e, embora grande parte esteja compondo um ensaio cego sobre a lista cega, ao arrojo de Moro somaram-se precisamente os jornalistas independentes que a cambada não conseguiu comprar, alugar nem intimidar pedindo suas cabeças e fazendo listas enquanto trocava fluidos íntimos-financeiros com jornalistas amigados. Portanto, há um país insistindo em existir e, mesmo enojado com essa nojeira que nos roubou o Brasil melhor que já poderíamos ser, essa antessala do caos é preciosa oportunidade de mudança: além de aposentar uma geração de políticos, o país precisa dramaticamente das reformas política, previdenciária (já desidratada), trabalhista e do Estado (enxugamento, desburocratização e profissionalização contra o clientelismo, o patrimonialismo e a ineficiência) para abolir o passado incessante. E terá de ser com esse Congresso citado-delatado-desacreditado, ou alguém acha que rebentarão do nada 600 varões e varoas de Plutarco para uma constituinte? Fora que uma constituinte numa atmosfera de tanta confusão idealiza um futuro condenado à melancolia do impossível.

A lista cega divulgada com os vídeos faz parecer propositalmente que um Geraldo Alckmin ou José Serra ou Fernando Henrique Cardoso (incluído na maçaroca só porque Janot faz política como se fosse um procurador-geral) e um Sérgio Cabral ou Guido Mantega ou Dilma Rousseff são iguais. Não são. Ou o estado de São Paulo está na mesma situação triste do Rio de Janeiro? Ou o Brasil ao fim do governo FHC era tão sombrio quanto erguido pela gestão do PT? Ou FHC saqueou estatais em vez de privatizar algumas? Os petistas só são iguais aos petistas: um ano depois de afastarmos a mulherzinha, a Ibovespa subiu 20%, o dólar caiu 10% e o risco Brasil diminuiu 31.

Considero os tucanos uns maricas como opositores e bons administradores sem me esquecer de que também a estes cumpre seguir a lei; nem é pela diferença entre o que uns e outros roubaram que resisto à lista cega e à fúria amolada que misturam crimes, mas somente porque a natureza do crime de cada um abriga uma compreensão de Estado e de política: roubar para vender uma medida provisória ou para entregar o setor petroquímico inteiro a uma Brasken ou para eleger ditadores internacionais ou para se perpetuar no poder-roubar expressa uma ideia de mundo que não cabe num caixa 2 sem contrapartida. Isso é fundamental para discernirmos se e como continuaremos a semear a renovação: qual visão de mundo engendra um país minimamente civilizado?

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Já sei: a fúria amolada apregoa que as duas visões se completam, uma abriu caminho para a outra, são todos bandidos e demais obviedades falsas e fáceis, o que libera uma larga alameda para candidatos a redentores que pouco poderão fazer porque a história os revela ingênuos ou aproveitadores e sobretudo porque num país fossilizado por leis obsoletas pouco pode ser feito.

No meio da gritaria dos legalistas-fundamentalistas que cogitam anulamento de provas por causa de vazamentos esquecendo-se de que a parte interessada na anulação pode fazê-los e a dos moralistas-fundamentalisas que já condenaram todos os citados na Lava Jato e acordam os brasileiros com a denúncia cotidiana de que “querem acabar com a Lava Jato” ou com o anúncio de que “Lula será preso” amanhã, procuro algum distanciamento como a maioria dos cidadãos comuns e fico otimista quando me lembro de que o resultado das eleições municipais de 2016 mostrou que os brasileiros parecem ter escolhido a visão de mundo que nos afasta do abismo; e fico pessimista quando me lembro de que esses mesmos brasileiros reelegeram Collor-pós-impeachment, Lula-pós-mensalão, Maluf-pós-tudo, Sarney-pós-passeio de limusine banca em Nova York, Renan-pós-Mendes Júnior, Dilma-pós-Dilma.

Síntese ainda não há e outras ondas de choque virão quando a Lava Jato iluminar as catacumbas escavadas pelo regime petista no BNDES, na Eletrobras, nos fundos de pensão, etc., além da delação da OAS e a divulgação de depoimentos da Odebrecht ainda sob sigilo. Pois que a luz se expanda, impondo-se à vigarice segundo a qual as investigações criminalizam a política e prejudicam a economia – esse mérito é exclusivo da corrupção orgíaca de políticos e empresários cujos alastramento, consequências e longevidade foram determinadas pela escuridão. Enquanto isso, haja Brasil, haja brasileiros e haja reflexão.

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