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Um Manoel-de-barro

ENTREVISTA PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL EM 16 DE DEZEMBRO DE 2006 Mariana Filgueiras Todos os dias, no quintal de casa, em meio ao Pantanal, Manoel de Barros cisma de inventar as tardes a partir de uma garça. Ou de um bem-te-vi. Vê um peixe e quase pega a sua voz. Perto de completar 90 […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 11h50 - Publicado em 28 Maio 2011, 15h17

ENTREVISTA PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL EM 16 DE DEZEMBRO DE 2006

Mariana Filgueiras

Todos os dias, no quintal de casa, em meio ao Pantanal, Manoel de Barros cisma de inventar as tardes a partir de uma garça. Ou de um bem-te-vi. Vê um peixe e quase pega a sua voz. Perto de completar 90 anos, o senhor de fala pausada conhece como ninguém as intimidades da natureza. Confessa: falta muito pouco para tornar-se árvore. O fim não lhe mete medo. Nem a morte. “É preciso fazer parte da natureza que nem um cisco faz, que nem uma ema faz. Depois do cisco e da ema, falta pouco”. E o que esperar daqui para frente? Manoel faz graça: “Quero um DVD do último filme de Fassbinder, um CD de Nelson Freire com músicas de Bach e a última edição da obra de Guimarães Rosa”. Para celebrar a data, o Jornal do Brasil propôs ao poeta que respondesse algumas das provocações deixadas em diversas poesias. Os versos de seus livros foram transformados em perguntas. Diante do desafio, Manoel de Barros riu. Disse não ter tanta inspiração assim.  E assim, cheio de tesao pelas palavras, pediu permissäo aos sapos, retirou-se do quintal e respondeu às questões.

Como pegar a voz de um peixe?

Mais difícil do que pegar na fala dos peixes é o pegar na fala das coisas. Francis Ponge tinha o gosto de pegar na voz das coisas. É necessário cultivar o peixe em casa para se conseguir pegar na voz dele. Há que domesticar o peixe. Eu, certa vez, criei um peixe no bolso. Ele pedia pra sair do bolso e cair nágua. Mas há que insistir em prendê-lo no bolso. Assim o peixe implora. E nós podemos agarrar na voz. Não é fácil. Ele soletra as águas antes de falar.

Qual lado da noite umedece primeiro?

Uma vez um garoto, na Fazenda, falou que do lado da Bolívia estava a se formar uma chuva. Seria o lado oeste de onde estávamos. As chuvas sempre se formavam do lado da Bolívia. Por isso se falava no galpão que aquele era o lado mais úmido da noite. Por isso ainda a gente afirmava que era o lado mais úmido da noite. E como ninguém contestasse ficou sendo. Mas isso terá vindo a verso depois de 30 anos.

Aos 90 anos, o que o poeta falta para árvore?

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Falta se entregar à natureza moda um sapo, moda uma pedra, moda um rio, moda um pássaro. É preciso fazer parte da natureza que nem um cisco faz, que nem uma ema faz. Depois do cisco e da ema falta pouco.

O homem que toca a existência num fagote tem salvação?

Acho que o verso fala da salvação pelo amor, pelo gosto de estar ouvindo e cantando no fagote. Mas eu não tenho fagote. Só o Outro do poeta que toca fagote.

Os jacintos ainda crescem sobre as suas palavras?

Em poesia a Razão é acessório. Quem manda em poesia é a visão. Nem o ver é fundamental. O ver também é acessório. Quem manda é a visão. A visão vem completada de loucuras, fantasias e bobagens profundas. Foi a visão que achou jacintos crescendo em minhas palavras. Acho que os jacintos ainda crescem nas minhas palavras.

As palavras ainda têm carne, aflição, pentelhos e a cor do êxtase?

Poesia é armação de palavras com um canto dentro. Eu sempre armei os versos meus com as aflições e os êxtases do ser humano. Entram portanto pentelhos também.

O vôo do jaburu é mais encorpado do que o vôo das horas?

A hora voa sem asa, por isso não dá pra gente saber. Acho que o vôo do jaburu é mais encorpado. O vôo das horas a gente não vê. Eu tenho vontade de concretizar uma hora. Eu botaria osso na hora. E botaria asas. Só de peraltice com as palavras. Depois eu faria uma pandorga da hora para ela voar. Mas eu não deixaria que a hora escapasse de mim.

São as dálias mesmo lésbicas?

Quando as dálias se encontram, elas se amam. Todas as flores se amam de flor em flor. Isso uma verbena me contou. Não posso garantir nem desmentir.

Ainda sente o cheiro do sol, a 15 metros do arco-íris?

Sei que as perguntas são para experimentar meus absurdos. Confesso, já confessei algumas vezes, que gosto mais de brincar com as palavras do que de pensar com elas. Para tanto precisei de aprender Absurdez. Falo e escrevo fluentemente Absurdez. Por isso descobri que o sol tem perfume.

Ainda dá tempo de inventar uma tarde a partir de uma garça?

Ontem eu vi um bentevi em cima de uma pedra. Ele estava fascinado pela solidão da pedra. Estou relendo o profeta Jeremias. As suas lamentações pelas desgraças da sua Jerusalém. No fim ele teve esta visão: Até as pedras da rua choravam.

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