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Sonia Zaghetto: A parte que nos cabe

Quem se elegeu vestindo a túnica da ética deveria combater e não aprimorar os esquemas de saque aos cofres públicos

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 20h49 - Publicado em 11 jul 2017, 15h48

“Parece-me que esses políticos não se sustentam na sociedade com o apoio das pedras, das árvores, do ar, das coisas, em suma, e sim das pessoas – cujo conjunto tem o nome de povo”.

Monteiro Lobato

Esta nossa terra, em que se plantando tudo dá, vem sendo leiloada há tempos. Vendida por muitos dinheiros, traída sem tréguas, saqueada no silêncio das noites. Nada disso começou agora, bem sei, mas hoje as vísceras expostas da Nação traduzem um tempo de monstruosa decadência, em que a corrupção se institucionalizou, entronizada na Praça dos Três Poderes e elevada à categoria de política do Estado.

Homens que desconhecem os limites da decência a negociam às escâncaras, tornando oficial o escambo mais despudorado. Mal respira a pobre pátria. Morre  um pouco mais a cada dia. E leva consigo as esperanças de milhões.

Tão clássico quanto a corrupção nacional é o apoio que os corruptos desfrutam desde priscas eras. Do meu arquivo saltam fartos exemplos. Seleciono dois que demonstram como o nosso velho ethos adoecido dá as cartas.

O primeiro tem quase cem anos. Monteiro Lobato, em “Mr. Slang e o Brasil/Problema Vital”, não economiza vinagre ao criticar o governo de Artur Bernardes e a atitude geral dos brasileiros. Suas observações sobre tais temas permanecem dolorosamente atuais. Versam sobre a pesada carga tributária, a imprensa a serviço dos governos, a corrupção generalizada, os abusos de autoridade, os jovens brasileiros que já sonham entrar na vida “aposentados” integrando o serviço público (“monstruoso parasitismo burocrático que aqui rói, como piolheira, o trabalho dos que ainda trabalham”) e a falta de espírito empreendedor.

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“O Brasil é a terra onde um parafuso qualquer da máquina governamental, prefeito ou ministro de Estado, tem o direito de ‘ousar tudo’, escudado pela mais completa irresponsabilidade”, diz o velho Lobato, que, de bônus, ainda revela quão antiga e leviana é a nossa forma de escolher quem vai ocupar a cadeira de presidente da República: “Exige-se habilitação para tudo, menos para dirigir o país”.

O segundo exemplo vem do arquivo familiar. Em 7 de março de 1983, meu avô, Rocque Pennafort, observador atento da política nacional, resumiu numa carta desalentada as tentativas anteriores de acabar com a praga da corrupção no Brasil: “O fato mais interessante – não fosse tétrico – foi a eleição de 1982, a mais corrompida a que assisti em toda a minha vida. Em 1930 testemunhei uma revolução que, diziam, veio para acabar com todos os tipos de corrupção – inclusive e principalmente a eleitoral. Depois vieram outros golpes que prometiam mudar as diretrizes da vida no País, inclusive o de 1964. Nada mudou quanto à corrupção.”

Trinta e quatro anos depois da carta de meu avô, a velha corrupção e seu cortejo de áulicos continuam a escandalizar os brasileiros. Reagimos esperneando nas redes sociais, consumidos pela desesperança. A cada dia, uma gota de fel: um novo escândalo aqui, uma delação espetacular acolá, um esquema diferente adiante. Tudo regido pela inesgotável criatividade dos gatunos disfarçados de políticos, funcionários públicos e empresários. Há de tudo no cardápio: de náuseas seletivas a desmentidos oficiais desavergonhados, passando por negativas infantis, apelos dramáticos e o conhecidíssimo sofisma.

É evidente a deterioração emocional do País. Nossa auto-estima encolhe, os sonhos desvanecem, a esperança vive nocauteada. Vergonha nos traduz. Vergonha, diga-se, não de quem foi logrado e acabou por votar em gente indigna. O que nos constrange é ver os expoentes da indignidade serem reeleitos, apoiados, incensados e idolatrados, mesmo após serem flagrados lambuzando-se nos ilícitos. A responsabilidade por isso é intransferível.

Eis porque a fúria desaba sobre os membros da seita de fanáticos em que se converteu a esquerda brasileira. Incapazes de autocrítica, repetem os atos daqueles que tanto criticaram no passado: os seguidores dos velhos coronéis da política, aproveitadores da miséria, cevados por anos com o nosso melhor sangue. Os porcos tornaram-se homens. Ou seria o contrário?

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É inegável, ainda, que, na raiz do sentimento de repulsa que os partidos de esquerda têm provocado em significativa parcela da população está a flagrante contradição entre discurso e prática. As alegações de que a corrupção é antiga são verdadeiras, mas convenhamos: quem se elegeu vestindo a túnica da ética deveria combater e não aprimorar os esquemas de saque aos cofres públicos. Reconhecer isso é o mínimo que se espera. Como esse mea culpa não aparece, cresce a reação indignada à elasticidade moral dos que continuam a apoiar corruptos.

Estes comem o fruto amargo que plantaram sob a forma de crise, desemprego e colapso da economia. Mas não o fazem sozinhos. Suas ações obrigam a coletividade a participar do indigesto banquete. Tornam-nos a todos herdeiros compulsórios e comensais do fruto apodrecido. No Brasil em que ovelhas são devotas de lobos, vive-se o pesadelo cotidiano de estar aprisionado às escolhas de um gêmeo siamês a quem já não tolera.

Diante desse quadro, restam dois caminhos. No primeiro, relativamente fácil, continuam a ruir as amizades. Os siameses estrangulam-se mutuamente. É a vitória final do nós contra eles. A alternativa é a união em torno do bem comum. Caminho árduo, porta estreitíssima. Exige maturidade, desapego de idéias arraigadas, altas doses de tolerância. Se bem sucedida, pavimenta a longa estrada da reconciliação nacional, um projeto coletivo no qual a opção pelo País sobrepuja o culto a personalidades políticas. O primeiro de mil passos pode ser dado em 2018.

Essa decisão é a parte que nos cabe.

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