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Luíza Nagib Eluf, procuradora de Justiça: ‘Sou favorável à descriminalização do aborto’

Aiuri Rebello Procuradora de Justiça de São Paulo especializada na área criminal, Luiza Nagib Eluf formou-se em Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, ingressou no Ministério Público em 1983 e luta há 30 anos pelos direitos da mulher. Autora de dois livros sobre os chamados crimes passionais e um de jurisprudência e doutrina, […]

Por Augusto Nunes Atualizado em 31 jul 2020, 10h32 - Publicado em 7 out 2011, 19h12

https://videos.abril.com.br/veja/id/2c9f94b432b64d540132bb88c6ef0679?

Aiuri Rebello

Procuradora de Justiça de São Paulo especializada na área criminal, Luiza Nagib Eluf formou-se em Direito na Faculdade do Largo de São Francisco, ingressou no Ministério Público em 1983 e luta há 30 anos pelos direitos da mulher. Autora de dois livros sobre os chamados crimes passionais e um de jurisprudência e doutrina, colaborou em 2001 na redação da lei 10.224, que transformou em crime o assédio sexual no ambiente de trabalho. Neste começo de primavera, Luiza aceitou o convite da Presidência do Senado para integrar a Comissão de Revisão do Código Penal, formada por 15 juristas. Remanescente da comissão que tratou do mesmo tema em 1991, ela revela nesta entrevista o que pretende fazer para apressar a modernização das leis em vigor.

O que precisa mudar no Código Penal?

Nosso Código Penal é muito antigo. Data de 1940, e o Brasil era outro naquela época. De lá para cá, houve modificações pontuais em vários  artigos. Um remendo aqui, um aumento de pena ali, e o código virou uma colcha de retalhos. Falta sistemática ao texto atual. Sem falar nas leis penais que estão fora do código. Um exemplo é a Lei de Entorpecentes, que trata de tudo sobre drogas. Em princípio, os membros da Comissão poderão propor alterações em todo o Código Penal, mas  ainda não foi realizada nossa primeira reunião, que irá estabelecer a forma de trabalho. Haverá uma sessão solene de instalação da Comissão no próximo dia 18 de outubro.

O que deve ser retirado do Código Penal?

Sou favorável à descriminalização do aborto. É uma questão de saúde pública, de saúde da mulher. É um crime que não precisaria estar no Código Penal. Devemos mudar as leis para melhor, precisamos pensar nas mulheres pobres que não têm amparo às suas necessidades, mas é claro que essa é minha opinião pessoal, não sei o que pensam os outros juristas da Comissão. No mínimo, seria importante descriminar a interrupção da gravidez em caso de fetos sem cérebro, pois se trata de uma situação torturante para a gestante. Ser obrigada a levar a gravidez até o fim para depois ver o filho morrer é inexigível. Ainda que se resolva evitar a polêmica em torno da questão, algumas adequações são urgentes. Em 1940, não havia possibilidade de saber sobre a situação do feto como se tem hoje. Veja bem: ninguém é a favor do aborto, mas não podemos deixar as mulheres desamparadas, no desespero.

O Brasil precisa de mais leis ou basta aplicar com eficácia as existentes?

As duas coisas. De modo geral, a aplicação equivocada das leis é um problema maior do que a falta de legislação. Por vezes, sinto-me frustrada com decisões judiciais que considero demasiadamente tolerantes com o crime. O trabalho mais importante da comissão será a atualização das leis existentes e gostaria que houvesse mais rigor para algumas condutas, como corrupção e acidentes com vítima provocados por motoristas alcoolizados. Vamos adequar o código à realidade brasileira, mas a eventual revolução se dará na hora de aplicar a lei.

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O que fazer com os crimes que surgiram depois de 1940?

Muita coisa já foi objeto de legislação especial, fora do Código Penal. Quando o código foi escrito, ninguém poderia imaginar o que ocorreria com o surgimento da internet. Não se pode aplicar a analogia para punir criminalmente. Se não há uma lei que preveja exatamente que determinada conduta é considerada criminosa, não há crime. E a internet pode causar muitos transtornos na vida das pessoas.

Você pretende dedicar atenção especial a algumas partes do código durante os trabalhos da comissão?

Sempre me interessei de modo especial pelo crime de homicídio. Tenho dois livros relacionados aos crimes chamados passionais. Gostaria, ainda, de concentrar-me nos crimes contra a dignidade sexual e nos crimes contra a administração pública.

O Brasil tem avançado na proteção legal à mulher?

Já temos uma legislação que contempla a mulher como ser humano. Antes, a mulher não tinha os mesmos direitos do homem.Embora a evolução tenha sido notável, falta muita coisa. Falta mais respeito à sexualidade feminina, por exemplo.  A prostituição é cercada de tabus e execrações. Isso marginaliza uma quantidade enorme de mulheres.

Qual sua posição quanto à prostituição?

Eu acho que as pessoas são muito hipócritas em relação a esse tema. Apedrejar a profissional do sexo e enaltecer o cliente é simplesmente desumano. Acho triste, mas se a pessoa quer vender o corpo de livre e espontânea vontade, a Lei Penal não precisa interferir. Já que existe a prática e por enquanto parecer ser inevitável, que saia da clandestinidade. Que essas mulheres e homens tenham direito à saúde, aposentadoria, enfim, que tenham garantias mínimas dentro da atividade que escolheram para si. E que seja possível terem um local para trabalhar que não a rua.

https://videos.abril.com.br/veja/id/2c9f94b632893d840132bb8c31d13106?

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Você participou da redação da lei sobre o assédio sexual?

Sim, fiz sugestões, mas a redação final ficou bem diferente. Levamos alguns anos para convencer a sociedade, os juristas e o Congresso Nacional de que o assédio sexual era uma realidade, um problema na vida profissional das brasileiras. Éramos acusadas de importar uma ideia dos Estados Unidos, muita gente achava que, aqui, isso não existia. Foi muito difícil introduzir a questão no Código Penal, foi um trabalho que envolveu muitas mulheres e ao final a deputada Iara Bernarde conseguiu aprovar o texto. A redação da lei que trata do assédio diz que o autor do crime tem que ter algum tipo de poder sobre a vítima e praticamente restringe o delito ao ambiente de trabalho. Usar de uma posição superior para constranger uma subordinada a fazer sexo é um crime abominável. Mas isso não acontece só no trabalho. Pode acontecer em casa ou no ambiente escolar ou em clínicas de saúde. É preciso tornar a lei um pouco mais abrangente.

As mulheres assediadas sempre recorrem à Justiça?

Não, principalmente porque é difícil provar o assédio. As mulheres se assustam com facilidade, não acreditam que serão ouvidas, desconfiam da Justiça. Se a vítima não for muito segura, não tiver muita coragem, ficará intimidada e preferirá não denunciar. A pessoa tem que recolher provas ─ vídeos, gravações, um recado escrito, por exemplo. Dependendo do caso, pode-se  fazer exame de corpo de delito. É complicado. Sobretudo no Brasil, onde as decisões judiciais sobre assuntos parecidos costumam ser discrepantes.

Como mudar essa situação?

A Justiça precisa amadurecer os critérios que adota. Em períodos de transição para uma sociedade mais moderna, como o que estamos vivendo, alguns juízes são progressistas, outros são muito retrógrados. As discrepâncias têm de ser reduzidas. A população clama por Justiça. Quer que o criminoso, seja quem for, sofra uma reprimenda à altura, não faça novas vítimas.  A impunidade só agrava a criminalidade. Não punir é o que há de pior. O povo não quer impunidade, não quer que o Brasil seja internacionalmente conhecido como o paraíso da bandidagem.

A lei favorece os criminosos do colarinho branco?

Não diria que a Lei os favorece, mas seria necessário endurecer as penas para administradores públicos corruptos e seus cúmplices do setor privado. Por vezes, o Brasil é tolerante demais com a criminalidade. Nossas penas são leves, não temos prisão perpétua, não temos pena de morte. Sou contra a pena de morte, mas poderia cogitar a prisão perpétua em alguns casos. Por exemplo, para quem reincide em crimes hediondos. Existem os irrecuperáveis. Devemos pensar na proteção da sociedade.

Quais devem ser as atribuições do Conselho Nacional de Justiça?

Sou favorável à descentralização do poder em todas as esferas. No Judiciário, no Legislativo e no Executivo.  Não concordo com a corregedora Eliana Calmon quando fala dos “bandidos escondidos atrás da toga”, porque passa uma impressão ruim do Judiciário como um todo, embora saibamos que nenhuma Instituição está livre de desvios. Evidentemente, se há alguma suspeita, é imprescindível investigar e, se for o caso, punir. Nesse sentido, é muito importante o trabalho da Corregedoria do CNJ, além das apurações nas Corregedorias dos Estados.

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Você é contra a descriminalização das drogas?

Tenho horror a todas as drogas, incluindo o álcool e o cigarro. Todas causam dano imensurável à saúde e à sociedade. É uma questão de saúde pública. Temo que, se descriminalizarmos a maconha, haja aumento do uso e seja aberta uma porta perigosa para a liberação de drogas mais pesadas. É por isso que sou contra.

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