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J.R. Guzzo: Roubaram o riso

Não gostamos mais de rir. Agora preferimos insultar. Perdeu-se a habilitação para perceber o ridículo

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h45 - Publicado em 24 set 2016, 15h46

Publicado na edição impressa de VEJA

Procura-se desesperadamente nos dias de hoje, em tudo o que de alguma maneira diz respeito à vida pública, o senso de humor brasileiro. Onde teria ido parar? A capacidade de rir, de si próprios e da vida, que sempre fez tão bem aos brasileiros, anda sumida nestes tempos azedos em que vivemos. Eis aí mais um belo pedaço do patrimônio nacional que foi roubado neste país. Junto com os bilhões saqueados desde janeiro de 2003 da Petrobras, dos fundos de pensão, dos Correios, da Caixa Econômica Federal, do Ministério dos Transportes e de quase tudo o que tem alguma coisa a ver com governo, levaram também a graça do nosso cotidiano. Bem-­vindos, leitores, ao Brasil do impeachment — e da divisão que está ensinando os cidadãos a odiarem uns aos outros por causa de política. Ria-se de quase tudo no Brasil. Hoje praticamente não se ri mais de nada. Tudo é terrivelmente sério. O país parece ter descoberto, de repente, quanto gosta de emoções como o rancor, o despeito ou a mágoa — ou, mais alarmante ainda, quanto é fácil tratar como inimigo aquele que apenas tem uma opinião diferente. Não gostamos mais de rir. Agora preferimos insultar. Perdeu-se a habilitação para perceber o ridículo. Fora, Dilma. Fora, Temer. Fora isso. Fora aquilo. Estamos ficando um país chatíssimo.

No caso de Dilma ainda vai. A presidente deposta tem um talento raro na arte de se tornar malquista — e isso ajuda muito, claro, no culto geral ao mau humor que existe em relação a ela e seu falecido governo. Mas Michel Temer? Nunca houve a menor necessidade de ficar com raiva de Michel Temer. Em mais de quarenta anos de política o novo presidente nada fez para merecer paixões — e muito menos ódio. Ao contrário, é o tipo clássico do perfeito “gente fina”. Um país que consegue ficar com ódio de Michel Temer realmente decidiu viver de péssimo humor. Pior: um país que se queixa porque uma figura como a ex-presidente foi embora parece ter tomado a opção de não rir nunca mais na vida — sim, pois, se até isso é motivo para choradeira, onde alguém conseguirá encontrar algum motivo para achar graça em alguma coisa? É uma grande pena que o mundo esteja assim, porque senso de humor faz falta. E faz falta porque não é, no fundo, uma questão de rir das coisas. É uma questão de entender como elas são. Na vida prática, o senso de humor acaba funcionando como a manifestação mais básica do bom-senso; aliás, trata-se possivelmente da mesma coisa. Como seria viável, sem a ajuda do riso, achar que algo faz sentido no nosso dia a dia? Viveríamos num mundo perfeitamente insuportável.

Parece que o Brasil criado nesses treze anos de corrupção — e no trauma que tem sido o combate legal para tirar a chave do cofre da turma que controlava o governo da República — resolveu ignorar o bom-senso na discussão pública. É virtualmente impossível, por exemplo, ler do começo ao fim um jornal, uma revista ou uma página de noticiário eletrônico e ter vontade de dar um único e apagado sorriso ao longo de toda a leitura; é tudo desespero, choro e ranger de dentes. O mesmo se pode dizer dos telejornais ou dos programas informativos do rádio. Não se encontra um mínimo de humor nem mesmo entre os humoristas — que, no entanto, teriam a obrigação profissional de tentar fazer as pessoas rir um pouco. A maioria dos comunicadores dá uma importância ilimitada às próprias virtudes. Eles usam a soberba para compensar-se pelo muito que imaginam ser e não são; esquecem o senso de humor que deveria compensá-los pelo que são na realidade. Tudo é gravíssimo, mesmo fora da vida pública. O porre espetacular de um nadador americano na Olim­píada do Rio de Janeiro, com certeza uma das melhores histórias de bêbado dos últimos tempos, nunca chegou a ser piada; foi, do primeiro ao último minuto, um insulto mortal ao Brasil. Parece, em suma, que há brasileiros demais ativamente empenhados em ser infelizes. Dedicam tanto tempo e energia a essa tarefa que ficam sem tempo e energia para aproveitar um pouco melhor a vida.

Os leitores do romance O Nome da Rosa se lembram do tenebroso Frei Jorge e do pensamento que serve de alicerce para a sua vida — e, muito pior ainda, que ele quer impor à vida dos outros. O mais maligno de todos os pecados é o riso, acredita esse grande caçador de pecadores. Muda a face das pessoas, afasta a sua mente da virtude e as aproxima do macaco. Ele se esquece, como observa Frei William, que na verdade o homem é o único ser vivo capaz de rir. O Brasil de hoje tem Frei Jorge demais circulando por aí.

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