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Fernando Gabeira: O ano da encruzilhada

Talvez tenha sido intenso para todos, mas aqui no Brasil, com a profunda crise econômica e um toque de realismo fantástico, 2016 foi mais assustador

Por Augusto Nunes Atualizado em 30 jul 2020, 21h07 - Publicado em 12 dez 2016, 15h32

Publicado no Globo

E se nunca pudermos sair de 2016? Esta pergunta me impressionou, embora fosse apenas uma piada. O ano foi tão intenso que parece um longo pesadelo. Talvez tenha sido intenso para todos, mas aqui no Brasil, com a profunda crise econômica e um toque de realismo fantástico, 2016 foi mais assustador. Às vezes penso que toda essa intensidade não se deve apenas ao ano que termina. Num mundo conectado, muitos de nós consultam a internet de 15 em 15 minutos e ficam desapontados quando não acontece nada.

Nossa demanda por fatos novos parece ter aumentado. O Brasil tem sido generoso, embora os fatos sejam quase sempre negativos e não nos levem, necessariamente, a lugar nenhum. Ferreira Gullar dizia que a vida não basta, daí a importância da arte. Goethe, por sua vez, dizia que a arte é um esforço dos vivos para criar um sistema de ilusões que nos protege da realidade cruel. Dentro de um universo mais amplo, a política também deveria ser um sistema de ilusões que nos ampara da brutalidade do real. Cármen Lúcia, de uma certa maneira, expressou isto quando disse ou democracia ou guerra, referindo-se a uma possível falência do estado, o que nos jogaria numa batalha de todos contra todos.

Navegamos em águas tempestuosas. O processo político que era destinado a melhorar nossa convivência tornou-se, ele mesmo, uma expressão da realidade mais tosca e brutal. Renan Calheiros foi para a cama com sua amante e até hoje estamos tentando tirá-lo do cargo, não por suas aventuras amorosas, mas por um enlace mais perigoso entre empreiteiros e políticos. Ele não cai por uma paixão proibida, mas sim porque defende o vínculo com os financiadores das campanhas, riqueza pessoal e até dos seus momentos românticos. Renan é um general da luta contra a Lava Jato, embora Lula reclame esse posto e ninguém lhe dê muita atenção no momento. O papel histórico de Renan foi coordenar uma reação às investigações, usando como pretexto a lei de abuso de autoridade. Mesmo se um general cair, e nada mais sustenta Renan exceto gente correndo da polícia, a batalha final entre um sistema de corrupção estabelecido e as forças que querem destruí-lo ainda não chegará ao final.

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E é essa batalha, com a nitidez às vezes perturbada pelas peripécias individuais, que está em jogo. Na verdade, ela está, nesse momento, apontando para uma vitória popular. Quando digo vitória, digo apenas tomada de consciência. O sistema de corrupção que a Lava Jato enfrenta, com apoio da sociedade, é muito antigo e poderoso. E essa batalha vai lançar luz na antiguidade e no poder da corrupção no Brasil. O próprio STF é um órgão do velho Brasil, organizado burocraticamente para proteger os políticos envolvidos. Jornalistas que combateram o governo petista agora hesitam diante da manifestação popular. “Vocês estão fortalecendo o PT”, dizem eles. Como se a ascensão de um presidente do PT, um partido arrasado nas urnas, conseguisse deter um projeto de recuperação econômica, já votado pela maioria. Se 60 senadores que votaram no primeiro turno não se impõem sobre Jorge Viana é porque são uns bundões ineficazes e não mereciam estar onde estão. Infelizmente, a coisa é mais complicada. Usaram de tudo para combater a Lava Jato. Agora dissociam a luta contra a corrupção da luta para soerguer a economia. E dizem que uma prejudica a outra. Coisas do Planalto. Não importa muito se Renan fica alguns dias, se Jorge Viana vai enfrentar os senadores e a realidade nacional. O que importa mesmo é o fato de que a sociedade está atenta, acompanha cada movimento, e não se deixa mais enganar com facilidade.

Um personagem do realismo fantástico, Roberto Requião, disse que os manifestantes deveriam comer alfafa. Os que não gostam de ver povo na rua argumentam sempre com mais cuidado. Requião foi ao ponto, pisando sem a elegância de um manga larga ou um quarto de milha. As manifestações incomodam. Revelam uma sociedade atenta, registrando cada detalhe das covardes traições dos seus representantes. Ela teve força para derrubar uma presidente. Claro que precisará de uma força maior para derrubar todo o sistema de corrupção que move a política brasileira. Um sistema muito forte. Um STF encardido, incapaz de se sintonizar com o Brasil moderno; um tipo de imprensa que atribui o desemprego e a crise econômica à Lava-Jato e não aos equívocos e roubalheira do governo deposto; e, finalmente, os guardiões de direitos humanos dos empreiteiros e senadores, incapazes de se comover com a vida mesmo e as pessoas que são esmagadas pelas autoridades.

Está tudo ficando cristalino e esta é uma das grandes qualidades de crises profundas. Se o Congresso quiser marchar contra a vontade popular, que marche. Se o Supremo continuar essa enganação para proteger políticos, que continue. Importante é a sociedade compreender isto com clareza. E convenhamos: se quiser tolerar tudo, que tolere. A chance de dar uma virada e construir instituições democráticas está ao alcance das mãos. Com um décimo da audácia dos bandidos, as pessoas bem-intencionadas resolvem essa parada.

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