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Drauzio Varella: “A visão da sociedade sobre o crack é míope”

Foram abordados, entre outros assuntos, a polêmica envolvendo a Cracolândia e o tratamento de dependentes de crack

Por Augusto Nunes Atualizado em 20 jun 2017, 17h42 - Publicado em 20 jun 2017, 17h41

O médico Drauzio Varella foi o convidado do Roda Viva desta segunda-feira. Um dos mais respeitados oncologistas do país, ele foi um dos pioneiros no tratamento da AIDS e iniciou, em 1989, um trabalho de pesquisa sobre a prevalência do vírus HIV e da hepatite C na população carcerária da Casa de Detenção do Carandiru. A convivência como voluntário com milhares de detentos é o tema de três dos diversos livros que publicou. Prisioneiras, o mais recente, resume o que viu e ouviu em 11 anos de atendimento voluntário na Penitenciária Feminina da Capital — e completa a trilogia que começou com o best-seller Estação Carandiru e prosseguiu com Carcereiros. Entre esses e outros assuntos, estiveram em pauta a polêmica envolvendo a Cracolândia e o tratamento dispensado aos dependentes de crack. Confira trechos da entrevista:

“A solidão tem um destaque grande no livro Prisioneiras, porque foi o que mais me chamou atenção quando cheguei na Penitenciária Feminina. Fui para ficar apenas alguns meses e hoje são 11 anos. Lá estão cerca de 2.400 detentas e, nos fins de semana, os visitantes não passam de 800. O número de mulheres que não recebe visitas há sete, oito anos, é absurdo. O homem, em compensação, nunca fica sozinho. Você passa na porta dos presídios masculinos e a fila é enorme. Nas penitenciarias femininas não tem fila. O maior sofrimento da mulher presa é a solidão”.

“Atendi uma presa hoje com 30 anos e 7 filhos. A natalidade desigual é um dos grandes problemas da sociedade brasileira. Muitas mulheres, principalmente as que estudam, que fazem faculdade, não têm filhos. Enquanto isso, outras começam a engravidar com 13 anos. São crianças que cuidam de crianças”

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“Minha maior frustração nesse trabalho com os presos é ter pouco tempo para fazer os atendimentos e não contar com o apoio de exames laboratoriais e de imagens. Por outro lado, há o desafio de fazer a medicina à moda antiga, com o estetoscópio”.

“Quando comecei a trabalhar no sistema presidenciário o Brasil tinha 90 mil presos. Hoje, tem mais de 600 mil. Apesar de se prender mais, nossas cidades são mais seguras? Pelo contrário”.

“Sempre existiram facções nas penitenciárias brasileiras. O fato novo é que agora existe uma facção que se sobrepõe a todas as outras. E o PCC surgiu com o massacre do Carandiru”.

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“A visão da sociedade sobre o crack é míope. Elas veem aquelas pessoas naquele estado de degradação e dizem que aquilo tem que acabar. Mas o problema não é o usuário. Quando ele chega naquele estado, aquilo vem de muito longe. São pouquíssimas as pessoas de classe média que estão na Cracolândia e gigantesca a quantidade daqueles que vêm de classes sociais mais pobres, com uma condição de vulnerabilidade total. Nós temos uma ordem social que facilita a formação desses cânceres no centro das cidades”.

“Não existe solução a curto prazo para o problema do crack. O estado pode fazer muita coisa, mas não a curto prazo. Você não vai resolver o problema da Cracolândia levando todos para serem internados à revelia, mas aqueles que estão muito doentes, num estado altamente debilitado, precisam ser internados, inclusive compulsoriamente”.

“Há alguns anos, perdia cinco, seis doentes por semana por causa da Aids. Considero a evolução do tratamento dessa doença um dos milagres da medicina. Já fui a conferências nas quais os palestrantes defendiam que os remédios para Aids não deveriam ser distribuídos para a população mais pobre, porque eles não conseguiriam tomar o medicamento na hora certa. O Brasil fez uma revolução nessa área, mas desleixamos na prevenção. Os mais jovens acham que a Aids é uma doença sexualmente transmissível como qualquer outra e que você não vai morrer por isso. Tudo bem, você pode não morrer, mas é uma doença crônica, que te obrigará a tomar remédios a vida inteira que têm efeitos colaterais fortíssimos”

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“Todos nós conhecemos pelo menos uma mulher que fez aborto. Então o que vivemos é uma hipocrisia. Se você tem dinheiro, paga e faz um aborto seguro. Se não tem, fará o aborto em condições inseguras e precárias. Hoje, a principal causa de morte na gravidez é por abortamento”.

“A sociedade não se convence que o crack é uma doença que veio para ficar. Cada vez mais nossos filhos e netos vão conviver com este problema. O esforço não é para acabar com a droga, porque isso é impossível, mas precisamos ter o mínimo de controle”.

“O movimento antivacinação que existe hoje é a prova de que Deus limitou a inteligência humana, mas a burrice é ilimitada”.

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“Se eu pudesse escolher uma briga para vencer na vida seria contra o cigarro, que para mim é o maior crime da história do capitalismo moderno. Eu sei como acaba a vida dos fumantes, é um sofrimento absurdo. Sei como ex-usuário, como alguém que perdeu familiares por causa disso e como médico. A falta de ar dá um desespero horrível. Se um fumante não tiver a sorte de morrer de um ataque cardíaco fulminante, vai morrer sofrendo”.

“A morte é a única certeza que temos na vida, mas a sociedade ocidental tem dificuldade em lidar com ela. Tínhamos que começar com as crianças, mostrando com clareza que a morte é um fato da vida e que temos que lidar com isso com mais naturalidade, sem peso”.

“Aqueles que têm condições financeiras acham hoje que a morte não pode acontecer de jeito nenhum. E nós, médicos, somos formados para lutar contra e muitas vezes passamos do ponto. Continuamos a tratar do paciente mais tempo do que o ideal e acabamos prolongando não a vida, mas o sofrimento”.

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“Estou perto de completar 30 anos de trabalho nos presídios, mas não penso em parar. Nossa tendência é conviver com os semelhantes, aqueles da mesma classe social, com um nível intelectual parecido e, se possível, com a mesma ideologia política. É assim que nos sentimos seguros. Para mim é fundamental o contato com o contraditório”.

A bancada de entrevistadores reuniu Ana Cecília Marques (doutora em psiquiatria, professora da Unifesp e coordenadora da Comissão de Drogas da Associação Brasileira de Psiquiatria) e os jornalistas Cláudia Collucci (Folha), Cristiane Segatto (Época), Fabiana Cambricoli (Estadão) e Robinson Borges (Valor). Com desenhos em tempo real do cartunista Paulo Caruso, o programa foi exibido ao vivo pela TV Cultura.

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