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Deonísio da Silva: Peixe morre pela boca

As coisas andam tão estranhas no Brasil que o povo passou a interessar-se por palavras e expressões antes ausentes do dia a dia, como instância

Por Augusto Nunes Atualizado em 3 set 2017, 11h22 - Publicado em 3 set 2017, 11h22
(Reprodução/Reprodução)

Sempre houve quem falasse demais e morresse pela boca. Nunca tantos como hoje. Como o peixe, muitos estão ansiosos pela isca salvadora e não veem o anzol. É oportuno, então, trazer à baila provérbios e expressões em que está presente a boca.

O Latim, de onde veio o Português, tinha duas palavras para designar a boca: os e bucca. Os, declinado em oris, étimo que aparece mais em palavras da norma culta, resultou em oral, oralidade, oração, oscilar, orifício etc. No Espanhol deu também orilla, margem do rio, comparada à boca.

Já a palavra bucca, originalmente bochecha, não propriamente a boca, resultou em boca, ensejando numerosas palavras e expressões: bocado, bocadinho, embocadura, boca a boca, boca da noite, boca de cena (no teatro), boca do estômago.

Outras expressões recomendam cautela diante de quem fala à boca cheia ou bate boca com discordantes, para arrebentar a boca do balão, e prescrevem a moderação, recomendando falar à boca pequena ou à boca miúda.

Nem sempre é conveniente botar a boca no mundo, que precedeu botar a boca no trombone, uma vez que desde o berço da língua portuguesa, no alvorecer do segundo milênio, já se botava a boca no mundo. Portanto, muito antes da palavra trombone entrar para o Português no século XIX, vinda do Italiano trombone, cujo étimo é tromba, palavra de origem alemã. Aliás, conhecemos a expressão tromba d´água, e o município catarinense de Trombudo Central, ocupado por etnias alemãs e italianas, tem este nome porque rios do lugar ali se encontram formando uma tromba.

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Os portugueses trouxeram expressões e provérbios curiosos sobre a boca e domínios conexos, de que é exemplo “quem meu filho beija, minha boca adoça”. Avisaram também que é perigoso cair na boca do povo, como já caíram altas autoridades, incluindo ministros do STF e procuradores da República.

As coisas andam tão estranhas no Brasil que o povo passou a interessar-se por palavras e expressões antes ausentes do dia a dia, como instância (a primeira, a segunda, a última), jurisprudência, entrar com recurso contra a decisão, apelar ao STF etc. No Brasil de antigamente, mesmo sem ir aos tribunais ou às delegacias, evitava-se o desaforo, sem contudo ir tanto ao fórum para a desforra.

De todo modo tornar-se falado já era uma solerte punição em qualquer área, dos negócios à sexualidade. Nos murmúrios e na fala pelas costas, caloteiros, ladrões e outros malfeitores comiam o pão que o diabo amassou. Eles ficavam falados e isso já era um grande castigo.

Até a moça falada encontrava dificuldades para arrumar um bom casamento, sua sexualidade era segredo de estado. As coisas mudaram tanto que na semana passada uma noiva festejou sua despedida de solteira com uma camiseta onde estava escrito “quem comeu, comeu; quem não comeu, não come mais” e quem caiu na boca do povo e ficou falado foi seu noivo, que desfez o noivado. Ela foi compreendida, aprovada e consolada.

Pegar alguém com a boca na botija era flagrante dado em malfeitores, meliantes, mas nunca num presidente da República, hoje às voltas com as gravações do empresário Joesley Batista, um dos maiores comerciantes de carne no Brasil.

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As tentações da carne já eram nossas velhas conhecidas e em algumas delas o indigitado tinha sido pego com as calças na mão, mas cair nas tentações da carne por falar demais (e o que não devia) estreou de modo retumbante e original no Brasil contemporâneo. Foram desbocados nos áudios já recolhidos tanto o denunciante quanto o denunciado, ao que parece a quem ouviu a conversa ou leu as transcrições.

O povo é desconfiado e enche a boca para dizer que desafetos falam assim da boca pra fora, mas que na boca do cofre todos eles se entendem e que falam por falar. Entretanto, a plebe, a patuleia, o populacho e a ralé ou que mais nomes depreciativos tenha o povo celebram que a corja toda dos ladrões da pátria neste instante, como os peixes, morra pela boca.

Muito antes da Semana da Pátria, as multidões vieram para as ruas e deram um brado retumbante de povo heroico exigindo salvação para a pátria, levando para as ruas o lábaro estrelado, que simboliza paz no futuro e glória no passado.

Usaram a boca para protestar e garantiram à mãe gentil que ela é terra adorada e pátria amada e avisaram, não à boca pequena, mas botando a boca no mundo e no trombone: “Verás que um filho teu não foge à luta, nem teme, quem tem adora, a própria morte”.

Nos festejos cívicos desta semana e nos dias que a eles se seguirão veremos se será atendido o brado das multidões ouvido nas ruas e nas praças deste solo. Ou se também aqueles que vociferaram morrerão pela boca. Tomara que não!

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