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Por Filipe Vilicic
Crônicas do mundo tecnológico e ultraconectado de hoje. Por Filipe Vilicic, autor de 'O Clube dos Youtubers' e de 'O Clique de 1 Bilhão de Dólares'.
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Deu ruim pro Uber?

Tenho ouvido essa pergunta com muita frequência, desde o início do ano. Há a noção de que o app, antes adorado, entrou numa ladeira, em ponto morto

Por Filipe Vilicic Atualizado em 22 jun 2017, 19h14 - Publicado em 22 jun 2017, 18h54

Comecemos com o popular termômetro do Facebook. Há um ano, entrava em meu perfil e via uma penca de pessoas louvando o Uber. E não exagero com o “louvar”. Pois era exagerada a reação da multidão facebookiana. Ao Uber era atribuída uma, nada mais, nada menos, revolução no transporte urbano. Era o início dos tempos de motoristas particulares bem-vestidos e com água gelada e balinha no carro. Desde o início do ano, o cenário mudou. Agora, o exagero é o oposto. Há todo tipo de reclamação contra o Uber.

Nas últimas duas semanas, deparei-me com queixas de mais de dez pessoas, de meu círculo de amigos no Facebook. Isso sem correr atrás dos lamentos; apenas como observador, um receptor passivo. Fora do ambiente virtual, outros quatro clientes vieram me perguntar algo como: “por que o Uber tá tão ruim?”. Todos haviam passado por problemas recentes com o aplicativo. A reclamação mais comum, e que reproduz uma situação pela qual passei três vezes (a última, em maio): motoristas cancelarem a corrida, sem avisar, sem perguntar, por vezes próximos ao local de partida, aparentemente por 1. Não quererem aquela viagem específica ou 2. Calcularem que vale mais a pena fazer o usuário pagar uma “multa” pelo cancelamento.

Antes de tudo, explico esse problema, relatado com frequência. Na última vez, foi assim, comigo. Chamei o carro, com estimativa de chegada de 5 minutos. Passaram os 5, nada, e o tempo mudou para 8 minutos. Depois, viraram 15. O motorista me ligou, perguntando onde era o local de partida. Confirmei o endereço, dei referências próximas, e expliquei que se tratava, simples assim, do maior prédio que ele veria naquela região. Ao desligar a ligação, notei no mapa virtual do app que o mesmo motorista estava (acredite!) na esquina, a poucos metros de distância. Decidi caminhar até lá e, ao mesmo tempo, ia ligar para ele. Contudo, antes de dar dois passos, o motorista cancelou a corrida e, junto a isso, chegou a mim uma cobrança de 8 reais. Sim, teria de pagar pelo erro alheio.

Relato minha experiência pois parece que o mesmo tem ocorrido com frequência com clientes do Uber. Eu já ouvi muitos relatos do tipo. Então, resolvi questionar alguns motoristas do Uber. Todos afirmaram que se tratava de um problema frequente, sim. Por quê? Como disse, alguns motoristas acabam por abandonar a corrida, por não quererem encarar o trânsito local, por (depois de confirmarem o destino com o cliente, por telefone) não acharem que aquele trajeto valeria o investimento, dentre outros motivos. Muitas vezes, se contentam em “multar” a clientela e partir para um próximo chamado. Em um dos relatos que observei no Facebook, a situação foi ainda pior. Depois de um atraso, o cliente ligou para o motorista, perguntando onde ele estava. Detalhe: o motorista já havia dado início à corrida (sem o passageiro) e rumava, sozinho ou, melhor, com o cliente “fantasma”, para o destino. Quando ligaram para ele, questionando o que tinha ocorrido, essa foi a resposta: “Já estou chegando no destino”. O cliente: “Não seria melhor se eu estivesse com você?”. O motorista desligou (e deve ter soltado gargalhadas com a safadeza).

São muitas as queixas, como disse. Já ouvi, por exemplo, de um grupo de passageiros que, ao entrar no carro, notou que o motorista estava bêbado. Ao pedirem para sair, o mesmo admitiu que tinha virado a noite, numa balada, e encarava uma ressaca; mas que não ia “deixar” ninguém sair do veículo, pois queria lucrar com aquela corrida. Os clientes tiveram de espernear para conseguir se livrar da situação.

Mas problemas não ocorrem com qualquer serviço? Sim, claro. Naqueles tempos em que só elogiavam o Uber, vivenciei duas histórias emblemáticas. Numa, na cidade de São Francisco, na Califórnia, o motorista não me achou, por um bug na localização do GPS do celular dele. Noutra, cancelaram a corrida, sem me avisar. Em ambas, bastou responder ao e-mail do recibo enviado para o Uber me pedir desculpas e me ressarcir. Agora, quando se replica a essa mesma mensagem, chega um aviso de que aquele e-mail não atende mais a passageiros; é preciso acessar um site e fazer a queixa nele (ou seja, dá trabalho; o que certamente coibi as lamentações).

Mas voltemos à pergunta inicial: o que aconteceu com o Uber?

Parece que, quando surgiu, em 2009, e até o ano passado, a empresa americana era encarada como uma criança talentosa; e, sim, estava em seu início, em sua infância. Todos (ou quase todos) se admiravam com os talentos dessa jovem (e inovadora) criança. Agora, o Uber entrou na fase da adolescência, cheio de problemas. É comum que esse amadurecimento venha às companhias, ainda mais às que se autoproclamam inovadoras. O Google, por exemplo, era criticado na virada dos anos 2000 e, depois, em meados da década passada (chegou a se ver como protagonista de uma CPI da Pedofilia no Brasil). O Facebook tem sofrido duras repressões da mídia, e de usuários, pela proliferação de fake news, de vídeos violentos, e de outras coisas, digamos, duvidosas, pela rede social. Essas duas empresas souberam amadurecer e dar a volta por cima. Reagiram, ao menos por enquanto, de forma – na lógica que coloquei acima – adulta. Será que o Uber conseguirá o mesmo?

Está mais difícil (mas não ao ponto do impossível) para a companhia por trás do app de transporte urbano. Parece que o pesadelo teve início no começo do ano, quando o fundador e então ainda CEO Travis Kalanick passou a ser apontado como parceiro do presidente americano Donald Trump. O problema: duas praças estrategicamente importantes para o Uber, a região do Vale do Silício e a de Nova York, são dominadas por democratas anti-Trump. A temperatura subiu quando, durante protestos de taxistas contra políticas anti-imigração do presidente americano, o Uber teria aproveitado a situação para mexer nas suas tarifas, em busca de clientes (visto que os táxis estavam paralisados em algumas áreas). Pronto, já alimentaram ainda mais a ideia de que Kalanick, então membro de um conselho do governo, dava suporte a Trump.

Não adiantava explicar, como tentou a empresa, que a associação com o político republicano era forçada. Sim, Kalanick tinha se aproximado de Trump por interesses de negócios; não por questões políticas. Tanto que, logo depois das críticas, passou a se opor publicamente a medidas do presidente. Só que a imagem já estava arranhada. Espalhou-se, por redes sociais como o Twitter, a #deletuber que, estima-se, levou à perda de mais de 200 mil clientes.

Não parou aí. Nos meses seguintes, o Uber se viu imerso numa série de escândalos. Num deles, funcionárias acusaram executivos de assédio sexual. Noutro, um diretor de alto escalão foi denunciado por ter tido acesso indevido ao laudo médico de uma cliente que foi estuprada por um motorista na Índia. Por que ele fez isso? Acredite, por duvidar que a vítima teria mesmo sido estuprada. E há ainda uma investigação criminal sobre tentativas de evadir reguladores e um processo por roubo de segredos comerciais de um concorrente. Essa avalanche levou à debandada de funcionários da empresa.

Na semana passada, a companhia publicou um relatório de treze páginas com medidas internas que devem ser tomadas para contornar a situação; em especial, para lidar com as acusações de assédio sexual e moral. Nele, as recomendações giraram em torno de quarto tópicos principais: a postura da liderança, a confiança que se tem na marca, a transformação da mesma e a prestação de contas (aqui, incluindo explicações sobre questões de RH). Dentre as necessidades, estava a de rever a função de Kalanick como CEO, dar maior independência ao conselho e aplicar políticas que estimulem a diversidade de gênero e raça dentro da empresa. A ação parece que já teve efeitos. Ontem, após pressão de investidores, Travis Kalanick renunciou ao cargo de CEO.

Calma aí! Mas o que isso tem a ver com você e outros clientes, que podem ter queixas mais corriqueiras sobre o serviço do Uber?

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Uma das características que antes eram apontadas como ingrediente essencial do sucesso do app era a de como a empresa fazia uma marcação pesada nos motoristas. Qualquer comportamento errado era investigado e, por vezes, punido, rapidamente. A seleção de quem trabalharia com o Uber era rigorosa. Os motoristas viviam preocupados em não fazer bobeira, para não perder o trabalho.

Hoje, parece que a empresa tem “mais com o que se preocupar”. O dia a dia ficou de lado. Como consequência, proliferam-se os motoristas destreinados, sem medo de cometer gafes. Deteriorou-se o serviço.  Um efeito, digamos, natural, para uma companhia que sofre uma crise interna – dentre seus funcionários – e, outra, externa – com a imagem arranhada.

Há solução? Do lado do cliente, é simples. Como sugerido nesse artigo recente do jornal americano The New York Times, se não está satisfeito, use sua maior arma contra o app: deixe de usá-lo. Passe a testar programas rivais.

E do lado do Uber? Já era para ele? Sim, a empresa entrou numa ladeira, em ponto morto. Mas ainda dá tempo de frear, dar a volta e engatar a primeira marcha. Todas as gigantes do Vale do Silício, ou as já mais estabelecidas, tiveram de encarar momentos-chave para suas histórias, nos quais quaisquer deslizes poderiam levar a uma quebradeira geral. Foi assim com a Apple, cuja falência era tida como quase certa no fim dos anos 90 (e, veja só, agora é a bola da vez). E com Twitter, Google, Facebook… todas. Faz parte do processo de amadurecimento. A pergunta que fica: será que o Uber conseguirá ultrapassar os obstáculos que ele próprio parece ter criado para si e, assim, virará “adulto”? Ainda não se sabe qual será o destino final dessa corrida.

Para acompanhar este blog, siga-me no Twitter, em @FilipeVilicic, e no Facebook.

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